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A relação entre os sistemas político, jurídico e econômico

3 A CONSTITUIÇÃO COMO ACOPLAMENTO ESTRUTURAL ENTRE OS

3.1 A relação entre os sistemas político, jurídico e econômico

Viu-se, no capítulo anterior, ser a sociedade, para a teoria de Luhmann, um sistema social geral, do qual se originam subsistemas, diferenciados funcionalmente, para lhe reduzir a complexidade. Segundo Easton (1968, p. 66), o conceito de sociedade incorpora todos os outros sistemas sociais, sendo, assim, “um supra-sistema inclusivo e globalizante.”

Destacam-se, nesta pesquisa, três subsistemas sociais: o político, o jurídico e o econômico. Não por acaso, esses três mantêm comunicações com praticamente todos os subsistemas sociais. Dada a importância exercida por cada um em sua função sistêmica, em sua redução de uma parcela da complexidade da sociedade, é difícil conceber um subsistema social por completo indiferente a qualquer um deles.

Pode-se imaginar, por exemplo, o sistema do Direito funcionando alheio ao sistema religioso. As operações realizadas no interior do sistema jurídico em nada necessitam se submeter ao código sagrado/não-sagrado, próprio do sistema religioso. A recíproca, porém, não é verdadeira. Para funcionar, realizando observações sob seu código, o sistema religioso precisa operar por meio de suas estruturas (doutrinas religiosas, ministros de confissão religiosa, templos etc) e a construção destas envolve submissão a determinações originadas dos sistemas jurídico e político.

Nos limites do presente trabalho, entretanto, interessam não essas relações comunicativas que os sistemas político, jurídico e econômico estabelecem com os demais subsistemas sociais, mas, precisamente, as que eles mantém entre si.

O conceito de sistema político necessita ser delimitado, haja vista a amplitude que pode assumir. Dahl (1988, p. 13) define um sistema político como sendo “qualquer estrutura persistente de relações humanas que envolva controle, influência, poder ou autoridade, em medida significativa”. O alcance dessa definição encobre praticamente toda forma de

ajuntamento humano com o mínimo de organização: família, escola, tribos, associações civis e tantas outras possíveis, inúmeras, inclusive, pois em todas, se faz política, ainda que primitivamente. Não é, evidentemente, esse conceito tão amplo de sistema político que mostra alguma relevância para o desenvolvimento das idéias a serem vistas mais adiante. Concebe-se aqui, apropriando-se da definição de Dahl, acima apresentada, o sistema político como sendo a estrutura de controle, influência, poder ou autoridade, decorrente do Estado e conferida pela lei.

O sistema político tem como peculiaridade, que o difere dos demais sistemas sociais, o seu poder e, conseqüentemente, sua maior responsabilidade de regular, decidir e movimentar as estruturas do sistema, direcionando-as para objetivos mais amplos, em nome da sociedade, que o autoriza para tanto (EASTON, 1968).

Disso decorre sua elevada abrangência, sendo oportunas as palavras de Dahl (1988, p. 21), para quem, “de algum modo, em pelo menos algum momento de sua vida, toda pessoa se envolverá ou sofrerá efeitos do sistema político.” Em termos sistêmicos, pode-se entender que todos os subsistemas sociais se relacionam, de alguma forma, com o sistema político.

As demandas são recebidas no sistema político como inputs, transformadas em informação a ser trabalhada pelas estruturas do sistema, para produzir outputs, que serão enviados ao ambiente, circulando pelos sistemas sociais a que eles interessam. São exemplos de outputs do sistema político as leis, as decisões administrativas, os decretos, as políticas públicas anunciadas pelos agentes políticos (EASTON, 1968).

Os outputs retornam para o sistema político, como novas demandas, produtos dos efeitos dos outputs anteriores, sendo, portanto, o feedback que consolidará o sistema. Esse processo de saída e retorno dos outputs é denominado, conforme Easton (1968), de circuito de feedback, essencial para a manutenção do sistema político, especialmente em um regime democrático, de eleições periódicas, que promovem mudanças das estruturas do sistema (políticos, partidos políticos, órgãos públicos). O sistema político necessita do feedback, tanto para realizar sua autopoiese, através da recursividade de suas comunicações reiteradas, quanto para a manutenção de suas estruturas, após o processo eleitoral.

O sistema do Direito, sistema jurídico, opera sob o código lícito/não lícito. Em um Estado de Direito, a manutenção da vida em sociedade se realiza pela submissão de todos ao império da lei. Ao Direito é dada a prerrogativa da análise do que é devido, por ser conforme a lei, ou do que é indevido, por contrariá-la.

Dessa forma, criam-se expectativas no corpo social, sobre o comportamento de cada um de seus membros. O comportamento socialmente aceito é aquele previsto na lei, ou, pelo

menos, o não ofensivo a ela. A expectativa é a de que esse comportamento seja aceito, considerado válido, mantendo-se a harmonia social. A desarmonia decorre de um comportamento tido como não-válido, por atentar contra as expectativas de comportamento permitido, por ofender o conteúdo da lei. Cabe ao Direito assegurar a invalidade daquele comportamento, mantendo a harmonia social.

Na visão de Luhmann, cabe ao direito a seleção de expectativas comportamentais que possam ser generalizadas, de modo que o Direito não é um ordenamento coativo, mas um alívio para as expectativas (ROCHA, 2005).

O direito frequentemente imagina/limita o comportamento social; quando, em verdade, na mesma medida em que os limita, os cria. É só imaginar o que surge por meio do contrato ou por meio da propriedade. Essa função do direito de estabilizar as expectativas normativas torna-o um regulador e um criador de conflitos. (LIMA, 2009, p. 66).

Sendo um redutor das expectativas do ambiente, ressoam no sistema jurídico irritações provenientes dos mais variados sistemas do seu entorno. As desarmonias do corpo social, em qualquer de seus subsistemas, são levadas ao subsistema do Direito, que, dentre as suas estruturas, tem o Poder Judiciário, dotado do poder-função de resolver os conflitos de interesses.

Diante de um comportamento de validade duvidosa, caberá ao sistema do Direito analisá-lo sob seu código lícito/não-lícito, permitindo-o, se lícito, declarando-o inválido, se não-lícito. Em determinadas situações, havendo dano ou perigo de dano, decorrentes do comportamento não permitido, a expectativa será de aplicação de uma sanção, competindo ao sistema jurídico a imposição desta.

O sistema econômico cuida da atividade econômica e esta “se encarrega da administração da escassez, ou seja, da escolha dos recursos destinados à satisfação das necessidades humanas” (PINTO, 2007, p. 8). Ao sistema econômico incumbe, portanto, o gerenciamento dos bens econômicos, compreendidos como aqueles dotados de “utilidade e cujo suprimento seja escasso, classificado materialmente em bens propriamente ditos e serviços.” (PINTO, 2007, p. 8). O sistema econômico desenvolve sua atividade, seus processos comunicativos internos, sob o código pagar/não-pagar. Sob esse código, o sistema administra os bens e serviços essenciais.

São estreitas as relações entre os sistemas político, jurídico e econômico, tornando-os quase indissociáveis. A lei é uma das estruturas com as quais opera o Direito as suas comunicações. Mas a criação da lei não é um processo jurídico, e, sim, político. Portanto,

interesses políticos podem ser determinantes na elaboração da lei sobre a qual trabalhará o sistema jurídico. Ao mesmo tempo, do sistema do Direito emanam princípios, postulados teóricos e decisões judiciais que servem de orientação na elaboração das leis. O sistema jurídico, por meio do Poder Judiciário, pode invalidar atos do sistema político. Este, por sua vez, através da edição da lei, pode ampliar ou limitar a atuação do sistema jurídico. Isso gera, não raro, pressões de um sistema sobre o outro.

O sistema econômico é regulamentado por normas jurídicas, editadas pelo sistema político. O sistema político planeja e cria o cenário para a atividade econômica se desenvolver, enquanto o sistema jurídico analisa a validade ou a invalidade das atividades econômicas. Por outro lado, quase tudo o que se opera nos sistemas jurídico e político tem origem ou alguma forma de relação com o sistema econômico. Não há como negar que interesses econômicos influenciam decisões políticas e decisões judiciais.

Embora sejam esses três subsistemas sociais independentes e autopoiéticos, as atividades de um, bem como as transformações por ele sofridas, influenciam diretamente nos demais. Mudanças políticas podem afetar diretamente a Economia e o Direito. Novas concepções jurídicas podem ser restritivas ou permissivas de novas atividades econômicas, condicionando processos políticos nesse sentido. Alterações no cenário econômico podem acentuar ou arrefecer a atividade regulatória do sistema jurídico e podem ter efeitos tão díspares no sistema político, quanto o retirar estruturas ou as elevar ao poder.

Sendo esses sistemas independentes paradoxalmente tão dependentes entre si, deve haver um mecanismo, ao menos um preponderante, se vários forem, que os una, permitindo essa tão estreita ligação entre eles. Na linguagem sistêmica esse mecanismo é o acoplamento estrutural.

3.2 O acoplamento estrutural entre os sistemas político, jurídico e econômico: a