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A teoria dos sistemas de Niklas Luhmann é a base teórica desta pesquisa. Sua utilização, nesse contexto, é restrita à análise do sistema jurídico e sua relação com os sistemas político e econômico, bem como do subsistema que decorre dessa relação, o Direito Penal Econômico, observando-os em sua atuação nos sistemas em desenvolvimento, os sistemas transicionais, tomando o Brasil como referência, para restringir o objeto da pesquisa.

Não tem por fim, este trabalho, o justificar a aplicação da teoria de Luhmann no Direito Penal. Há críticas das mais diversas a essa teoria. Muitas, provavelmente, decorrentes de uma compreensão parcial do seu alcance.

No campo penal, em razão do alemão Günter Jakobs ter fundamentado seu funcionalismo radical na teoria de Luhmann, as críticas aos exageros desse funcionalismo podem erroneamente ser redirecionadas à teoria dos sistemas.

Fialdini (2011) diz que a base da construção do funcionalismo radical de Jakobs foi o funcionalismo sociológico de Niklas Luhmann, de modo que, para Jakobs, a funcionalidade do direito decorre de sua contribuição para a conservação do sistema social, inserindo-se o Direito Penal, nesse contexto, como estabilizador das expectativas normativas da sociedade, de modo que não haveria espaço para medidas limitadoras da exacerbação punitiva, como os limites impostos constitucionalmente. Para Fialdini (2011, p. 16), o funcionalismo de Jakobs “padece de premissas absurdas e fantasiosas. Concebe um sistema jurídico altamente totalitário e onipotente. Supõe que a repressão penal é essencial para coagir a sociedade a se manter integrada”. E finaliza o autor dizendo que Jakobs “reduz o ser humano à condição de um simples instrumento de comunicação social, como um microfone ou uma máquina de escrever.” (FIALDINI, 2011, p. 16).

Não se pode exigir da teoria conclusões diversas do objeto a que ela se propõe. Na teoria dos sistemas sociais não se analisam os indivíduos, mas seus papéis na sociedade, como ressalta Belo:

Não se distingue, por exemplo, as pessoas que participam do sistema econômico daquelas que participam do sistema político: as pessoas atingidas são sempre as mesmas. Fundamentalmente, o que se distingue são seus papéis ou modos de comportamento (econômico, político etc.). A abordagem preocupa-se mais com a análise de modos de comportamento, precisamente, e menos com os indivíduos, inclusive porque estes desempenham vários papéis e frequentemente passam de um para outro com grande rapidez. (BELO, 2005b, p. 47).

Não há espaço, dentro dos limites deste trabalho, traçados pelos seus objetivos, para se fazer uma justificação da teoria de Luhmann ou uma análise aprofundada do funcionalismo de Jakobs. Qualquer desses dois estudos demandaria uma pesquisa com fins e objetivos próprios, descaracterizando-se esta que aqui se desenvolve.

Contudo, para que não se imagine haver uma incompatibilidade metodológica, em se usar a teoria de Luhmann em uma visão diversa do funcionalismo apresentado por Jakobs, e para a compreensão do conteúdo do próximo capítulo, que apresenta a Constituição Federal como acoplamento estrutural entre os sistemas jurídico, político e econômico, que será a base

para a construção do raciocínio dos dois capítulos seguintes, ainda que em uma análise sem a pretensão de ser um estudo sobre Jakobs, importa dizer haver uma diferença substancial entre o funcionalismo radical e a linha de interpretação da teoria dos sistemas adotada nessa pesquisa. Há um elemento da teoria dos sistemas, não desenvolvido no funcionalismo de Jakobs, ao menos com os contornos que aqui se propõe a dar. Jakobs analisou apenas a funcionalidade do sistema. O Direito Penal exerce sua função de reduzir as expectativas, através de suas comunicações próprias. Porém, não se vê em Jakobs a preocupação do estudo da Constituição como acoplamento estrutural. O sistema de Luhmann, no funcionalismo de Jakobs, toma feições mais próximas do sistema aberto de Parsons, no qual, para certos inputs, haverá necessariamente certos outputs. Essa troca de informações entre sistema e ambiente não teria espaço para valorações e o homem seria um mero instrumento, nesse sistema. Luhmann construiu sua teoria fugindo exatamente dessa noção, para conceber seu sistema como fechado operativamente, mas aberto em sua comunicação, por meio do acoplamento estrutural, de forma que os inputs do ambiente são selecionados a partir do acoplamento estrutural e operados dentro do sistema sob sua forma única de comunicação.

É fundamental se ter em mente que os sistemas de Luhmann são um modelo teórico, de aplicação geral. As variantes dos sistemas não inutilizam a teoria. Em um contexto jurídico em que a Constituição seja meramente simbólica ou a visão puramente normativista não permita valorações por parte do legislador ou do aplicador da lei, a Constituição continua como acoplamento estrutural, mas seu papel seletivo será reduzido. Onde se concebe a Constituição como um conjunto de regras e princípios, dando-se margem para, a partir destes, se ter a interpretação de um ordenamento jurídico, a seletividade das informações do sistema, a partir da Constituição, se dará em outro nível, mais abrangente. Mas, em ambos, permanecem válidas as estruturas básicas da teoria de Luhmann.

Entende-se, pois, neste trabalho, que a teoria de Luhmann não pode ser reduzida aos estritos limites do funcionalismo de Jakobs. A depender do sistema sobre o qual se queira aplicar a teoria dos sistemas sociais, a visão de Luhmann da funcionalidade sistêmica, a partir da seleção feita por meio do acoplamento estrutural, permite tanto a concepção de um funcionalismo radical do sistema penal, sem espaço para juízos de valor, quanto a compreensão de um sistema penal fundamentado na supremacia da Constituição e na aplicação de seus valores, expostos em seus princípios como parâmetros no processo de seleção das comunicações do sistema.

É essa última aplicação da teoria de Luhmann que se utiliza no presente trabalho, ao se analisar o sistema penal econômico.

3 A CONSTITUIÇÃO COMO ACOPLAMENTO ESTRUTURAL ENTRE OS