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A tutela penal dos bens jurídicos nos crimes econômicos

3 A CONSTITUIÇÃO COMO ACOPLAMENTO ESTRUTURAL ENTRE OS

3.3 A ordem econômica constitucional como bem jurídico penalmente protegido

3.3.1 A tutela penal dos bens jurídicos nos crimes econômicos

Neste capítulo não se discorrerá sobre o Direito Penal Econômico. Seu conceito, seu enquadramento na teoria dos sistemas, sua autonomia, legitimidade e problemas teóricos e práticos decorrentes de sua expansão serão objeto do capítulo seguinte.

Por agora, importa compreender o que são os crimes econômicos, seu fundamento material, para se analisar a correspondência que deles se exige com a Constituição Federal. A

legislação penal brasileira, pouco no Código Penal e muito em leis esparsas, contempla aquilo que a doutrina e a jurisprudência convencionaram chamar de crime econômico. E tais leis são o conteúdo normativo do Direito Penal Econômico, como posteriormente se verá.

Respondendo ao que seja crime econômico, Jail (2009, p. 32), em um conceito que serve a este estudo como ponto de partida, assim o define: crime econômico “[...] é toda infração penal que viola o preceito proibitivo contido na norma criminal que dispõe sobre toda e qualquer área de interesse econômico, devidamente tutelado como bem jurídico-penal.”

Desse conceito, merecem maior atenção as expressões “qualquer área de interesse econômico” e “bem jurídico-penal”.

Quanto à primeira, sem a necessidade de demoradas considerações, embora se tenha no Brasil uma lei que trate de crimes contra a ordem econômica - a Lei 8.137/1990 - já está sedimentada na dogmática penal a compreensão de que o conceito de crime econômico é mais abrangente, envolvendo diversas condutas além das que diretamente atingem a ordem econômica. Assim, são crimes econômicos os que atentam contra a livre-iniciativa, a livre concorrência, as relações de consumo e de trabalho, o sistema financeiro, o sistema tributário e todos os demais desdobramentos das relações econômicas (CAMPANA, 2011).

De particular interesse para esta pesquisa é a noção de crime econômico como ofensa a um bem jurídico-penal.

O Direito Penal é comumente conceituado entre seus teóricos, como o ramo do Direito, que tutela os bens jurídicos mais relevantes para o corpo social, punindo com as sanções mais severas do ordenamento jurídico as condutas que os ofendam ou os exponham a perigo.

Para Magalhães (2010, p. 38), bem jurídico é:

[...] um valor ideal proveniente da ordem social, juridicamente estabelecido e protegido, em relação ao qual a sociedade tem interesse na segurança e manutenção, tendo como titular, na acepção mais tradicional, o indivíduo e, na versão mais moderna, a própria coletividade.

Uma vez que o Direito Penal tutela os bens jurídicos mais importantes, e estes são aqueles aos quais interessa à sociedade a sua segurança e manutenção, é evidente a relação do Direito Penal com a Constituição, Carta política de uma sociedade, que expõe os seus valores mais relevantes.

A la vista de todo esto, podemos definir el Derecho penal como la parte Del Ordenamiento jurídico, reguladora del poder punitivo del estado, que, para proteger

valores e interesses con relevancia constitucional, define como delitos determinadas conductas a cuya verificación asocia como consecuencias jurídicas penas y/o medidas de seguridad. (MATEU, 1999, p. 29)

A noção de crime como ofensa a um bem jurídico, em que pese ser aparentemente trivial, traz em si discussão mais aprofundada sobre o papel da Constituição nos limites do Direito Penal.

Magalhães (2010) apresenta a evolução dos fundamentos teóricos sobre a proteção dos bens jurídicos, afirmando que, ao contrário de Feuerbach, para quem o conteúdo do crime deveria ser buscado na violação dos direitos subjetivos, Birnbaum, na década de 30 do século XIX, reconhecia na ofensa ao bem jurídico protegido pela norma o fundamento para a construção do conteúdo do crime. Na década de 30, do século seguinte, a idéia de bem jurídico perdeu força, ante os teóricos inspirados pela ideologia nacional-socialista. Após a Segunda Guerra Mundial, o conceito readquiriu força, sendo usado para fundamentar descriminações, especialmente quanto à liberdade sexual. Entre os anos 50 e 60 ganharam força os movimentos descriminalizadores. Nos anos 70, o conceito de bem jurídico passou a ser usado como o fundamento para a criminalização de condutas que afetassem novos bens jurídicos que passaram a merecer a tutela penal, como o meio ambiente e a economia. Desse modo, no final do século passado, o bem jurídico passou a ser concebido como tendo dupla função: a limitação da intervenção punitiva do Estado e a missão de impor a atuação do Direito Penal na proteção de direitos difusos.

Essa limitação da intervenção estatal a partir da imposição do crime como ofensa a um bem jurídico se contrapõe ao modelo de crime próprio de regimes autoritários, como analisa D’Avila (2009, p. 51):

Ela corresponde, em um primeiro momento, a uma compreensão político- ideológica estabelecida nos ideais de um Estado laico, liberal, tolerante, pluralista e multicultural, comprometido com a dignidade e com o reconhecimento de direitos fundamentais, em clara oposição assumida a modelos de Estados autoritários, erigidos na persecução de objetivos éticos, na punição de inclinação de objetivos anti-sociais e na mera infração ao dever. Afinal, como a própria história demonstra, não só a compreensão do ilícito sempre disse muito sobre o modelo de Estado em que é implementada, como o Modelo de Estado sobre a acepção de ilicitude que recepciona.

A concepção de bem jurídico se impõe, desse modo, como um limite ao legislador, mas não como apenas um limite decorrente de exigências doutrinárias, e, sim, como um limite oriundo da Constituição (SCHIMIDT e FELDENS, 2006).

Transportando essas concepções para a seara sistêmica, o sistema do Direito recebe informações do seu ambiente, o sistema social. Os vários subsistemas sociais exigem proteção jurídica de seus valores mais relevantes. Aqueles considerados os de maior importância para a sociedade são repassados como informação para o subsistema penal, que enviará outputs, na forma de severa punição das condutas que lhes forem ofensivas, atuando de forma repressiva e preventiva. Essa seleção do que é mais importante é um fator de limitação, pois o Direito não considera como tal qualquer informação recebida do ambiente. Pelo seu mecanismo de acoplamento estrutural, a Constituição, o Direito realiza sua seleção do que é mais importante para a sociedade, pois na Constituição estão expressos os valores máximos do sistema social. Para que haja leis punindo delitos econômicos, é preciso que interesses econômicos tenham sido submetidos ao sistema político que, sob diretrizes enviadas pelo Direito, editou tais leis, só recebidas pelo sistema jurídico porque selecionadas a partir da observação dos limites estabelecidos pela Constituição, o mecanismo de acoplamento estrutural do sistema jurídico.

Em termos jurídicos, crimes econômicos devem ter como objeto de proteção um bem jurídico cuja proteção encontre respaldo Constitucional.

Sendo assim, qual o bem jurídico, com sede constitucional, tutelado nos crimes econômicos? Para Magalhães (2010), o Direito Penal Econômico tutela uma nova categoria de bens jurídicos, compreendidos na ordem constitucional econômica.