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Mapa 1 – Mapa Político da Índia

2 GRANDE ESTRATÉGIA E ASCENSÃO DE GRANDES POTÊNCIAS:

2.2 DINÂMICAS E MECANISMOS DE MUDANÇA E MOBILIDADE

Esta seção discute as dinâmicas e mecanismos pelos quais podemos explicar a

ascensão de Grandes Potências16. Nos baseamos na lógica de Paul Kennedy (1989) de que há

uma correlação positiva entre poder econômico e a posição relativa no Sistema. Além disso, salientamos que a transformação de poder econômico em militar não é automática, mas dependente de um impulso político interno e/ou externo. Deste modo, procuramos explicar quais dinâmicas sistêmicas favorecem a mobilidade social em nível estrutural e quais são os mecanismos individuais responsáveis pela ascensão de novas potências.

Do ponto de vista estrutural, a principal dinâmica são as taxas desiguais de crescimento dos países. Gilpin (1981) fornece a Lei do Crescimento Desigual, que explica por que a influência das potências hegemônicas se expande, equilibra e declina. Kennedy (1989) vincula a ascensão e declínio das Grandes Potências às capacidades econômico-produtivas. No entanto, Gilpin e Kennedy não aprofundam os processos econômicos de expansão e declínio de potências. Assim, utilizamos os autores Teschke (2003), Buzan e Lawson (2015) para explicar a expansão do SI moderno, caracterizado pelo advento do Estado moderno e da industrialização sob o modo de produção capitalista. Cabe notar que a modernização não é um processo espontâneo, mas politicamente orientado. No caso dos países atrasados, a modernização ocorre sob a teoria do Desenvolvimento Desigual e Combinado, de Leon Trotsky, apresentada por Rosenberg (2013).

Na perspectiva individual, combinamos mecanismos do realismo neoclássico e da Sociologia Histórica (SH). Os primeiros argumentam que somente os Estados com alta capacidade de agência doméstica (extração e mobilização) são capazes de responder positivamente às pressões sistêmicas, na forma de emulação e inovação. Os autores da SH dão substância a este processo histórico, apontando que os principais mecanismos de adaptação

positiva foram a orientação política do capital para os propósitos do Estado nacional17 e da

preparação para a guerra.

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Embora a lógica de transição hegemônica seja importante para entendermos os desafios de ordem sistêmica, o foco deste estudo é o fenômeno da ascensão de novas Grandes Potências. Ressaltamos que nosso objetivo não é elaborar sobre a mudança política internacional. Sendo assim, fica em aberto se a ascensão de novas potências é um fenômeno que provoca majoritariamente estabilidade ou instabilidade. Para uma visão refinada das previsões neorrealistas sobre mudança política, polaridade e conflito, ver Copeland (2000). 17 É importante evitar confusões quando usamos o conceito de Estado nacional. O Estado nacional é uma

organização relativamente centralizada, autônoma e diferenciada, que consegue reivindicar com sucesso a prioridade do uso da força em territórios grandes e bem definidos. Os Estados-nação são aqueles em que os grupos sociais possuem uma identidade linguística, religiosa e simbólica comum (TILLY, 1992, p. 3, 43). O Estado, por sua vez, é a fonte legítima de autoridade política, dividindo-se em uma instituição organizacional

2.2.1 As dinâmicas de crescimento desigual entre os países

A proposta central de Gilpin em War and Change é analisar as causas históricas de mudanças políticas internacionais, principalmente por meio de ascensão ou queda de Grandes Potências. Gilpin (1981; 1988) se baseia na leitura do autor realista clássico Tucídides para aprimorar a Teoria da Guerra Hegemônica, cuja lei básica é a dinâmica de crescimento desigual entre os países. O argumento de Gilpin, bem sumarizado por Hobson (2000, p. 33), é que Estados rivais mais bem adaptados e com baixos custos internos e externos de expansão conseguem absorver tecnologia e inovar mais rapidamente, tomando a dianteira do crescimento econômico e traduzindo estes fatores em poder militar.

David Lake, na coletânea organizada para revisitar a obra de Gilpin, explica em poucas frases o ciclo percorrido pelos Sistemas:

[...] os países estavam sujeitos à ‘lei do crescimento desigual’, que produzia um conjunto sempre em evolução e instável de poder e capacidades relativas. Estados tecnologicamente avançados inicialmente aproveitam altas taxas de crescimento econômico e maiores capacidades, e assim [exercem] maior influência sobre a ordem internacional. Mas a difusão de tecnologia e convergência econômica, assim como os fardos da liderança internacional, eventualmente levam ao declínio econômico relativo. Beneficiando-se das vantagens do atraso e de inovações tecnológicas, outras potências começam a crescer mais rapidamente e a desafiar a antiga ‘geração’. Conforme estas potências em rápido crescimento ascendem, seus interesses quase inevitavelmente se chocam com as regras da ordem internacional existente. Estados declinantes poderiam abrir espaço, Gilpin observou, mas eles raramente o fazem. Os conflitos entre potências declinantes e ascendentes, ele concluiu, têm sido resolvidos historicamente por guerra hegemônica. (LAKE, 2014, p. 63).

Jonathan Kirshner (2014) faz dois adendos importantes a este modelo, modificando a terceira e quarta hipóteses. Ele explica que os Estados, por vezes, expandem seus objetivos para além de suas capacidades (overreach), mesmo quando claramente os custos excedem os benefícios, como é o caso das guerras estadunidenses contra Vietnã, Afeganistão e Iraque. O autor argumenta que os Estados também agem com arrogância ao quererem aumentar seu poder muito além da proporção de custo-benefício. Por isso, a quarta hipótese sobre o equilíbrio também é diferente: Como a potência hegemônica se expande para além do custo- benefício, ela já fomentou o desequilíbrio, proporcionando um fardo para sua hegemonia e oportunidades para os desafiantes. O motivo para as dificuldades em ajustar desequilíbrios segue a lógica arrogância/medo: quando o Estado não é pressionado por outros, ele não faz

e um sistema constitucional-legal. A nação é a representação da sociedade politicamente organizada, dotada de crenças e valores (BRESSER-PEREIRA, 2008, p. 3).

concessões somente em benefício da paz; quando é desafiado, tem medo que seu recuo seja interpretado como uma oportunidade para demandar ainda mais concessões (KIRSHNER, 2014).

Segundo Gilpin (1981), a Lei do Crescimento Desigual é o principal motor da mudança política e possui três características principais:

a) a lei econômica dos rendimentos decrescentes18;

b) resistência interna à inovação, pressão por aumento do consumo e redução do investimento;

c) difusão tecnológica internacional.

Paul Kennedy (1989) complementa esta visão ao adicionar três proposições em sua tese:

a) as mudanças nas capacidades econômicas e produtivas estão relacionadas à ascensão ou queda relativa de uma potência no SI;

b) a ascensão e queda de GPs está conectada com seu poder militar, mas esta correlação só existe no longo prazo;

c) o resultado das guerras centrais teve grande correlação com a quantidade de recursos produtivos mobilizados em cada lado.

Kennedy toma a ideia das taxas desiguais de crescimento entre os países como base para estudar como ocorre de fato a ascensão e a queda de Grandes Potências entre 1500 e 2000. Ele estende e dá forma empírica ao argumento de Gilpin, apontando que as transições de poder sempre estiveram associadas a um lastro de capacidades produtivas da economia e à utilização mais eficiente dos recursos econômicos disponíveis a um Estado, em tempos de guerra e paz. Neste sentido, o avanço do modo de produção capitalista e a competição interestatal estimularam a busca por avanços militares e pela introdução de novas tecnologias. O fenômeno, inicialmente europeu, provocou as expansões imperiais e a colonização do resto

do mundo19.

18 Na ausência de inovações tecnológicas e com os insumos se mantendo constantes, a introdução de apenas um fator adicional (capital, terra ou trabalho, por exemplo) tem cada vez menos contribuição para a produção total, até chegar num ponto de estagnação. Esta lei é adotada tanto por economistas neoclássicos, quanto marxistas. Em suma, Gilpin argumenta que todos os Estados crescem em curva ‘S’: iniciam com baixas taxas de crescimento, adicionam o fator trabalho até chegar ao ponto máximo de crescimento; a partir daí, as taxas vão decrescendo até alcançar a estagnação. No caso da mudança política, ele utiliza o argumento para mostrar como os Estados vão expandindo seu perímetro securitário até o momento em que os gastos militares se tornam maiores do que a capacidade econômica para sustentá-los.

19 Cabe mencionar que Kennedy tem uma visão demasiadamente ocidental ao analisar a história das Grandes Potências antes do Século XX. Jeremy Black (2007) procura corrigir algumas destas falhas, argumentando que a China, por exemplo, era indiscutivelmente uma Grande Potência até o Século XIX. O autor também defende a introdução dos impérios Turco-Otomano, Mogol (Índia) e Safávida (Pérsia) como Grandes

Uma crítica aos trabalhos de Gilpin e Kennedy é seu foco na mudança política ou no balanço produtivo e militar, pois o nexo causal dos trabalhos de ambos é, de fato, a mudança econômica. Não há uma análise profunda deste processo. Além disso, ambos os autores apontam tendências sistêmicas e alguns padrões históricos, como a ascensão de países com grandes territórios e populações, mas não identificam os motivos pelos quais algumas potências ascendem e outras não.

O Sistema Internacional moderno, conforme argumentam Buzan e Lawson (2014, p. 71), deriva da “modernidade [enquanto] configuração do capitalismo industrial, de Estados racionais-burocráticos e de novas ideologias de progresso”. Os efeitos da modernidade provocaram “uma transformação global que habilitou a ‘ascensão do Ocidente’ e a construção

de uma economia política global altamente desigual”.

Durante os séculos XIX e XX, o Sistema Internacional moderno experimentou uma difusão de seus processos e interações, que se tornaram verdadeiramente globais. A globalização econômica experimentou ciclos de expansão e retração. As intermitentes crises sistêmicas do Capitalismo também emergiram nesse mesmo período. As dinâmicas geopolíticas e econômicas aprofundaram a desigualdade entre os países modernos do núcleo capitalista e as regiões periféricas, que eram dominadas pelo imperialismo territorial e econômico. Cabe ressaltar que a industrialização acelerada do núcleo só foi possível pela desindustrialização e pela exploração das demais regiões (BUZAN; LAWSON, 2015).

Deste modo, por mais de um século, as dinâmicas e os mecanismos de ascensão e queda de Grandes Potências no SI moderno ficaram restritos aos países centrais. Após as Guerras Napoleônicas, a Inglaterra toma a dianteira hegemônica, baseando-se na vantagem tecnológica. Ao final do Século XIX, Alemanha e Estados Unidos despontam na Segunda Revolução Industrial, com avanços da química (aço, carvão, petróleo) e da energia elétrica. Logo em seguida, os efeitos da Revolução Meiji e da absorção de tecnologia ocidental possibilitaram a modernização acelerada do Japão (BUZAN; LAWSON, 2015).

Ao longo do Século XX ficou evidente que a expansão do SI moderno estava deslocando a distribuição de poder dos países europeus tradicionais (Alemanha, França e Inglaterra) para Grandes Potências de tamanho e escala produtiva continental: Estados Unidos e União Soviética. Ao mesmo tempo, grandes países da periferia recuperaram parte do atraso em relação ao núcleo, destacando-se Brasil, China e Índia.

Potências entre 1500 e 1750. Anievas e Nisancioglu (2015) contribuem para o estudo dos impérios e sistemas internacionais não ocidentais, incluindo suas contribuições para o sistema europeu.

Para analisarmos as dinâmicas estruturais da ascensão de potências periféricas, utilizamos a abordagem do Desenvolvimento Desigual e Combinado, criada pelo russo Leon Trotsky. Ele explica como a industrialização e a modernização em países atrasados são processos diferentes daqueles que originaram a modernidade nos países desenvolvidos. Rosenberg (2013, p. 195-198) elenca os três principais argumentos de Trotsky:

a) pressões geopolíticas externas - os avanços econômicos e militares dos países do Ocidente compelem os países atrasados a importar, financiar, implementar e controlar o capitalismo industrial. Como estes países não possuem ainda uma classe capitalista formada e consolidada, o Estado é o principal responsável por acelerar o processo de modernização;

b) privilégio do atraso histórico - as respostas a pressões externas não podem ser uma simples reconstituição das experiências originais. Os países atrasados possuem a vantagem de não precisarem retomar todos os passos para desenvolver as mesmas tecnologias de seus antecessores. Sendo assim, eles podem saltar etapas intermediárias de descoberta e inovação;

c) combinação de estruturas atrasadas e modernas - em contrapartida, a soma de industrialização acelerada e estruturas sociais atrasadas cria uma sociedade híbrida, comprimida temporalmente e mais desigual.

Este último fator levou Trotsky à conclusão de que o Capitalismo nunca formaria sociedades uniformes entre si e moldadas à sua própria imagem, pois sempre haveria diferentes formas de organização econômica, política e social. A questão que emerge da leitura do Desenvolvimento Desigual e Combinado é que os países atrasados necessitam de um impulso do Estado nacional para iniciar e conduzir o processo de modernização. Portanto, a adaptação positiva às pressões geopolíticas externas depende da agência estatal.

2.2.2 Realismo neoclássico e o poder agencial doméstico

O realismo neoclássico aborda a socialização dos países pelo Sistema segundo os mecanismos de emulação e inovação. Os Estados que buscam ascender se espelham nas experiências de sucesso de outros países. Segundo esta corrente, a mobilização e extração de recursos nacionais é a principal medida de um Estado com forte poder agencial doméstico. Autores como Barnett (1992), Taliaferro (2009), Mastanduno, Lake e Ikenberry (1989)

argumentam que somente Estados fortes, com boa capacidade de extração e mobilização, são capazes de ascender no Sistema.

Hobson cunha a expressão “teoria do Estado adaptativo/mal-adaptativo” para explicar por que os países possuem trajetórias diferentes ao longo do tempo. A adaptação positiva inclui a adoção de práticas de emulação e inovação que obtenham sucesso. A principal variável estaria no plano doméstico: Estados com maior autonomia institucional e menores constrangimentos socioeconômicos têm maior competitividade na estrutura internacional anárquica (HOBSON, 2000, p. 33-36, 41-44).

Mastanduno, Lake e Ikenberry (1989) apresentam uma contribuição pioneira do paradigma realista para a ação doméstica dos Estados. Eles argumentam que o Estado possui o papel doméstico dual de mobilização (criação de riqueza) e extração (criação de poder):

a) mobilização - o Estado “[...] mobiliza recursos e intervém na economia para estimular o crescimento econômico e a riqueza da sociedade [...]”. A mobilização produtiva pode ser direta ou indireta. O Estado pode “ [...] controlar e alocar a produção através de planejamento, nacionalização ou outros meios”. Indiretamente, ele pode intervir por meio de direitos de propriedade mais eficientes, estimular a inovação tecnológica, desmantelar coalizões rentistas ou

insular-se das pressões destas coalizões (MASTANDUNO; LAKE;

IKENBERRY, 1989, p. 462-463);

b) extração - o Estado extrai recursos para garantir a ordem interna e promover um arcabouço institucional. No plano externo, a extração serve para sustentar gastos militares, ajuda econômica, participação em organizações internacionais, entre outros. Os recursos extraídos podem também auxiliar na expansão de riqueza nacional, caso sejam investidos de forma eficiente para aumentar os retornos marginais (MASTANDUNO; LAKE; IKENBERRY, 1989, p. 463).

Os Estados diferem em suas habilidades de mobilização e extração. Os governos centralizados são mais fortes e possuem maior autonomia em relação à sociedade. Os descentralizados são mais fracos e sofrem maiores constrangimentos por coalizões sociais. Neste sentido, governos autoritários têm maior margem para construir uma economia de comando e para controlar diretamente os meios de produção. Estados democráticos também possuem alta variação de poder doméstico, conforme seu grau de centralização ou descentralização política (MASTANDUNO; LAKE; IKENBERRY, 1989, p. 463, 467).

Seguindo a contribuição destes autores, Taliaferro (2009) cria um modelo de extração de recursos para explicar por que alguns Estados buscam a emulação e a inovação no âmbito militar, institucional e tecnológico. De acordo com o autor, a vulnerabilidade externa é o principal motivador destas mudanças internas. O poder estatal é uma variável interveniente, sendo função das instituições nacionais, do nacionalismo e da sua ideologia.

No modelo de Taliaferro (2009), os Estados com alta capacidade de extração e alta pressão externa tendem a buscar maior emulação com base nas experiências dos Estados mais bem sucedidos no Sistema. Já os Estados com alta capacidade extrativa e baixa vulnerabilidade externa tendem a buscar inovação para assegurar seu poder em longo prazo. Por outro lado, Estados com baixa capacidade extrativa e baixa pressão externa tendem a não realizar esforços de emulação ou inovação.

Barnett (1992) analisa de modo mais abrangente a relação entre pressões externas e poder agencial dos Estados, procurando explicações na preparação para a guerra. As atividades preparatórias são ainda mais relevantes do que a guerra, pois dizem respeito à geração cotidiana de receitas, à provisão de materiais logísticos e instrumentos de guerra e à

mobilização de recursos humanos20.

Barnett retoma o poder agencial doméstico e as condições socioeconômicas como elemento explicativo do sucesso e falha na preparação para a guerra. Os governos que possuem maior controle sobre as elites econômicas são mais capazes de extrair recursos para a guerra. Além disso, o autor argumenta que os equipamentos militares dependem da estrutura econômica do país e que os recursos humanos dependem da legitimidade estatal. Em suma, os Estados mais fortes são aqueles com autonomia e influência sobre as elites econômicas, com acesso a uma base econômica e industrial desenvolvida e que são vistos como legítimos por suas sociedades (BARNETT, 1992, p. 6-8).

2.2.3 A geopolítica da ascensão de potências: a Era de Gigantes

No final do século XIX, a hegemonia britânica demonstrava sinais de desgaste. Os Estados Unidos, Rússia, Alemanha e Japão assimilaram os avanços tecnológicos ingleses e passaram a concorrer em condições semelhantes pela liderança econômica, tecnológica e

20

Como o autor argumenta, para explicarmos as mudanças no poder estatal doméstico no Oriente Médio, as duas décadas que antecederam a Guerra dos Seis Dias (1967) são mais importantes do que as hostilidades em si.

militar do Sistema Internacional. A Primeira Guerra Mundial acelerou a decadência do

Sistema Internacional Eurocêntrico, mas não trouxe à tona uma nova ordem estável21.

Kennedy (1989) chama a atenção para a desconexão entre o SI do período entre- guerras (décadas de 1920 e 1930) e as realidades econômicas. Os Estados continentais (EUA e União Soviética) se encontravam isolados, preocupados com o fortalecimento interno de suas capacidades produtivas industriais. Enquanto isso, as potências enfraquecidas (Inglaterra e França) ainda lideravam o palco diplomático mundial.

As potências revisionistas (Alemanha, Itália e Japão) perceberam, ao longo deste período, uma janela de oportunidade para conquistar a hegemonia regional na Europa e na Ásia antes que fossem eclipsadas pelos gigantes continentais em pleno processo de modernização acelerada. Sua expansão territorial agressiva deu origem à Segunda Guerra Mundial (KENNEDY, 1989, p. xx).

O período da Guerra Fria manteve a conexão entre capacidades produtivas, tecnológicas e militares. Os Estados Unidos e a União Soviética foram capazes de sustentar uma corrida armamentista, baseados em capacidades nucleares e missilísticas de longo alcance, que nenhum outro Estado igualou. No entanto, mais uma vez as taxas de crescimento desigual possibilitaram (com a ajuda dos EUA, é importante ressaltar) a ascensão de antigos competidores: o retorno de Alemanha e Japão e o ressurgimento da China.

Desde a década de 1960 até o final da década de 1980, as taxas de crescimento e de

participação na produção global de EUA e Rússia estavam diminuindo, incentivando Paul Kennedy (1989, p. xxi) a declarar, pouco antes da queda da União Soviética, que o mundo multipolar estava emergindo. O autor identificava, naquela época, cinco “centros de poder”: China, Japão, Europa, União Soviética e Estados Unidos.

Após a inesperada queda da URSS, a década de 1990 parece ter sido realmente caracterizada por um momento unipolar, em que os Estados Unidos puderam exercer sua hegemonia de forma pouco contestada e sem formação de coalizões entre outras potências ou comportamento balanceador. Pelo contrário, observou-se uma abertura à cooperação entre potências dentro das regras estabelecidas pela hegemonia liberal estadunidense (WRIGHT, 2015).

Todavia, mesmo durante este período, diversos autores, como Samuel Huntington (1997, 1999) e Brzezinski (1997) já observavam que os EUA teriam dificuldade em manter

21 Devido ao foco deste trabalho estar nas dinâmicas de ascensão relativa, deixaremos lacunas na discussão sobre a queda de potências. A maioria das GPs declina apenas relativamente e, geralmente, os países não deixam de existir, nem são rebaixados à condição de países pequenos. Para uma discussão sobre o assunto e apresentação de estudos de caso, ver Lundestad (1994).

indefinidamente sua primazia ou hegemonia e que surgiriam competidores, principalmente na Eurásia. Proliferaram análises de que a China seria o novo competidor global dos Estados Unidos e uma nova superpotência a contestar sua liderança (FRIEDBERG, 2011).

O fenômeno da ascensão chinesa e rápida superação do atraso socioeconômico, tecnológico e militar ofusca uma tendência histórica importante. Embora Kennedy (1989) não aprofunde esta linha de argumento, parece claro que uma das conclusões de sua obra é a importância da economia de escala e dos “Estados continentais”, ou seja, aqueles com grandes territórios e populações.

Se tomarmos as lentes de Kennedy (1989) como referência para refletir sobre o início do Século XXI, podemos apontar que há um declínio político ainda mais acentuado das potências tradicionais do Sistema Europeu (França e Inglaterra), um misto de retomada e incertezas futuras para a Rússia, os Estados Unidos em declínio relativo (mas não absoluto) e

novamente a perspectiva de ascensão de grandes Estados periféricos22 no Sistema

Internacional.

Após o fim da Guerra Fria, o declínio do poder soviético foi substituído pela emergência do “arquipélago capitalista” do Leste e Sudeste Asiático, que ascendeu por meio da centralização dos lucros e atividades de alto valor agregado, somados às massas de trabalhadores de baixo custo e intensivas na indústria. Estes novos centros seriam o grande desafio para os tradicionais centros de poder capitalista, forçando uma reorganização de suas