• Nenhum resultado encontrado

3 A CONSTITUIÇÃO COMO ACOPLAMENTO ESTRUTURAL ENTRE OS

3.3 A ordem econômica constitucional como bem jurídico penalmente protegido

3.3.2 A ordem econômica na Constituição:

3.3.2.3 A ordem econômica na Constituição de 1988

Sabendo-se, então, que a ordem econômica é um bem jurídico e que tem sido objeto de proteção em todas as constituições do século XX, cumpre buscar a melhor compreensão do que significa a expressão ordem econômica no contexto da atual Constituição.

Primeiramente é preciso não perder de vista que a Constituição atual nasceu em contexto diferente das suas antecessoras, em um momento de retorno à democracia e inaugurou uma fase de infindáveis debates, por meio dos quais se busca engendrar o Brasil nos rumos da economia mundial.

Seu posicionamento ideológico político-econômico é pela economia capitalista (reconhecimento da legitimidade de apropriação privada dos meios de produção, declaração do postulado da liberdade e da livre iniciativa), o que não é incompatível com poder de eventual interferência do Estado na economia, nem mesmo com a exploração direta de atividade econômica (TAVARES, 2006).

A Constituição de 1988 emergiu meses antes da queda do muro de Berlim, fato que desencadeou mudanças nas concepções sobre o Estado-Empresário, deixando desatualizados diversos dispositivos constitucionais recentes, pois na atualidade, concebe-se o papel do Estado na economia como “não intervencionista, dando cada vez mais espaço para a atuação da iniciativa privada em setores que, até bem pouco tempo, eram tidos como de segurança nacional.” (MOTTA FILHO; SANTOS, 2000, p. 537).

Indubitavelmente foi a melhor Constituição até agora elaborada, que somente não obteve a concretização da totalidade de suas disposições porque as forças populares, que foram o seu maior sustentáculo, desmobilizaram-se diante da ofensiva das elites econômicas sob a égide do neoliberalismo. (AGRA, 2009, p. 64).

A compreensão dessa ideologia que orienta a disciplina constitucional da ordem econômica é fundamental para se entender esta última, que nas palavras de Campana (2011), traduz a concepção ideológica do Estado voltada para a solução dos conflitos decorrentes do jogo econômico.

A ordem econômica não deve ser confundida com as regras da economia, não jurídicas e decorrentes de sua própria experiência, a exemplo da lei da oferta e da procura. A economia se desenvolve independentemente de regulamentação. A ordem econômica, porém, é a intervenção jurídica, na busca da imposição desse regramento, com vista à proteção de interesses, não somente individuais, mas, sobretudo, coletivos (OLIVEIRA, 2009).

O conceito de ordem econômica não deve ser analisado tão somente sob o aspecto negativo, segundo Grau:

A leitura do art. 170, que introduz aquele Título VII, o deixará entretanto – se tiver ele o cuidado de refletir a propósito do que lê -, no mínimo perplexo. E isso porque neste art. 170 a expressão é usada não para conotar o sentido que supunha nele divisar (isto é, sentido normativo), mas sim para indicar o modo de ser da economia brasileira, a articulação do econômico, como fato, entre nós (isto é, ‘ordem econômica’ como conjunto das relações econômicas) (GRAU, 2001, p. 51).

Segundo GRAU (2001, p. 51), ao se analisar o art. 170 da Constituição, cujo enunciado é normativo, assim deverá ser lido:

as relações econômicas – ou a atividade econômica - deverão ser (estar) fundadas na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim (fim delas, relações econômicas ou atividade econômica) assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios

Sem discordar desse posicionamento, mas o complementando, Silva Neto (2001) sustenta haver dois significados distintos, pelos quais se pode conceber a “ordem econômica”: primeiramente, seria “o modo como se desenvolvem as situações no plano da realidade”. De outro modo, também pode significar a ordem econômica normatizada, positivada. Ao fim dessas considerações, conceitua ordem econômica como sendo “o plexo normativo, de natureza constitucional, no qual são fixadas a opção por um modelo econômico e a forma como deve se operar a intervenção do Estado no domínio econômico.” (Silva Neto, 2001, p. 134).

Nascimento (1989) entende que, no que interessa ao Estado, as normas constitucionais vão incidir sobre as atividades econômicas consistentes em relações de fato entre o Estado e as forças econômicas, que se desenvolvem pelas regras da economia, fazendo surgir entre eles, relações sócio-jurídicas. Em um sentido mais objetivo, sob o título “ordem econômica”, dispõe-se um regramento do “conjunto de normas de intervenção protetora ou restritiva às atividades econômicas, em conseqüência de certas finalidades e através de certos meios” (NASCIMENTO, 1989, p. 10).

Os dois conceitos de ordem econômica seguintes são particularmente importantes para o desenvolvimento deste capítulo, pois evidenciam eventual necessidade de proteção penal da ordem econômica:

Esta expressão implica as condições, os elementos, as circunstâncias, os fatores sociais e econômicos de um país, assim como o intervencionismo estatal destas

condições, através de sua regulação jurídica. A ordem econômica é uma das principais referências do conjunto de valores constitucionais, “livre iniciativa, propriedade, amparo ao consumidor, entre muitos”, mencionada como necessária de amparo, razão pela que se faz imprescindível, em algumas circunstâncias últimas, a intervenção de normas penais. (BRAGA, 2010, p. 85).

Em raciocínio semelhante, Pinto (2007, p. 9) assim se posiciona:

[a ordem econômica] representa o conjunto de normas da Constituição dirigente, compondo uma referência a valores essenciais que podem vir a sofrer violações em determinadas situações graves, merecedoras, portanto, de proteção do Direito, notadamente o Penal.

Ao se afirmar que a ordem econômica é merecedora da proteção penal, especialmente no contexto de uma Constituição Econômica que consagra a livre iniciativa de mercado, aparentemente se está diante de um contrassenso, pois a proteção penal é uma limitação à atividade humana e, portanto, seria uma limitação à livre atuação econômica. Forçoso é concluir não ser a simples previsão no texto constitucional justificativa bastante para tornar a ordem econômica objeto da tutela penal. Assim, oportuna é a indagação sobre quais sejam os critérios considerados para se ter um bem jurídico como merecedor da tutela penal e, ainda, se a ordem econômica atende a esses critérios.

3.4 A ponderação axiológica constitucional como critério de seleção na tutela penal