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As investigações qualitativas são essenciais para a expansão do conhecimento das disciplinas de cuidados de saúde, isto porque recorrem a métodos capazes de compreender os fenómenos de forma holística, permitindo conhecer em profundidade a riqueza das experiências dos sujeitos, dentro do seu contexto (Lincoln, 1997; Morse 2007). Deste modo, a opção pela metodologia qualitativa resultou do entendimento de que a investigação qualitativa em enfermagem deve surgir a partir da tensão criada entre a ciência e a prática, como referem Streubert e Carpenter (2011).

A pesquisa qualitativa inclui a colheita e a análise sistemática de matérias narrativas mais subjetivas, por vezes de forma contraditória e irracional, daí que seja necessário recorrer a procedimentos flexíveis para que o pesquisador controle o menos possível, tentando evidenciar o lado dinâmico, holístico e individual da experiência humana (Polit, Beck e

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Hungler, 2004; Morse, 2007). São os métodos utilizados que vão garantir que o desafio da metodologia qualitativa se concretize, isto porque deles emergem resultados coerentes, ainda que, nas palavras de Morse (2007), estejam mal definidos.

De acordo com Bogdan e Biklen (1994), existem cinco caraterísticas fundamentais da investigação qualitativa, a saber:

- O ambiente natural é a fonte direta de dados; - É descritiva;

- O processo é o foco de interesse e não tanto os resultados ou produtos; - A análise de dados é feita de forma intuitiva;

- O significado é de importância vital.

Na enfermagem é importante adotar uma tradição investigativa que proporcione as formas mais importantes de descrever e perceber as experiências humanas, sendo que a primeira fase para instituir uma visão humanista de investigação, é o reconhecimento de que a realidade é dinâmica (Streubert e Carpenter, 2011) e, como tal, uma mesma realidade permite múltiplas interpretações.

O recurso a este paradigma justifica-se pelo facto de privilegiar, de um modo geral, a análise de microprocessos, através do estudo das ações sociais individuais e grupais, percebendo a experiência de vida dos sujeitos e permitindo um exame intensivo dos dados, tanto em amplitude quanto em profundidade, numa relação próxima entre investigador e objeto a ser investigado, permitindo, no caso concreto da enfermagem, compreender claramente a explicação de processos de adaptação dos seus clientes, condição fundamental para alicerçar os seus cuidados, criando processos científicos necessários para “perceber o processo social básico dos acontecimentos de saúde e de doença humanos”, como refere Thorne (1997, p. 288).

Na verdade, mesmo que não assumidamente, o paradigma construtivista tem sido amplamente utilizado nas investigações conduzidas pelos enfermeiros de todo o mundo, em especial associado aos pressupostos teóricos do interacionismo simbólico, definido como o respeito pela natureza da vida e pelo comportamento das pessoas, defendendo a

73 perspetiva de que se comportam e interagem de acordo com o modo como interpretam ou atribuem significado a símbolos específicos nas suas vidas (Streubert e Carpenter, 2011). Blumer (1969), a propósito do interacionismo simbólico, refere existir premissas responsáveis por originarem os fundamentos da teoria, são elas: as pessoas agem de acordo com o significado que as coisas têm para si; esses significados têm origem nas relações estabelecidas entre os indivíduos; esse processo interpretativo é utilizado pelas pessoas em cada situação, tendo elas que lidar com as coisas no seu ambiente.

Estes aspetos básicos essenciais e incontornáveis, a par com o respeito pelo princípio de que o comportamento humano é autodirigido e observável, no sentido simbólico e interageracional, permitindo-lhe planear e dirigir as suas ações em relação aos outros e conferir significado aos objetos que utiliza para concretizar os seus planos (Haguette, 1992), são, na sua essência, compatíveis com uma enfermagem que tem vindo a afirmar-se como ciência e que, outrora, foi definida como sendo uma arte que “(…) requer uma devoção tão exclusiva, um preparo tão rigoroso, quanto a obra de qualquer pintor ou escultor; pois o que é tratar da tela morta ou do frio mármore comparado ao tratar do corpo vivo, o templo do espírito de Deus? É uma das artes; poder-se-ia dizer, a mais bela das artes!”5 (Florence Nighingale).

Na realidade, o recurso a este paradigma e a sua ampla utilização na enfermagem justifica-se pelo facto de, como já referido anteriormente, mais do que quantificar os fenómenos em estudo, permite aos pesquisadores compreender e interpretar os acontecimentos quotidianos e as estruturas sociais e também o significado atribuído pelas pessoas a determinado fenómeno (Queiroz, Meireles e Cunha, 2007).

No paradigma construtivista a teoria é desenvolvida seguindo um pensamento indutivo, uma vez que a realidade é diversa e a sua descoberta deverá ser feita por um processo dinâmico, tendo como referencial os dados obtidos e a sua inter-relação.

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A opção por este paradigma permite perspetivar a noção de realidade dinâmica, ou seja, a existência de um mundo real, que, no entanto, é percebido e entendido de forma distinta de pessoa para pessoa, de acordo com as representações que cada indivíduo possa ter, o que quer dizer que a realidade não é única, mas antes diversa como referem Streubert e Carpenter (2002, p. 3), citando Lincoln, “a realidade são realmente realidades”. Nesta perspetiva, compreende-se que uma realidade conhecida em determinado momento, é passível de ser modificada, isto porque os valores e crenças das pessoas são influenciados por um determinado contexto social e pela época em que vivem, pelos quadros de referência interpretativo que possuem, pela sua experiência de vida e interesses daí que investigador e investigados deverão interagir, para que os processos de construção sejam “literalmente criados com o avançar da investigação” (Guba e Lincoln, 2002, p. 128).

Desta forma se conclui que o paradigma construtivista assume importância relevante para as ciências sociais em geral e, mais amiúde, para as ciências da saúde, pois permite adquirir conhecimento mais aprofundado e necessário acerca das decisões individuais e coletivas no que se refere aos estilos e condições de vida, de promoção da saúde e prevenção da doença, para além das relações instituídas entre os binómios saúde e doença, clientes6 e profissionais de saúde.

Na enfermagem, impõe-se a necessidade de perceber melhor os fenómenos de saúde/doença de forma a melhorar a qualidade dos cuidados de enfermagem, para que as pessoas tenham melhores condições de vida pela aquisição de melhores níveis de saúde, com repercussões diretas aos vários níveis de prevenção. Se assim é, reconhece-se que só com base no conhecimento que se adquire através das investigações, é que as ciências evoluem, pois permitem conhecer realidades e práticas existentes, pensar alternativas, sugerindo-as para a

6Opta-se por esta terminologia porque considera-se cliente aquele que numa relação de troca, tem a última palavra, assumindo um papel ativo no quadro da relação de cuidados, como alguém que troca algo com outro e não necessariamente aquele que paga, como refere a Ordem dos Enfermeiros. Para além disso, de acordo com a CIPE cliente é o sujeito a quem o diagnóstico se refere e que é o beneficiário da intervenção.

75 ação. Justifica-se, assim, o recurso ao paradigma construtivista para servir de farol a uma investigação em ciências de enfermagem, pois a sua perspetiva da realidade é alicerçada na ação e os seus fenómenos deverão ser construídos através de uma perspetiva ampla e profunda, condicente com uma metodologia qualitativa e, especificamente, com a Grounded

Theory, método, aliás, que deriva diretamente do interacionismo

simbólico, tendo a sua origem nos anos sessenta e que através do recurso a uma posição reflexiva nos modos de conhecer e representar a vida e o mundo, procura explicar experiências e processos (Morse, 1994; Strauss e Corbin, 1998, Charmaz, 2009).