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Causas possíveis das disfunções do sistema penal econômico: os processos

3 A CONSTITUIÇÃO COMO ACOPLAMENTO ESTRUTURAL ENTRE OS

4.2 Disfunções do sistema Penal Econômico

4.2.1 Causas possíveis das disfunções do sistema penal econômico: os processos

A identificação das causas do sucesso da criminalidade econômica sobre os meios legais e institucionais de sua repressão é tema tão vasto e controverso que não seria razoável se ter a pretensão de abordá-lo de forma cientificamente satisfatória nos estritos limites deste trabalho. Tal tarefa demandaria análises políticas, sociológicas, culturais, antropológicas, econômicas e jurídicas por demais específicas.

Sob pretensões bem mais modestas e adequadas ao fim desta pesquisa, busca-se tão somente identificar, sob a luzes da teoria dos sistemas, possíveis causas de disfunções do sistema penal econômico, sabendo-se que, se em parte elas ajudam a compreender a expansão da criminalidade econômica, de outra feita não oferecem toda a dimensão do problema. Ainda assim, a identificação das falhas do sistema repressor já é, em grande medida, um conhecimento de grande utilidade para o desenvolvimento de mecanismos corretores.

Luhmann concebeu os sistemas sociais como fechados operativamente e abertos à comunicação, por meio do acoplamento estrutural. Em tese, as operações internas dos sistemas não sofrem influência do ambiente, pois operam dentro dos seus limites funcionais

fechados. Seu contato com o ambiente é feito por um mecanismo de filtragem das muitas informações que ressoam no sistema. Isso, em condições ideais, permitiria ao sistema funcionar sem interferências externas.

Contudo, conforme se verificou no segundo capítulo deste trabalho, em 2.4, não há sistema que não sofra interferências do ambiente. A capacidade do sistema de realizar a sua autopoeise será determinante para que as interferências externas não provoquem qualquer efeito negativo no sistema.

Quanto mais informações forem processadas, recorrendo o sistema ao seu repertório de comunicações realizadas anteriormente, produzindo sua própria comunicação, sua diferenciação do ambiente ou, em última análise, produzindo a si mesmo, mais consolidado será.

A autopoiese não significa incapacidade de mudança, como se o sistema rejeitasse qualquer modificação a partir das transformações havidas no ambiente. De forma alguma. Transformações do ambiente podem ser percebidas pelo sistema e influenciarem, positivamente, sua modificação. Na capacidade de se referir a si mesmo, aos seus processos anteriores, o sistema “aprende” a lidar com a nova informação, dando-lhe resposta semelhante à anterior, se a informação também for semelhante, ou alterando suas estruturas, se a informação indicar a necessidade dessa modificação. Quanto mais autopoiese realizar, mais condições terá o sistema de mudar a si mesmo, de se adaptar às modificações do ambiente, sem perder sua diferenciação funcional.

Além disso, quanto mais consolidado for o sistema, mais condições terá de reagir às interferências negativas do ambiente, ainda que estas gerem certa alteração sistêmica. Easton (1968), como já visto em 2.4, faz a diferenciação entre estabilidade e inalterabilidade. O sistema é estável quando as alterações causadas pelo ambiente ocorrem em velocidade tão lenta que não geram problemas às estruturas do sistema.

Nos sistemas consolidados, as influências do ambiente são menos sentidas, causam menos efeito nas estruturas do sistema. Nos sistemas transicionais, por não estar consolidada sua diferenciação, por não ser completa sua autopoiese, o sistema sofre mais rapidamente as influências do ambiente, gerando instabilidade em suas estruturas.

Conforme já visto, Neves (2005) denomina de processos sobrecomunicativos todas as influências externas sobre o sistema, que podem ocorrer sob duas formas: a) processos sobrecomunicativos resultados de observação continuada, que ocorrem quando um sistema, observando os processos comunicativos de outro, emite ruídos com características favoráveis ao recebimento daquela informação; b) processos sobrecomunicativos resultados de desvios

de acoplamento, ou seja erros no processo de diferenciação das informações, havendo falha, portanto, na intersecção dos processos de comunicação entre os sistemas conectados pelo acoplamento estrutural.

Esses processos sobrecomunicativos podem ser observados no sistema penal econômico brasileiro, por cujas características pode ser considerado um sistema transicional.

Nesse quadro podem ser identificados ambos os processos comunicativos, classificados por Neves (2005), que causam disfunções no sistema penal econômico.

Primeiramente, o sistema penal econômico é alvo de interesses políticos e econômicos diversos. A elaboração de uma norma penal econômica pode afetar positiva ou negativamente fortes grupos produtores, em geral representados por lobistas eficientes infiltrados no sistema político. Tais sistemas, político e econômico, emitem sinais, ruídos, informações para o sistema jurídico, com aparência de informações selecionáveis. São, por exemplo, leis inconstitucionais, ou que não representam um avanço efetivo na persecução penal da criminalidade econômica. As estruturas judiciárias trabalham de acordo com as estruturas legislativas pertinentes, mas estas atendem, em sua origem, a interesses econômicos, já influenciadores dos processos de elaboração de leis. Há também os casos de demandas judiciais, nas quais se usam artifícios jurídicos e de argumentos falaciosos para a proteção de empresários que graves prejuízo causaram ao meio ambiente, ou ao sistema financeiro, por exemplo. São falsos inputs advindos do ambiente que influenciam o sistema penal econômico a produzir outputs favoráveis aos interesses dos sistemas de onde se originaram, especialmente o político e o econômico. A pressão dos órgãos de imprensa, embora sentida com mais evidência nos crimes tradicionais, também se faz presente na criminalidade econômica, mais especificamente fazendo uso do enganoso argumento de que o Direito Penal Econômico faz justiça social, ao punir os agentes criminosos de “colarinho branco”, ou, ou seja, grandes empresários, pessoas de poder aquisitivo alto. As leis e decisões jurídicas, nesse caso, não são prestações que atendem ao fim do Direito Penal Econômico, de reduzir as expectativas sociais, na perspectiva constitucional; são, na verdade, prestações para dar satisfação à sociedade, cuja opinião é facilmente manipulada por órgãos de mídia.

Outra forma de desvio de função consiste, segundo Neves (2005), em desvios de sentido, em falhas no processo de diferenciação, revelando má-formação nas estruturas do sistema. Em sistemas transicionais, essa é uma falha com grande probabilidade de ocorrer, pois, estando ainda em desenvolvimento as estruturas do sistema, sua autopoiese não é completa, não sendo consolidada a sua diferenciação funcional em relação ao ambiente. Em muitas ocasiões, conforme Neves (2005), o sistema busca no ambiente informações para os

seus processos comunicativos, desviando-se do sentido dado pela seletividade do acoplamento estrutural.

Na seqüência, serão analisados os efeitos que podem ser atribuídos a essas disfunções, no sistema penal econômico brasileiro.