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2.3 Educação e escola: para a emancipação ou para a alienação ?

2.3.1 Escola: o que produz e o que reproduz

A escola pública, gratuita e universal é fruto das relações humanas datadas do período localizado entre os anos 700 e 800, na Europa central, período que coincide com a consolidação de uma nova forma da sociedade organizar-se: o modo capitalista de produção, que rompe com o trabalho na forma individual e inaugura o trabalho social. Pois anteriormente ao início do processo de industrialização:

Quase todas as pessoas aprendiam a fazer seu trabalho fazendo-o. A grande maioria, os camponeses, aprendiam, sem necessidade sequer de sair da esfera doméstica, constituídas por unidades econômicas autosuficientes. E uma pequena minoria por caminhos de um alcance um pouco maior, como os candidatos a artesãos em seu périplo como aprendizes e oficiais, mas sem necessidade de recorrer a mecanismos alheios às próprias instituições produtivas, embora transcendessem a unidade doméstica de origem (ENGUITA, 1989, p.129).

Essas profundas transformações decorrentes do processo de industrialização ocorridas nas relações sociais da época98, em especial no que tange o trabalho, impõem à necessidade da criação e difusão de um espaço de formação de valores desta nova sociedade que preparasse as novas gerações para o trabalho assalariado99. Esse espaço foi e continua sendo a escola (ENGUITA, 1989; MANACORDA, 2004).

No século XIX, generaliza-se a nova aprendizagem, na forma de instituições escolares. A escola pública, laica e estatal constitui-se em oposição ao ensino

escolástico no momento em que as pessoas criam uma outra forma histórica de sociedade. Constituída no bojo do movimento revolucionário, que calcou a seus pés formas antigas de relações educacionais, a escola precisou travar um embate contra a educação escolástica. Nesse tempo, todas as dificuldades parecem porvir dessa batalha gigantesca que ocorre cada vez que os próprios homens criam, pelo trabalho, a necessidade de modificar sua própria vida, rompendo assim com as relações sociais existentes (FIOD, 2005, p. 257).

Assim, funda-se e consolida-se a escola como parte constitutiva, determinada e que também determina as relações fundadas pelo capital. A ideologia burguesa apresenta a escola como uma instituição equalizadora, capaz de possibilitar condições igualitárias a todos os indivíduos. Desta forma, o fracasso e/ou sucesso é de responsabilidade individual,

98 Essas transformações estão presentes em: HOBSBAMW, Eric. A era das revoluções (1749- 1848). 16. ed.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

99 Para Enguita (1989, p.130): “Efetivamente, desde o momento em que a aprendizagem do trabalho e da vida

social não já não é possível diretamente ou, ao menos, exclusivamente no próprio local de trabalho – sobretudo a primeira- é preciso voltar-se para a escola (...) Entretanto, pode-se afirmar que, desde um certo momento de desenvolvimento do capitalismo que seria tão difícil quanto ocioso datar, as necessidades deste em termos de mão de obra foram o fator mais poderoso a influir mudanças ocorridas no sistema escolar em seu conjunto e entre as quatro paredes da escola”.

desconsiderando que a escola é fruto das relações sociais humanas e que, como outra instituição inserida em uma sociedade desigual, reproduz essa desigualdade.

A escola, estruturada nessa base social, vem atendendo as duas funções principais da educação na sociedade capitalista: “(1) a produção das qualificações necessárias ao funcionamento da economia, e (2) a formação dos quadros e a elaboração dos métodos de controle político” (MESZÁROS, 2006b, p.275). Essa escola estabelece vínculos estreitos com a produção social e, conseqüentemente, também com os empregos.

Atualmente, a escola não fica ilesa a condições como o desemprego e a precarização do trabalho, de forma que alguns autores consideram que ela encontra-se em crise e sugerem rearranjos no interior da escola a fim de adequá-la a esses novos tempos. Porém esta crise da escola nada mais é do que a crise do capital que se espalha por suas instituições. “Sendo fruto do que os seres humanos realizam para viver neste momento, a escola, à semelhança de outras relações sociais, enfrenta a mesma dificuldade de se perpetuar” (FIOD, 2005, p. 273).

Tudo isso mostra que a escola não consegue resolver problemas gerados nas relações sociais, com a apropriação privada da riqueza produzida socialmente. Frente à esta escola que reproduz a lógica do capital, que corrobora com a internalização dos valores da sociedade atual e, conseqüentemente, mantêm a alienação do trabalho, é possível contrapor-se, tendo como referência a emancipação humana? Ficam presas à tentativa de retocar os defeitos da lógica do capital, mas não consideram que esta lógica é incorrigível, por si só.

Inicialmente convém ressalvar, duas questões. Primeiro que a história da escola, apesar de aparentar ser uma evolução progressiva e não conflitiva “é o produto provisório de uma longa cadeia de conflitos ideológicos, organizativos e, em um sentido amplo, sociais (Enguita, 1989, p. 131). Segundo que a escola não pode tudo, é limitada, ou nas palavras de Freitas (2003, p. 16- 17):

A escola não é uma ilha no seio de uma sociedade e que não pode fazer tudo, independentemente das condições desta mesma sociedade. Ela tem um papel a jogar na formação do aluno, mas esse papel não pode ser visto de forma ingênua, como se a escola tudo pudesse. Há limites sérios impostos de fora para dentro (...).

A ponderação presente na citação acima nos sugere que assim como as demais instituições, a escola é permeada pela luta de classes e definida por estas relações, as quais são parte de um processo histórico. Dessa forma, não são nem neutras, nem naturais e nem eternas.Nesse sentido, quais seriam os pressupostos que balizam uma escola que luta contra os processos de internalização do capital?

As formulações de Tonet (2005) encontram-se na direção desse questionamento sobre quais seriam os requisitos para uma atividade educativa que pretende contribuir para a emancipação humana. Porém, esse autor adverte que sua resposta tem um caráter genérico e cauteloso, sintetizando em cinco pontos (que estão desenvolvidos em sua obra) estes requisitos: 1) conhecimento profundo e sólido no fim que se pretende atingir – a emancipação humana; 2) apropriação do conhecimento a respeito do processo real em suas dimensões universais e particulares; 3) conhecimento da natureza essencial do campo da educação; 4) domínio dos conteúdos específicos de cada área do saber; 5) articulação da atividade educativa com as lutas desenvolvidas pelas classes subalternas.

A partir dos pressupostos que discutimos até aqui, podemos dizer que a escola que se contraponha a escola capitalista, e conseqüentemente, contribua para emancipação humana, precisa ter como fundamento, em síntese: a superação da fragmentação do conhecimento (relacionando teoria e prática); a vivência da auto-organização dos estudantes e do trabalho coletivo; a compreensão dos diferentes aspectos da alienação do trabalho e de sua transcendência; a compreensão da natureza histórica do ser humano e das relações por ele criadas; o domínio dos conteúdos de cada área do saber; articulação da escola com as lutas da classe trabalhadora; o desvelamento do caráter de classe da sociedade, da escola, do conhecimento; entre outras. Enfim, uma escola que contribua com a elevação do padrão cultural da classe trabalhadora, nos limites de uma sociedade de classes - em que a socialização do conhecimento é apropriado pela classe que detém a riqueza material, apesar de não produzi-la. Desta forma, auxilie no acúmulo de forças na construção do projeto de emancipação humana. Essas questões parecem estar presentes na Teoria Marxista e na Pedagogia Socialista, discutidas no item a seguir.