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A ORDEM HEGEMÔNICA DOS ESTADOS UNIDOS E A ASCENSÃO DE

Mapa 1 – Mapa Político da Índia

2 GRANDE ESTRATÉGIA E ASCENSÃO DE GRANDES POTÊNCIAS:

2.5 A ORDEM HEGEMÔNICA DOS ESTADOS UNIDOS E A ASCENSÃO DE

A ascensão de Grandes Potências traz uma série de desafios à ordem estabelecida. Como os custos e benefícios são um cálculo baseado na visão de cada Estado a respeito de seus interesses e poder relativo, a análise do impacto sobre a ordem internacional tem razões estruturais e agenciais. Além de provocar mudanças na distribuição de poder, a emergência de uma nova potência também depende da Grande Estratégia que adota e da reação das potências tradicionais a este desafio. Argumenta-se que há dois movimentos importantes na ordem internacional:

a) a deslegitimação da ordem estadunidense; e

b) as dinâmicas regionais de cooperação e conflito, juntamente com a Guerra Local28.

2.5.1 A hegemonia liberal dos Estados Unidos

Para clarificar a discussão sobre hegemonia e sua importância, vamos iniciar pelo que ela não é: dominação direta. Em qualquer discussão sobre o conceito no campo das Relações Internacionais, fica evidente que ele trata de influência ou controle indireto, em oposição à expansão territorial de impérios ou aos regimes de colonização (ARRIGHI, 2000; ANTONIADES, 2008; FARIA, 2013).

Em primeiro lugar, o conceito de hegemonia tem uma relação direta com o controle do Sistema. Segundo Arrighi (2000), a hegemonia é formada pela liderança e governança da ordem internacional. A liderança é característica fundamental, pois não existe hegemonia sem Estados seguidores ou subordinados. Se nenhum país segue as regras ditadas, nem cede aos interesses do Estado mais poderoso, não há hegemonia. Conforme observamos anteriormente, Gilpin (1981) se refere a esta capacidade de autoridade sobre outros componentes do SI como “prestígio”. Obviamente, para ser líder da hierarquia de prestígio global, é necessário que um Estado tenha poder (econômico, militar e tecnológico) para lastrear e assegurar esta condição.

A partir das concepções de Maquiavel e Gramsci, podemos elaborar a hegemonia a partir de um misto de coerção (uso da força ou ameaça explícita e implícita deste uso) e consenso (convencimento). Ikenberry e Kupchan (1990, p. 285-286) argumentam que há duas formas de exercer a hegemonia: por meio de incentivos materiais e da “socialização”. No

primeiro caso, a ameaça de punição ou a promessa de recompensa são formas de modificar os incentivos ou restrições a outros países. No segundo, a potência hegemônica tenta convencer as elites dos outros Estados de que a sua proposta de normas e princípios deve ser adotada, promovendo sua visão de mundo e a construção de uma ordem estável. As duas formas

(coerção e consenso) são mutuamente reforçantes e ocasionalmente de difícil separação29.

Após este esclarecimento sobre o conceito de hegemonia, o objetivo da seção é fazer uma breve análise das principais características da hegemonia estadunidense. A ordem liberal, promovida com a liderança dos Estados Unidos após o final da Segunda Guerra Mundial, herdou algumas características do liberalismo hegemônico britânico, mas em essência é um sistema sem precedentes históricos. A complexidade de regras e instituições multilaterais intergovernamentais, em diversas esferas (econômica, política e securitária), é superior a qualquer arranjo pré-1945 (IKENBERRY, 2005).

Inicialmente, os Estados Unidos adotaram uma estratégia dual, criando uma ordem híbrida. Enquanto a distribuição de poder indicava a bipolaridade, a construção de normas ocorreu pela barganha dentro da oligarquia vencedora da II GM (EUA, França, Inglaterra, URSS e China). Do ponto de vista securitário, houve uma estratégia estadunidense de

contenção à União Soviética e dissuasão estendida30 aos aliados na Europa Ocidental e na

Ásia Oriental.

Estabeleceu-se um arranjo de balança de poder bipolar e, ao mesmo tempo, uma barganha institucional por meio do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Quanto aos aliados estadunidenses, na Europa foi criado um tratado de segurança coletiva (Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN) e na Ásia houve uma série de acordos bilaterais, tendo os EUA como centro. Em troca do provimento de segurança, os aliados apoiaram em grande medida a ordem institucional e econômica liderada pelos estadunidenses.

No âmbito econômico, os EUA planejaram a reconstrução da economia global em bases liberais, promovendo a integração entre as economias de mercado. Esta estratégia esteve alicerçada nas instituições de Bretton Woods (Banco Mundial - BM; Fundo Monetário Internacional - FMI) e na cooperação entre os países desenvolvidos por meio da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Além disso, criou-se o Acordo

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Os autores Arrighi (2000, p. 28-35) e Faria (2013), tomando o mesmo caminho da coerção e consenso, ainda incorporam diferentes elementos intermediários em sua análise, como o papel das instituições internacionais, da ideologia e do controle dos meios de pagamento. Antoníades (2008) toma um caminho diferente, incorporando críticas pós-estruturalistas em sua análise.

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A dissuasão estendida seria promover segurança a aliados, de modo que seus potenciais adversários entendam que, ao entrarem em guerra com estes, sofrerão resistência e retaliação também por parte de seu aliado mais poderoso.

Geral de Tarifas e Comércio (GATT) para expandir a cooperação multilateral, evoluindo posteriormente para a Organização Mundial do Comércio (OMC) (IKENBERRY, 2005).

Outro fenômeno importante na esfera econômica foi a exportação de capitais pelos Estados Unidos. O objetivo era expandir sua hegemonia por meio da reconstrução e abertura de novos mercados consumidores. A política de investimento externo estadunidense foi reforçada logo após o fim da Segunda Guerra Mundial (II GM), com os planos de ajuda econômica para Europa e Japão. Restaurando os padrões de consumo nestes países, os EUA retomaram as exportações e reequilibraram a economia nacional.

No entanto, progressivamente, alguns países se aproveitaram da difusão tecnológica e do investimento externo para tornarem sua indústria novamente competitiva. Por conta disso, Gilpin (1975) critica a internacionalização das grandes empresas nacionais e o investimento externo direto dos Estados Unidos, que acabou tendo efeitos colaterais desestabilizadores em longo prazo. Ao promoverem a flexibilização da regulação ao capital, os estadunidenses alimentaram o problema ainda maior da financeirização da economia. O descolamento entre as realidades produtiva e financeira já havia sido um dos grandes responsáveis pelo declínio do Império Britânico (ARRIGHI, 2000).

No entanto, o destino da hegemonia estadunidense foi diferente de seu antecessor inglês. A partir de 1971, os EUA ampliaram sua hegemonia financeira ao proibirem a conversão do dólar em ouro e, consequentemente, atrelaram todas as moedas nacionais ao dólar. O resultado no plano internacional foi a consolidação de sua moeda como meio de troca e de reserva. Isto acentuou a dependência financeira dos demais países em relação à política macroeconômica praticada pelos Estados Unidos e à oferta de dólares no mercado

internacional31 (KIRSHNER, 2008).

A hegemonia estadunidense também possui grande viés ideológico e transformador, no sentido de procurar moldar as outras sociedades à sua própria imagem. Com o fim da Guerra Fria, finalmente os Estados Unidos tiveram a oportunidade de expandir a sua hegemonia em âmbito verdadeiramente global, como consequência da unipolaridade. No âmbito econômico, há a tentativa de propagação da abordagem neoliberal por meio do Consenso de Washington (1989), fórmula que prega a abertura dos mercados, a ortodoxia macroeconômica, a redução do papel do Estado (privatizações), a desregulamentação e a proteção dos direitos de propriedade. No âmbito social e cultural, avançou-se com a ideia de

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Susan Strange (1988) argumentou, por outro lado, que os Estados Unidos realmente possuíam o maior poder financeiro estrutural, mas o Estado perdia força progressivamente para os mercados transnacionais, que escapam à regulação soberana e criam um ambiente econômico internacional de maior risco e incertezas.

que os valores políticos liberais eram universais a todas as sociedades, incluindo suas noções de direitos humanos e autodeterminação dos povos. A principal estratégia para incentivar estas mudanças foi a promoção da democracia nas nações adversárias, de modo que elas viessem a atender aos interesses geopolíticos estadunidenses (KUPCHAN, 2014, p. 49-52; HUNTINGTON, 1999, p. 38).

É importante ressaltar, ainda, que os Estados Unidos adotam uma tática de auto- restrição e respeito à institucionalidade apenas quando lhes convém manter a aparência de legitimidade e barganha multilateral. Nos momentos cruciais desde 1945, conforme apresenta Schweller (2001), os EUA tomaram decisões de forma unilateral e sem consultar seus aliados. Na ordem do pós-Guerra Fria, os EUA mostraram cada vez menos respeito à soberania dos outros países. As guerras contra o Iraque (1991, 2003) são exemplos de ações exemplares para disciplinar um Estado que não segue as regras da ordem hegemônica.

No plano institucional, os estadunidenses encaram a Organização das Nações Unidas (ONU) como um instrumento de poder para avançar seu projeto de democracias liberais. Esta orientação unilateral vai de encontro com os objetivos da própria criação da ONU, estabelecida para ser um mecanismo de barganha entre Grandes Potências por meio do Conselho de Segurança (CS-ONU). A ideia de um equilíbrio ou balança de poder mediada pelo CS-ONU tem sido subvertida pela Grande Estratégia estadunidense de obtenção da primazia militar e da promoção de instabilidade na vizinhança de China e Rússia (GOMES GUIMARÃES, 2015; RIBEIRO, 2015a).

Mearsheimer (2011) atenta para a Grande Estratégia imperialista promovida pelas elites liberais e conservadoras dos Estados Unidos desde a década de 1990, que procura justamente transformar as outras nações do mundo à sua imagem e semelhança. Contudo, os altos custos da “engenharia social” promovida nos países considerados não democráticos colocam em xeque o modelo de exportação da democracia.

Huntington (1999) critica o que ele considera ser esta “síndrome do hegêmona benigno”, onde os representantes estadunidenses consideram sua nação indispensável, mas necessitam da cooperação das outras potências para avançar em qualquer assunto internacional relevante. Ele argumenta que a atuação dos EUA como se estivessem em um mundo puramente unipolar tem tornado o país numa “Superpotência Solitária”, incapaz de sustentar sua hegemonia sozinha, seja por falta de apoio doméstico ou de outras potências (com a possível exceção dos aliados anglo-saxões). Portanto, o unilateralismo dos EUA característico das últimas décadas facilitou a erosão de sua hegemonia.

2.5.2 Ascensão de Grandes Potências e a nova distribuição de poder

No início do Século XXI, a distribuição de poder deslocou-se da unipolaridade para a multipolaridade assimétrica. Barry Buzan (2004; 2005) discute a distribuição de poder atual e a polarização nas primeiras décadas do Século XXI. Para ele, somente os Estados Unidos possuem alcance e interesse securitário global, enquanto as Grandes Potências disputam por influência em regiões próximas e as Potências Regionais apenas em sua própria região. Enquanto os EUA são indispensáveis às instituições globais, coalizões ad hoc entre Grandes Potências colocam por vezes seus interesses em xeque.

Buzan (2005, p. 182) sugere seis hipóteses para trabalhar as regras do jogo em uma estrutura de polaridade assimétrica. A Superpotência tentará:

a) impedir ou atrasar a ascensão de rivais;

b) transformar os desafios a seu status em problemas securitários (securitização); c) prevenir o alinhamento das GPs.

As Grandes Potências:

d) priorizarão as relações com a Superpotência;

e) terão maior ou menor interdependência securitária com as demais GPs conforme a proximidade geográfica;

f) formarão coalizões contra a Superpotência.

A tendência seria um misto de cooperação e competição, com coalizões de geometria variável, baseadas em objetivos limitados e interesses ad hoc. Esta visão se soma ao processo de regionalização de segurança no pós-Guerra Fria (LAKE; MORGAN, 1997; BUZAN; WAEVER, 2003). Deste modo, seria mais adequado trabalharmos com as ideias de deslegitimação da ordem hegemônica estadunidense, das balanças regionais de poder e da busca pela hegemonia regional.

Em uma breve análise, Buzan (2005) argumenta que, não havendo ascensão de competidores à altura num futuro próximo, o embate político nos Estados Unidos é se o país deve ou não manter seu engajamento em nível global. Neste sentido, alguns autores defendem a manutenção da presença securitária global (BROOKS; WOHLFORTH, 2016) e outros apostam num recuo estratégico e no engajamento seletivo (POSEN, 2014).

Em relação aos possíveis competidores, os EUA buscaram cooptar a Europa e o Japão em torno de seu projeto institucional e econômico, prevenindo uma grande coalizão de potências contra si. O projeto estadunidense para China e Rússia tem ocorrido de acordo com

a lógica dos teóricos realistas hegemônicos, ou seja, a Superpotência tenta coagir e convencer ambas a se incluírem em sua ordem econômica liberal e aceitarem um papel inferior.

Buzan sugere que os Estados Unidos poderiam retomar o papel jogado durante as guerras mundiais, quando promoveram um balanceamento externo às potências europeias. Desta vez, o objetivo seria equilibrar os jogos de poder na massa eurasiana, assegurando sua participação e impedindo a consolidação da regionalização na Ásia Oriental e na Europa (BUZAN, 2005, p. 193).

Os Estados Unidos estão cientes do potencial chinês e já procuram alternativas para reduzir o impacto da ascensão da China sobre a ordem hegemônica atual. Podemos citar, entre outros, a iniciativa do Pivô para a Ásia, com a intenção de reafirmar a dissuasão estendida aos aliados estadunidenses (Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Filipinas e Austrália). Além disso, os EUA têm se interessado em construir laços com a Índia, almejando transformar esta relação numa aliança. Com respeito às Grandes Potências, suas preocupações de segurança realmente priorizam os EUA sobre outras potências, embora não haja uma dinâmica de balanceamento.

A estrutura multipolar assimétrica também possui suas contradições. Por um lado, impõe obstáculos à ascensão de uma nova Superpotência devido às preocupações dos vizinhos eurasianos. Por outro lado, a ausência de competidores à altura contribuiu para a desestabilização da Grande Estratégia estadunidense nas últimas décadas. De forma contraintuitiva, a ausência de competidores acabou facilitando a ascensão de novas potências devido às decisões equivocadas da GE dos Estados Unidos.

2.5.3 Transição de poder: rumo à desordem sistêmica?

Historicamente, os momentos de transição hegemônica antecedem grandes desequilíbrios, crises, ajustes e confrontações. A primeira conclusão estrutural é que as potências ascendentes não precisam necessariamente ser agressoras para causarem instabilidade no Sistema (SCHWELLER, 1999a). O aumento da disputa sobre recursos numa condição de escassez tende a gerar conflitos de interesse, mesmo que os Estados não tenham propensão a militarizar sua atuação no plano internacional.

Schweller (1999a) argumenta que a necessidade das potências em expandir seu controle sistêmico pode ser explicada pelas teorias da pressão lateral e do dilema de segurança. Ao crescerem, os Estados geralmente se tornam mais dependentes de recursos e mercados fora de seus territórios. O aumento da interdependência com o exterior incentiva a

potência ascendente a tomar medidas para reforçar sua segurança, promovendo impactos sobre a segurança de outras potências. Em suma, quando o poder de um Estado aumenta, seus interesses vitais se modificam para incluir uma série de desafios decorrentes deste crescimento.

A competição posicional, expressão usada por Schweller (1999b), representa conceitualmente a disputa dos Estados mais poderosos por bens escassos, sejam eles mercados consumidores, investimentos, energia, balança comercial, prestígio ou influência política. Todos estes elementos têm em comum a escassez, ou seja, só podem ser adquiridos às custas da diminuição de sua oferta aos demais competidores.

Conforme um país aumenta seu poder e se torna razoavelmente moderno e industrializado, seus interesses e prioridades geralmente se modificam. Seu raio de atuação é gradualmente ampliado para longe de suas fronteiras. A matriz econômica nacional passa do setor primário (agricultura, extração mineral) aos setores industrial e de serviços. Os países desenvolvidos, que antes eram fornecedores de máquinas e manufaturas, se tornam competidores por mercados e recursos naturais.

Gao Cheng (2011) amplia o argumento ao apontar que o principal objetivo das

potências ascendentes é garantir o desenvolvimento econômico32. A origem das guerras

hegemônicas estaria na negação dos mercados externos pela potência hegemônica, ameaçando

a estabilidade doméstica e o crescimento de longo prazo de seus competidores33. Assim,

conforme as pressões securitárias externas aumentam, a Grande Estratégia do país em ascensão necessita de um aumento em capacidades militares para assegurar seus objetivos econômicos.

A competição posicional torna-se especialmente aguda no Século XXI. Com a perspectiva simultânea de crise energética e transição demográfica, grandes populações consumirão e estarão dependentes de recursos naturais cada vez mais escassos, especialmente de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural). Deste modo, um dos desafios da Grande

Estratégia é a gestão da segurança energética34 (OLIVEIRA, 2011; 2012; ÁVILA, 2013).

32

Seja por meio de abertura de mercados para venda de produtos, compra de insumos e materiais, investimentos externos ou obtenção de reservas monetárias.

33 Gao Cheng (2011) acredita que, caso não haja ameaças sérias de estrangulamento da economia nacional, a potência ascendente não teria motivos para adotar uma política securitária agressiva ou expansionista. 34 Oliveira (2011, p. 26-27) enumera sete tipos de estratégias de segurança energética: a)

autossuficiência/autonomia - produção interna; b) diversificação de matriz - utilizar diferentes fontes,

priorizando aquelas de menor custo econômico, social e ambiental; c) diversificação de fornecedores; d)

controle de recursos no exterior; e) integração regional - infraestrutura energética e cadeias produtivas de

energia; f) aumento da eficiência - por meio de inovações ou mudanças na matriz energética; g) inovação - desenvolvimento de novas tecnologias de geração, distribuição e consumo de energia.

As principais alternativas discutidas atualmente, com respeito à transição de poder no Sistema Internacional, são as teorias da Guerra Hegemônica e do Concerto de Potências. Ambas possuem algumas limitações para a explicação do momento atual.

Segundo a teoria da Guerra Hegemônica (GILPIN, 1981; 1988), a potência ascendente causará desequilíbrio sistêmico devido à defasagem entre a distribuição de poder e a hierarquia de prestígio. Em tese, a potência hegemônica poderia acomodar o Sistema para reequilibrá-lo conforme a nova realidade. Contudo, isto raramente ocorre, pois a acomodação pode comprometer interesses vitais do hegêmona e seus aliados, ou porque a potência ascendente se torna ainda mais forte e demanda mais concessões. Quando a barganha falha, a Guerra Hegemônica ocorre devido à percepção da potência ascendente sobre a superioridade de seu poder, ou a potência hegemônica prefere iniciar uma guerra preventiva antes que o adversário se torne ainda mais forte.

Schweller (2011, p. 288-289) faz críticas importantes a este modelo. Em primeiro lugar, por que a potência ascendente destruiria uma ordem em que ela claramente está obtendo um desempenho superior aos demais? Por que, acima de tudo, arriscaria uma guerra central de custos exorbitantes? Quais seriam os interesses vitais da potência ascendente que não estão sendo atendidos por esta ordem e estão em conflito com a potência hegemônica? Por fim, o reconhecimento do prestígio traz consigo um aumento das responsabilidades e obrigações do país, aumentando também os custos de manutenção da ordem internacional.

Na outra ponta do gradiente temos o Concerto de Potências, alicerçado nas visões liberal-institucionalista e da escola inglesa. Para a primeira corrente, as potências ascendentes estão inseridas no mundo globalizado e a interdependência tornará estes países em Estados responsáveis (responsible stakeholders), integrados à ordem vigente (POTTER, 2016). Para a escola inglesa, as Grandes Potências podem aderir a uma série de normas e regras impostas de modo conjunto, estabelecendo uma hegemonia coletiva sobre o Sistema Internacional. O exemplo histórico seria o Concerto Europeu do Século XIX (WATSON, 1992). Há ainda visões de distintas escolas que argumentam em favor da transição de poder pacífica (KUPCHAN et al., 2001).

O problema inicial é que os EUA não parecem interessados em adaptar sua ordem aos interesses de outras potências e têm buscado a primazia militar para sustentar sua hegemonia (KAPSTEIN; MASTANDUNO, 1999). O reflexo político deste movimento pela primazia tem sido a pressão exercida sobre China e Rússia, seja por meio da construção de defesas

antimíssil no Leste Europeu e no Pacífico, ou pela interferência em interesses vitais territoriais, casos de Taiwan/Mar do Sul da China e Ucrânia (MARTINS; CEPIK 2014).

Tendo em vista as dificuldades lógicas de ambos os lados, sugerimos que o momento atual é de aumento da desordem sistêmica. A tendência é de maior conflituosidade e posturas de deslegitimação da ordem vigente, caracterizadas pela criação de coalizões anti- hegemônicas e pela descentralização da governança global (SCHWELLER, 2011; CEPIK, 2013).

Por outro lado, a guerra central também é improvável. O dilema da guerra entre Estados nucleares e com capacidades militares modernizadas (digitalização) tende a prevenir escaladas para guerras totais entre Grandes Potências (COPELAND, 2000; CEPIK; ÁVILA; MARTINS, 2009; SCHWELLER, 2011). Não obstante, o equilíbrio de capacidades e o aumento dos conflitos de interesse podem levar a disputas de poder por meio da Guerra Local. Isto significa que há uma tendência de definição dos conflitos sistêmicos por meio das balanças regionais de poder e da busca das GPs por hegemonia regional (MARTINS, 2008).

2.5.4 A deslegitimação da hegemonia estadunidense

Na década de 2000, surgiu uma série de novos arranjos multilaterais liderados por potências em ascensão (ou emergentes). Todos demonstram, em alguma medida, a erosão da hegemonia estadunidense e a dificuldade em manter a liderança global. Sem desafiar frontalmente a ordem internacional, estes países praticam a descentralização da governança global e a deslegitimação do poder hegemônico. Devido à estrutura unipolar, os candidatos a polo do SI agem de forma gradual e cautelosa, pois a transição a partir da unipolaridade é historicamente mais conflituosa. Deste modo, a prática da resistência é alternada com uma postura mais cooperativa (SCHWELLER; PU, 2011).

Ao criarem instituições alternativas à ordem liberal estadunidense, as principais potências ascendentes procuram estabelecer seus próprios fóruns, onde podem exercer maior