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Uma das teses de Lênin afirma que sem teoria revolucionária não existe prática revolucionária. Em analogia, no campo educativo, Pistrak (2005) entende que sem teoria pedagógica revolucionária não existe prática pedagógica revolucionária (p.24), pois ela nos auxilia a romper com ativismos, como também nos permite intervir na prática social de forma mais qualificada.

Compreendemos, dessa forma, que a teoria marxista é a que melhor nos orienta nessa tarefa, uma vez que consegue realizar uma crítica que chega as entranhas da ordem social do capital, desvendando seu grande segredo: a produção de mais-valia; forma esta descoberta por Marx juntamente com Engels, a qual superou o idealismo do socialismo utópico, tornando-o científico. Foi este movimento que, segundo Saviani (2007), permitiu reconfigurar o entendimento da pedagogia socialista, que para os utópicos era a via para a construção de uma nova sociedade, e para o marxismo, a Pedagogia Socialista “(...) passa a ser entendida como a visão de educação decorrente da concepção marxista da história” (Idem, p.1).

A Pedagogia Socialista de inspiração marxista foi posta em prática (dentro dos limites da materialidade) com a Revolução de Outubro 1917, na Rússia, fundando uma experiência que levou ao poder a classe trabalhadora e seu partido correspondente. Na base desse processo revolucionário, diversos autores refletiram e construíram uma perspectiva de educação que estivesse sincronizada com as novas bases materiais que emergiam como também, as impulsionassem. Aqui nos referimos à Escola Soviética e à contribuição de autores como Pistrak, Makarenko, Lênin, Krupskaja e Vigotski. Autores esses que precisam ser recuperados e que nos auxiliam a pensar sobre a educação direcionada para a construção do socialismo.

Como exemplo, citamos as formulações de Pistrak (2003), especialmente em relação à forma de organizar o ensino. O autor fundamenta aquilo que denominou “a Escola do Trabalho”, alicerçada em duas questões centrais: 1) nas relações com a realidade atual e 2) na auto-organização dos estudantes100. Em relação à primeira, suas preocupações eram “exatamente o de mostrar a natureza de classe da escola no contexto de uma sociedade de classes” (Idem, Ibdem, p.30), ou seja, possibilitar aos estudantes uma compreensão da realidade que os cerca, localizando-os como sujeitos desta mesma realidade. Já a auto- organização dos estudantes refere-se “a uma participação independente, coletiva, ativa e criativa da juventude na construção das instituições escolares” (PISTRAK, 2003, p.221), estimulando desta forma a autonomia e a responsabilidade dos alunos desde a infância. Para tal, pressupõe recuperar o potencial educativo do trabalho como eixo de um programa escolar, que de forma geral é negligenciado nas escolas, criando uma prática desvinculada da realidade, que não ajuda a compreendê-la.

100 Freitas (2003) também sugere a recuperação das sistematizações da Pedagogia Socialista desenvolvida pela

Escola Soviética, gestada sob o impacto das transformações sociais da Revolução Russa de 1917, voltada em contribuir com a formação dos estudantes na direção oposta à lógica de exclusão e submissão da escola capitalista. Outros autores desta escola, além de Pistrak, citados por Freitas são: Vigotski, Makarenko e Krupskaya.

Não temos a pretensão de discorrer sobre a contribuição dos autores da escola soviética, mas no limite desse texto, reconhecer a necessidade de trazer essas formulações teóricas para os dias atuais e para a constituição de uma pedagogia marxista.

Vale ressaltar que diversos autores estudaram detalhadamente os textos marxianos para discutir a concepção de educação derivada desta teoria101. Dentre eles, citamos o trabalho de Manacorda (1991, p.9), que na releitura dos textos marxianos, considera que: “(...) a temática pedagógica é, de fato, tratada de maneira ocasional em seus aspectos específicos, mas que, acima de tudo, está colocada organicamente no contexto de uma crítica rigorosa das relações sociais”.

Lombardi (2005) afirma que a contribuição de Marx para a educação organizada a partir dos trabalhos publicados de autores marxistas, pode ser sintetizada em três direções: 1) Crítica à educação, ao ensino e à qualificação burguesa; 2) Relação do proletariado com a ciência, a cultura e a educação; 3) Educação comunista e integral do homem.

Já a contribuição dos autores que sucederam Marx, e que se fundamentam em sua teoria, para conhecer o fenômeno educativo, segundo Lombardi (2005, p 11-12) apontam que: Em linhas gerais, a concepção marxista de educação foi gradativamente se configurando e assumindo os seguintes princípios: eliminação do trabalho das crianças na fábrica; associação entre educação e produção material; educação politécnica que leva à formação do homem omnilateral, abrangendo três aspectos: mental, físico e técnico, adequando à idade das crianças, jovens e adultos; inseparabilidade da educação e da política; e articulação entre o tempo livre e o tempo de trabalho, isto é, o trabalho, o estudo e o lazer.

Uma questão fundamental que deve nortear uma pedagogia referenciada na perspectiva marxista, nos dias atuais, segundo Saviani (2007, p 12) é:

Essa idéia é de que a História seria exatamente essa matéria que ocuparia o lugar central no novo princípio educativo da escola de nosso tempo: uma escola do trabalho porque guiada pelo mesmo princípio, o da radical historicidade do homem e organizada em torno do mesmo conteúdo, a própria história dos homens, identificando o caminho comum para formar indivíduos plenamente desenvolvidos.

Parece-nos que essa dimensão de historicidade articulada à questão da mudança e da transitoriedade da sociedade do capital é marca essencial da educação socialista, reclamada

101 Segundo Saviani (2007, p.2) “Isso pode ser constatado em Dommanget (1972), Os grandes socialistas e a

educação: de Platão a Lênin; Rossi (1981), Pedagogia do trabalho: raízes da educação socialista; Dangeville (1976), Marx e Engels: crítica da educação e do ensino; Manacorda (1991), Marx e a pedagogia moderna; e Suchodolski (1966), Teoria marxista da educação, entre outros.

por Mészáros (2007). Para ele, essa dimensão se contrapõe frontalmente à máxima ideológica do capital na atualidade, que é a crença absoluta em sua inalterabilidade:

As causas sociais devem e podem ser enfrentadas na estrutura educacional socialista em um nível adequado: como causas historicamente originadas e determinações estruturais claramente identificáveis, bem como desafiáveis. E precisamente porque o desafio de enfrentar essas demandas, por mais dolorosas que sejam, da mudança social significativa não é um conceito inibidor nessa abordagem, mas, antes, uma idéia positiva inseparável de uma visão ilimitada do futuro conscientemente conformado; as forças educacionais exigidas podem ser ativadas com êxito para a realização dos objetivos e valores adotados do desenvolvimento socialista de sociedade visado por seus membros (MÉSZÁROS, p. 298, grifos no original).

Para esse autor, a tarefa da educação é contribuir no desenvolvimento da consciência socialista que se constitui na articulação com o desenvolvimento dos princípios orientadores relevantes do desenvolvimento da sociedade socialista102.

Pensamos que na atualidade uma concepção socialista de educação precisa fundamentar-se em dois alicerces: a teoria marxista e a pedagogia socialista, à luz dos debates contemporâneos, realizando um reexame crítico frente aos erros e acertos observados na história.

Esses pressupostos apresentados de forma breve sustentam uma escola que não é fruto das condições naturais, mas sim de uma contingência histórica, sendo um produto das relações humanas, também históricas, que podem e devem ser dialeticamente superadas, frente ao contexto destrutivo do capital.

Por um lado, é preciso uma mudança das condições para criar um sistema de instrução novo; por outro lado, é preciso um sistema de instrução já novo para poder mudar as condições sociais. Por conseguinte, é preciso partir da sociedade atual (MARX & ENGELS, 1978, p.224).

No próximo capítulo, analisaremos o sentido da educação e da escola para o MST, como também priorizamos a análise dos dados coletados na Escola Itinerante Sementes do Amanhã, buscando articulá-los com a perspectiva teórica que nos respalda, evidenciando as potencialidades, os limites e as contradições que a escola e o acampamento pesquisado apresentam frente à materialização da proposta educativa do MST.

102 Esses princípios vão para Mészáros (2007, p.300), “desde a participação genuína em todos os níveis de

decisão até o planejamento abrangente (...) e desde a realização progressiva da igualdade substantiva na sociedade como um todo até as condições globalmente sustentáveis da única economia historicamente viável em uma ordem internacional em progressão positiva.