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1.4 A resistência organizada: o acampamento Chico Mendes

1.4.2 Os sem-terra acampados

Certamente essa pergunta tem uma resposta complexa, porém, dentro das nossas possibilidades e tendo como referência os dados coletados na pesquisa de campo, vamos tentar caracterizar alguns aspectos da trajetória destes trabalhadores acampados38.

Sobre o sexo, 55,2% dos acampados são homens. Em relação à idade, a população é jovem, sendo que 81,6% dos acampados possui até 40 anos39. O MST tem a característica de ser um movimento em que a família participa assim, diferentes gerações o compõem (crianças, jovens, adultos, idosos). Em relação ao acampamento isso também acontece, porém a população até 40 anos é mais numerosa por alguns motivos, dentre os quais: o acampamento inicialmente foi formado por filhos de assentados e pelo número elevado de filhos por família.

Antes de ingressarem no Movimento, os acampados declaram que trabalhavam em diversas atividades: 56% na agricultura (bóias-frias, pequenos agricultores, chacareiros, arrendatários, diaristas), 11% na construção civil, 9,2% eram do lar, 5,5% no setor de serviços, 5,5% na metalurgia e 12,8% realizavam outras atividades40.Tais dados expressam, de certa forma, quem são os sem - terra:

Em uma definição mais precisa, então, são considerados sem-terra os parceiros, trabalhadores sem propriedade que produzem em parceria com o dono da terra, passando-lhe em parceria com o dono da terra, passando-lhe parte da produção; os pequenos arrendatários, que produzem em uma terra arrendada por um valor fixo, os posseiros, aqueles que vivem e trabalham em

38 Uma pesquisa análoga foi realizada em assentamentos do estado de Santa Catarina encontra-se em: AUED et

al. Retratos do MST: Ligas Camponesas e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Florianópolis: Cidade Futura, 2005. Nesta as autoras sobre a origem dos acampados e assentados em Santa Catarina apontam que. “Entre eles, 78,7% nasceram em Santa Catarina, 14% no Rio Grande do Sul e 6,3%, no Paraná. A maioria (54,8%) nunca morou na cidade, contra 43,9% que já viveu no ambiente urbano” (IDEM, p.74).

39 De 0-10 anos: 29,9%; 11-20 anos: 24,4%; 21-30 anos: 13,5%, 31-40 anos: 13,8%; 41-50 anos: 7,7%, 51 a 60

anos: 8,4%; mais de 60 anos: 2,3%.

40 Essas demais atividades compreendem as seguintes profissões: domésticas, caminhoneiros, vendedores

uma terra como se fosse sua, mas que não tem o título de propriedade, podendo ser expulsos a qualquer momento; os assalariados rurais, os trabalhadores que vendem sua força de trabalho aos donos de terras, geralmente aos fazendeiros; os pequenos agricultores, módulo que varia segundo as regiões, de modo geral, considerado assim os que têm menos de cinco hectares de terra, e os filhos de pequenos agricultores (...) (STEDILE & SÉRGIO apud CALDART 2004, p. 118-119, grifos no original).

Porém, os acampamentos do MST, nos últimos anos, têm agregado de forma expressiva trabalhadores assalariados e desempregados urbanos, que residiam anteriormente nas periferias das cidades. Tal fato vem demonstrando a falta de perspectiva dos que vivem nas periferias das cidades, sem emprego, sem moradia e convivendo com a violência. E também a capacidade de mobilização e articulação que o MST tem estabelecido frente aos trabalhadores independente de sua origem de atuação. No acampamento Chico Mendes um grupo de famílias possui essa característica, porém é muito difícil expressar essa questão através de porcentagem, porque o movimento da vida destas pessoas na busca pela sobrevivência é dinâmico e complexo. Esse componente novo na configuração dos acampamentos e do MST em geral certamente traz novos elementos para análise, como também novos desafios para a organização41.

Em relação à escolaridade, 15,4% dos acampados com mais de 18 anos declaram-se analfabetos, 52,2% cursaram alguma das séries iniciais do Ensino Fundamental e 24,2% concluíram a 4ª série. Os acampados que cursaram algumas das séries finais são 24,2%, sendo que desses, 7,7% concluíram essa etapa dos estudos. Os acampados que iniciaram o Ensino Médio são 8,2%, porém os concluintes correspondem a apenas 6,6%.

Entre os jovens, o pouco grau de escolaridade também é presente, pois muitos pararam seus estudos nos primeiros anos das séries finais do Ensino Fundamental. Algumas falas expressam alguns motivos pelos quais eles interromperam seus estudos42: “Meus pais estudaram pouco, agora estão estudando aqui e eu também. Pra que estudar para trabalhar na roça, muita gente pensa assim” Outro integrante conta que: “Onde eu morava não tinha transporte, era difícil chegar até a escola” e mais um jovem relata: Mudávamos muito de

41 A dissertação de Gomes (2005) registra a constituição, no ano de 2002, do acampamento Manoel Alves

Ribeiro, situado as margens da BR-101, no município de Palhoça/SC. Esse acampamento foi organizado pelo MST e composto por famílias oriundas das periferias das cidades de Florianópolis e Palhoça-Santa Catarina. O trabalho também analisa as dificuldades enfrentadas por parte do MST em lidar com essas especificidades, apontando os conflitos e as dinâmicas distintas entre os movimentos urbanos e o MST.

42 Essas questões nos foram relatadas em um momento específico que conversamos com os jovens e

adolescentes no acampamento a respeito da vida que levam no acampamento, enfocando as dimensões da sua escolarização.

cidade, ai tinha que mudar de escola, mas muitas não aceitavam sem papel 43 era difícil acompanhar”. Outros motivos aos quais os jovens referem-se são a falta de interesse no estudo e, como muitos vieram do Paraguai sem documentação, dificultava a matrícula na escola. Da mesma forma, alguns deles relatam que eram obrigados voltar a séries bem anteriores, as quais já tinham cursado.

Atualmente, alguns deles estão estudando na modalidade EJA (1ª a 4ª série), na escola dentro do acampamento, outros cursam as séries finais do Ensino Fundamental, outros aguardam chegar à idade necessária para entrarem nesta modalidade.

Observamos que os adolescentes e jovens que estudaram alguns anos na Escola Itinerante relatam uma experiência mais positiva de escolarização e têm mais possibilidades de avançar nas etapas da escolarização. A respeito da escola de “fora” do acampamento, temos o seguinte depoimento:

Lá fora não é muito bom, no início era muito preconceito, qualquer coisa que acontecia na escola era culpa dos Sem Terra, sumiu uma caneta é o pessoal do Sem Terra. Fui falar uma poesia do Movimento, o pessoal tirou sarro. Hoje está melhor. Eu não pretendo sair do movimento, estou nele há sete anos (Informação verbal44)

Questionados sobre o motivo da entrada no MST, os acampados, em grande maioria, afirma buscar a conquista de um pedaço de terra, como também sair da condição que se encontravam. Nesta direção, a grande expectativa que os acampados têm refere-se principalmente ao fato deles tornarem-se assentados, com a conquista da terra.