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2.1 A necessidade histórica da emancipação humana frente à lógica destrutiva do capital

2.1.2 A tendência destrutiva e autodestrutiva do capital

A degradação crescente e cada vez mais profunda do meio ambiente; o desemprego presente, inclusive nos países do capitalismo central; a diminuição da taxa de uso das mercadorias (inclusive da força de trabalho); o agudo desperdício tanto na produção, como no consumo; entre outras, são manifestações do poder destrutivo do capital. Tais fatos, presentes de forma inquestionável na materialidade atual, permitiram a Mészáros (2006a) recolocar a tese da tendência destrutiva e autodestrutiva do capital. Essa tese foi anunciada por Marx & Engels (1998, p.71-72), ao dizerem que: “Tais forças produtivas alcançam com a propriedade privada um desenvolvimento exclusivamente unilateral, tornam-se, em sua maior parte, forças destrutivas, e um grande número delas não pode encontrar a menor utilização sob o seu regime”. Essa lógica destrutiva evidencia a destruição das forças produtivas, que são forças necessárias para produção de riquezas, compreendem os meios de produção (meios e objetos de trabalho), e a força de trabalho.

O que impera na lógica do capital é a profunda disjunção entre necessidade e produção, em que o critério para a produção de riquezas é subordinado ao seu valor de troca, ou melhor, só é útil para o capital o que é vendável, e que permite sua reprodução ampliada. Podemos dizer que o processo em que o capital amplia-se é contraditório, pois carrega em si a sua

relação endógena com a destrutividade, uma vez que amplia também ao longo do tempo suas contradições e seu poder de autodestruição.

Isso não significa dizer que por si só o capital será destruído e/ou superado, mas sim, que a possibilidade de deslocamento dessas contradições, em nossos dias é, no mínimo, reduzida. O capital pode vir a se reajustar por tempo indeterminado, porém numa instabilidade cada vez maior (MESZÁROS, 2006a). Em seguida, veremos de forma breve, como se manifesta essa tendência na materialidade atual.

Uma das características dessa lógica destrutiva é o desperdício desenfreado, tanto na produção como no consumo, que se afirma no aprofundamento da sociedade dos descartáveis para realização permanente do valor de troca das mercadorias. Assim, diariamente, bens duráveis tornam-se inutilizáveis sem que sua vida útil realmente esteja finalizada. Aspecto imbricado nesse refere-se à obsolescência planejada – a mercadoria é concebida para tornar- se, em curto período de tempo, obsoleta82. Outro exemplo ilustre dessa produção destrutiva refere-se ao complexo militar /industrial, produção indispensável numa forma superior de sociedade.

A redução do trabalho vivo, lócus da extração de mais-valia é também um dilema vivido pelo capital na sua atualidade. Essa redução diz respeito ao aumento da composição técnica no processo produtivo, o que diminui gradualmente a demanda por força de trabalho. Essa foi definida por Marx como uma tendência própria do capital – da queda da taxa de lucro. No entanto, esta redução não está necessariamente em relação direta com a diminuição da mais- valia social, nem com a redução do assalariamento e da classe trabalhadora. Pois para esta análise se faz necessário verificar os dados relativos a essa questão considerando suas múltiplas determinações, numa perspectiva que abarque a totalidade, e não apenas pela leitura de ramos de produção, e nem somente a partir de considerações realizadas nos países do capitalismo avançado.

Fenômeno comum à época vem sendo a diminuição crescente dos empregos em tempo integral, com maior segurança e estabilidade. Concomitantemente ao aumento de empregos temporários, subcontratados, com menor segurança e acesso a direitos trabalhistas

82 Sobre essa questão, Harvey (2001) analisa o fenômeno da acumulação flexível, ou seja, da mudança no padrão

de produção que reduziu significativamente o tempo de giro na produção e no consumo, demonstrando que: “A meia vida de um produto fordista típico, por exemplo, era de cinco a sete anos, mas a acumulação flexível diminuiu isso em mais da metade em certos setores (como o têxtil do vestuário), enquanto em outros – tais como as chamadas indústrias de “thoughtware” (por exemplo, videogames e programas de computadores) - a meia vida está caindo para menos de dezoito meses (p.148).

83(HARVEY, 2001).No geral, a exploração do trabalho tem sido caracterizada pela intensificação e pela precarização. Mesmo as pessoas no grupo de empregos mais estáveis estão trabalhando mais e de forma mais intensa (fato confirmado pelo aumento da jornada de trabalho, da extração da mais-valia absoluta, combinado com a mais-valia relativa). E um número elevado de trabalhadores sobrevivem de empregos precarizados, parciais e/ou estão engrossando as fileiras do desemprego. Condições essas que tendem a destruir a força de trabalho.

Cerca de 180 milhões de pessoas no mundo estão numa situação de desemprego "aberto" (procurando mas não achando), das quais bem mais de um terço são jovens de 15 a 24 anos. Cerca de um terço da mão-de-obra no mundo está desempregada e subempregada ("desocupada" e "subocupada" na terminologia mais comum do IBGE). O aumento da economia informal traduz-se no aumento do subemprego e, em geral, na queda de produtividade e de remuneração que, por sua vez, geram um aumento de trabalhadores pobres (Organização Internacional Trabalho, 2007).

O desemprego atinge na atualidade, não só países da periferia do sistema do capital, como é o caso do Brasil84, mas países capitalistas centrais, que têm como uma de suas conseqüências imediatas o aumento de trabalhadores pobres85, problema assinalado também pelo relatório da Organização Internacional do Trabalho. Porém consideramos importante registrar que o desemprego e a constituição de um número considerável de força de trabalho sobrante é inerente ao capital e uma condição à sua manutenção.

Essa afronta ao trabalho não acontece de forma passiva, sem conflitos, observamos diversas reações de trabalhadores ao longo da história da humanidade e, especificamente, na história do capital. Um exemplo dessa atitude reativa à destruição da classe trabalhadora

83 Harvey (2001) discute a partir de um organograma um panorama dos empregos e as características do trabalho

e de sua exploração no contexto da acumulação flexível.

84Pochmann (2006) apresenta um retrato dos desempregados do Brasil, identificando que é a partir de 1990 que

o índice do desemprego aumenta de forma intensa, tornando o desemprego na atualidade, um fenômeno muito mais complexo e heterogêneo e que atinge todos os segmentos sociais. Vale pontuar que é a partir da década de 1990 que o Brasil assume, de forma passiva e subordinada, o receituário neoliberal propagado por todo o mundo como sendo a solução para o reaquecimento da economia.

85 Os dados trazidos por Petras (1998) demonstram esse fato: “Os padrões de concentração de riqueza nos

Estados Unidos revelam que os 10% mais ricos possuem acima de 87% de toda a riqueza. Este fenômeno da desigualdade está piorando rapidamente em nível global. No Chile, por exemplo, uma das pretensas histórias de “milagre econômico”, na linha de explicação do FMI e do Banco Mundial, os 10% mais ricos da população, em 1990, aumentaram sua participação na renda nacional para 40%, em relação aos 36% de 1970. (...) Os principais países europeus, tais como a França, a Bélgica e a Alemanha estão confrontados com taxas de desemprego de dois dígitos; na Espanha é de mais de 20% e muitas das nações pós- comunistas do Leste europeu ostentam taxas de 30%. Nos Estados Unidos, o subemprego, o trabalhador pobre e os desempregados, somam 37% da força de trabalho (p.247-248).

frente ao capitalismo contemporâneo, é a emergência e luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, um movimento que é a expressão da luta de classes na atualidade.

Sobre a devastação dos recursos naturais, os exemplos são infindáveis. Até o capital reconhece a sua gravidade atual, como atesta o protocolo de Kyoto86, o que não se dá por suas preocupações humanitárias decorrentes da degradação ambiental, mas sim porque esta se coloca com um impedimento claro para a reprodução do capital.

Na tentativa de conter todas essas contradições engendradas pelo capital, são apresentadas constantemente medidas paliativas, porém sem solução, pois são inerentes a este modelo societário. Para pôr fim aos limites absolutos do capital, deve-se acabar com a lógica que os produz.

Convém salientar que a tendência destrutiva do capital, por nós apresentada (a partir das elaborações de Mészáros), não representa por si só a forma de superação do capital, mas nos adverte que o que está em jogo hoje, não é somente a obtenção ou elevação do lucro e sim o futuro da humanidade. São estas condições materiais que colocam a emancipação humana como uma necessidade histórica, porém tão somente, no campo da possibilidade. A superação, de fato, do sistema sociometabólico do capital demanda, dentre outras questões, forças sociais em luta capazes de formular uma alternativa superadora e radicalmente socialista. É sobre as mediações necessárias para a superação do capital que tratamos no próximo item.

2.2 As mediações necessárias para a transcendência positiva da auto-alienação do