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EXTRAÇÃO, MOBILIZAÇÃO DE CAPITAL E ASCENSÃO ECONÔMICA

Mapa 1 – Mapa Político da Índia

2 GRANDE ESTRATÉGIA E ASCENSÃO DE GRANDES POTÊNCIAS:

2.3 EXTRAÇÃO, MOBILIZAÇÃO DE CAPITAL E ASCENSÃO ECONÔMICA

Baseando-nos na discussão realizada sobre os mecanismos de ascensão de novas potências, argumentamos nesta seção que o primeiro aspecto da adaptação positiva de um Estado depende dos seguintes fatores:

a) extração: capacidade de taxação, centralização de recursos e aumento da eficiência econômica e administrativa;

b) mobilização: capacidade em direcionar a reprodução e a acumulação de capital, auxiliando o fenômeno da modernização nacional.

Considerando a experiência ocidental como o primeiro exemplo de modernização, argumentamos que não é possível simplesmente repeti-la nos dias atuais. Hoje o mundo já conta com potências em alto nível tecnológico e relações complexas de dependência entre centro e periferia. Portanto, a emulação da experiência é possível apenas de forma análoga pelos países em desenvolvimento. A seguir, o Quadro 3 faz um resumo das variáveis envolvidas na construção do Estado e mobilização de capital na periferia:

Quadro 3 - Construção do Estado e mobilização de capital na periferia

Fonte: Elaborado pelo autor (2019).

2.3.1 Extração e construção do Estado na periferia

A experiência dos países periféricos com a formação do Estado nacional capitalista é bastante diferente do processo europeu descrito por Tilly (1992). Nestes países, o Estado não resultou da dominação de uma elite política sobre as cidades e o campo, nem sobre os capitalistas nacionais. O nascimento dos Estados nacionais se deu majoritariamente por meio da descolonização e da substituição das elites políticas coloniais por elites locais.

O conceito chave é a construção do Estado, entendido como o “processo de aumento das capacidades administrativa, fiscal e institucional dos governos”, com a finalidade de “interagir construtivamente com suas sociedades e buscar os objetivos públicos mais objetivamente” (BRAUTIGAM, 2008, p. 2). A construção do Estado lhe confere maior poder de agência interna, possibilitando a utilização dos instrumentos de poder nacional nas relações com o exterior.

Nos países europeus, o processo de construção do Estado se desenvolveu em meio a quatro atividades:

a) competição interestatal e o fenômeno da guerra, que selecionou os Estados com maior capacidade de mobilizar exércitos e administrar os recursos de modo mais eficiente que seus oponentes;

b) eliminação ou neutralização de rivais domésticos; c) proteção a seus clientes;

d) extração, que proporcionou meios para reforçar as outras três atividades anteriores.

Cada uma destas atividades gerou desenvolvimentos em áreas diferentes. A guerra capacitou exércitos e marinhas; a competição contra rivais domésticos levou à vigilância e controle do território; a proteção levou a criação de cortes e sistemas representativos (assembleias legislativas); e a extração trouxe estruturas contábeis e fiscais mais eficientes (TILLY, 1992).

Nos países periféricos, uma série de ajustes é necessária para entendermos como estes mecanismos interagiram na construção do Estado. Em primeiro lugar, o espaço temporal em que o Estado periférico deve se aprimorar é bastante comprimido e as pressões geopolíticas externas são diferentes, pois já existem potências modernas consolidadas. Além disso, as demandas domésticas da população por participação política são maiores. Portanto, o tempo que os governos dispõem é insuficiente para emular adequadamente as tarefas de extração de recursos e mobilização de capital acumulado (AYOOB, 1995).

As pressões geopolíticas externas e a formação de guerras podem ser dividas em intensas ou moderadas. Nos países onde predominaram a preparação para a guerra ou guerras de grande mobilização, os resultados foram mais polarizados entre formação de Estados nacionais fortes e fragmentação política (TAYLOR; BOTEA, 2008). Os Estados resultantes de processos revolucionários tendem a ser ainda mais poderosos (SKOCPOL, 1979). Nos casos de pressão externa moderada, baixa propensão ao conflito interestatal e guerras limitadas; a tendência foi a construção de Estados limitados, com pouco alcance territorial e maior disputa política interna por poder (HERBST, 2000; CENTENO, 2003).

Segundo Taylor e Botea (2008), a principal diferença entre o sucesso e a falha da guerra em construir os Estados foi a coesão social em torno de uma identidade nacional e uma ideologia política dominante. Por outro lado, Ayoob (1995, p. 24-25) argumenta que os Estados nacionais modernos foram, na verdade, uma pré-condição para a emergência do

nacionalismo na Europa. Como explicar a existência de uma identidade nacional que precede a formação do Estado nacional moderno?

No caso de vários países asiáticos, a construção da identidade e do próprio Estado nacional são processos que antecedem a expansão europeia e explicam um grau relativamente maior de coesão nestas comunidades políticas e sociais no período após a colonização. Os Estados da Ásia Oriental, especialmente China, Coreia, Japão e o norte do Vietnã, são construções que antecedem a própria formação dos Estados europeus e atendem aos requisitos básicos de centralização administrativa, monopólio legítimo da força, burocratização e grandes comunidades sociais em um território contíguo (KANG, 2012, p. 26). Também há fortes indícios de que o Sudeste Asiático Continental (Birmânia, Laos, Tailândia e Vietnã) estava num processo avançado de construção do Estado nacional no Século XVIII, antes da colonização europeia (LIEBERMAN, 2003; CHARNEY, 2006).

A Índia, por sua vez, é um exemplo sui generis, no sentido em que alguns impérios (Maurya, Gupta e Mogol) sucederam em conquistar porção maior do que seu território contemporâneo. Todos contavam com administração burocrática central, valores e costumes compartilhados, mas não controlavam diretamente territórios distantes da capital, nem instituíram fronteiras definidas (PANIKKAR, 1947).

Segundo Atul Kohli (2004, p. 17), existem três fatores que influenciam decisivamente as estruturas de autoridade do Estado na periferia:

a) colonialismo;

b) movimentos nacionalistas;

c) intervenção política das forças armadas nacionais.

A colonização provocou mudanças importantes nas regiões periféricas. As elites econômicas pré-coloniais foram abolidas ou suprimidas, impedindo a acumulação de capital e provocando massivas transferências dos excedentes produzidos para as metrópoles. Autoridades tradicionais e diferentes grupos étnicos foram instrumentalizados; isto criou ou reforçou rivalidades políticas internas e preveniu a emergência de estruturas modernas de autoridade e legitimidade.

Algumas colônias experimentaram a construção de um aparato administrativo e burocrático relativamente consolidado. Outras herdaram administrações frágeis e de baixa interação com a sociedade. Em muitos casos, o estabelecimento de fronteiras foi arbitrário e artificial, separando grupos socialmente coesos e unindo grupos rivais. Desta maneira, os principais desafios das elites pós-coloniais ainda persistem em vários países: Assegurar a

governabilidade frente a competidores políticos; garantir o monopólio da força; angariar capacidades para extrair recursos da sociedade; prover serviços de modo eficiente (CLAPHAM, 1985; AYOOB, 1995).

Seguindo a proposta de analisar o papel do Estado nos países do Terceiro Mundo,

Ayoob (2002) cria a perspectiva do Realismo Subalterno23. Ayoob (2002, p. 40) aponta que a

saída para estes países é encontrar formas de reforçar a legitimidade e a eficiência estatal, aproximando cada vez mais os Estados periféricos do ideal de Estado Westfaliano Europeu.

Apesar de a maioria dos Estados pós-coloniais repetirem os padrões anteriores das relações Estado-sociedade, alguns conseguiram transformá-las. Os principais agentes transformadores das estruturas políticas nacionais foram os movimentos nacionalistas e as forças armadas. Estas lideranças de grande mobilização ideológica e social foram capazes, nos casos de Brasil e Índia, por exemplo, de reduzir o poder das oligarquias regionais, transformar a administração patrimonial em burocracia profissional e fazer emergir uma classe capitalista poderosa (KOHLI, 2004, p. 19).

Partindo desta análise dos processos e atores envolvidos, o desafio é compreender como ocorre a construção dos Estados. A principal medida do poder estatal são os meios de extração de recursos, que dizem respeito à capacidade em reforçar as organizações burocráticas, angariar apoio político, subsidiar setores econômicos e financiar políticas sociais. As origens dos governos representativos e das burocracias profissionais estão intimamente ligadas com a barganha entre Estado e sociedade por meio da política tributária (HUI, 2005; BRAUTIGAM, 2008). Ou seja, para além do histórico colonial, da guerra e da ideologia, os meios de interação Estado-sociedade ao longo do tempo, especialmente pela atividade de extração, dizem muito a respeito de que tipo de Estado está sendo construído.

Deste modo, as instituições nacionais são função também do sistema de taxação. Em países onde os governos dependem da população para extrair recursos, a construção do Estado tende a ter maior penetração na sociedade. Por outro lado, onde a extração de recursos é relativamente simples, em torno de uma variedade pequena de matérias primas, pode emergir o problema do rentismo. Em países onde o financiamento estatal recorre ao endividamento externo, os Estados tendem a tomar decisões sem barganhar com a sociedade, e por isso não conseguem superar suas fragilidades institucionais (CENTENO, 2003; BRAUTIGAM, 2008).

23 O termo remete à aplicação do realismo para as estratégias dos países pertencentes ao Terceiro Mundo. O autor segue as bases do realismo clássico hobbesiano, atentando para a questão da fragilidade das capacidades estatais nos países menos desenvolvidos e para a sua inclusão como um grupo diferenciado na ordem internacional.

Conforme a construção do Estado evolui, o governo aumenta progressivamente sua penetração na sociedade e a efetividade de suas atividades. Com isso, ele é mais capaz de impor o Estado de direito e de prestar serviços à população por meio de suas políticas públicas e de arranjos institucionais. Estas capacidades têm forte correlação com o desenvolvimento econômico dos países. Alguns argumentos ajudam a explicar esta correlação. Em primeiro lugar, um Estado fraco pode ter boas concepções de políticas públicas, mas não tem capacidade de investimento ou penetração na sociedade para implementá-las. Segundo, países com Estados frágeis tendem a ter maiores índices de violência civil, que é um indicador do mau funcionamento das instituições. Terceiro, Estados fracos desincentivam investimentos privados, pois não há garantia de estabilidade nos contratos (BESLEY; PERSSON, 2007; 2014). Portanto, a construção do Estado e de capacidades estatais deve ser, necessariamente, o primeiro passo para a modernização econômica.

2.3.2 Mobilização de capital e ascensão econômica

Os Estados mais bem adaptados são aqueles com maior capacidade de direcionamento, atração e absorção de capital para seus propósitos nacionais (TILLY, 1992; ARRIGHI, 2000; KOHLI, 2004). Inicialmente, argumentamos por que o Estado é a organização chave para proporcionar arranjos institucionais eficientes e liderar o processo de modernização. Posteriormente, apresentamos os modelos de economia política do Estado moderno na periferia.

No mundo contemporâneo, com o fenômeno da globalização capitalista, alguns desafios emergem. O maior deles é o intercâmbio econômico, considerado por muitos como uma forma de interdependência, mas se comporta majoritariamente como dependência assimétrica. As relações econômicas envolvem uso de poder, pois as relações comerciais, de investimento ou de mercado raramente são simétricas (HIRSCHMAN, 1969).

Ao mesmo tempo em que os países periféricos buscam capital e tecnologia no exterior, os efeitos da abertura econômica nem sempre são positivos sobre a sociedade. A integração desordenada de grandes massas à modernidade capitalista acaba gerando aumento da miséria, do desemprego e da criminalidade, por exemplo (DAVIS, 2006). Estes efeitos são derivados do Desenvolvimento Desigual e Combinado, pois suas principais características são

a compressão temporal, o salto tecnológico e a coexistência entre estruturas modernas e tradicionais.

Nos países periféricos é necessária uma ênfase maior na construção de capacidades estatais e políticas públicas eficientes, para evitar os efeitos colaterais da modernização tardia. No plano econômico, as políticas públicas servem ao planejamento, ao direcionamento dos investimentos públicos e privados e ao provimento de infraestrutura básica à população. Neste caso, o Estado não é o controlador da atividade econômica, nem um sujeito estranho a ser evitado pelos mercados; ele é o principal promotor e diretor desta atividade.

Nas sociedades subdesenvolvidas prevalece uma combinação de estruturas tradicionais e modernas. A gestão administrativa ainda segue, em muitos casos, uma lógica patrimonialista e clientelista. Por isso, o fenômeno da industrialização é o fio condutor essencial para a modernidade, proporcionando a adoção de práticas de gestão sob o capitalismo gerencial (CHANDLER, 1984).

O Estado como condutor da modernização ainda predomina nos países da Ásia Oriental, cujos maiores expoentes são China, Coreia do Sul e Japão. Nestes lugares, não houve um desenvolvimento dependente e associado ao núcleo, como em grande parte da América Latina, mas sim um caminho autônomo (AMSDEN, 2001).

Após emularem com sucesso as estratégias dos países desenvolvidos, alguns países asiáticos começam também a inovar. As principais características da segunda fase deste capitalismo desenvolvimentista asiático foram inovações em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), em novas tecnologias e em formas de organização flexível da produção. Assim, puderam superar o modelo de capitalismo fordista e promover novas formas de reprodução e acumulação de capital (CASTELLS, 2010).

Seguindo as contribuições de Celso Furtado (1973) e Almeida (1999), adotamos a concepção de que o principal caminho para fugir ao atraso e à dependência tem sido o controle dos Centros de Decisão Econômica. Esta capacidade se daria pela endogeneização tecnológica do processo produtivo industrial, possibilitando o desenvolvimento econômico e a autonomia nacional. Ao longo das últimas décadas, os países periféricos passaram por este processo, cada um contendo diferentes níveis de participação do Estado e de endogeneização tecnológica. Na grande maioria dos casos, o processo foi parcial e incompleto. Instrumentalizando a discussão sobre extração, construção do Estado e capacidades estatais,

apresentamos dois modelos24 periféricos de Estado moderno e desenvolvimentista, ambos baseados na leitura de Kohli (2004, p. 10-12):

a) capitalista coeso - política nacional é centralizada, com estruturas racionais de autoridade e forte penetração na sociedade. O Estado define o rápido crescimento econômico como prioridade e vincula este processo ao aumento da segurança nacional. Por isso, emerge uma forte aliança entre as elites políticas e capitalistas produtivas. A burocracia governamental é um dos pilares da eficiência econômica. Por outro lado, é necessário controle intenso sobre a mão-de-obra, fator que geralmente leva estes países a regimes políticos autoritários, como foi o caso dos governos militares na Coreia do Sul e no Brasil;

b) multiclasses fragmentado - política nacional razoavelmente centralizada, com autoridade racional-legal, mas menor coesão e penetração na sociedade. O Estado precisa se dividir entre uma série de demandas além da industrialização e crescimento econômico: desenvolvimento rural, distribuição de renda, bem estar social e soberania nacional. Nestes países, emerge uma aliança mais ampla de classes e a formulação de políticas é mais suscetível a disputas entre elites. Isto gera menor coesão e eficiência também no aparato burocrático. Geralmente a barganha política se dá por meio de algum tipo de regime eleitoral. O Brasil pós- democratização e a Índia são dois exemplos.

Atul Kohli (2004, p. 12-15) aponta que a forma de organização do Estado e a “relação institucionalizada entre Estado [e] o setor privado é a chave para entender a relativa efetividade da intervenção estatal na economia”. Em consonância com nosso argumento, ele afirma que os Estados capitalistas coesos geralmente criaram economias políticas nacionais que apresentaram os casos de crescimento mais acelerado na periferia. Isto ocorreu porque este modelo foi mais capaz de promover uma intervenção estatal eficiente, que reduzisse os constrangimentos ao crescimento no lado da oferta e da demanda.

No lado da oferta, o Estado facilitou a disposição de capital, mão-de-obra, tecnologia e iniciativa empreendedora. Isto ocorreu por meio de maior taxação e investimento público,

24 Excluímos da análise o terceiro modelo de Estado periférico: os Estados neopatrimoniais. Este modelo representa elites políticas auto-interessadas e sem preocupação com o desenvolvimento nacional. Por isso, não pode ser considerado um exemplo de Estado moderno com autoridade racional-legal (KOHLI, 2004). No outro lado do espectro, a experiência socialista chinesa demonstrou fortes características de um Estado coeso. A diferença residiu na aliança de classes. Ao invés de aliar-se aos capitalistas e reprimir a mão-de-obra, a República Popular da China aliou-se aos camponeses, promoveu uma ideologia nacionalista, definiu objetivos de industrialização e reforma agrária, valeu-se de uma burocracia eficiente e da forte penetração do Estado na sociedade.

pela utilização do crédito dos bancos estatais, subsídios a exportações, barganha com empresas estrangeiras para adquirir transferência de tecnologia, investimento em educação, Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), entre outros. No lado da demanda, o Estado adotou políticas expansionistas fiscais e monetárias, tarifas e taxas de câmbio favoráveis ao aumento do consumo doméstico. Quando o mercado interno não expandia o suficiente, recorria-se à promoção das exportações (KOHLI, 2004, p. 13).

A diferença para os Estados multiclasses fragmentados é que estes tentaram as mesmas políticas dos Estados coesos, mas sua eficiência foi menor. A intervenção do Estado na economia buscava, além do crescimento, manter a legitimidade e prover bem estar social imediato. Deste modo, a mobilização de capital para o objetivo do crescimento acelerado foi dificultada. Por vezes, os recursos do Estado e a implementação de políticas públicas foram utilizados para demandas de curto prazo ou para satisfazer interesses de um grupo social específico. A capacidade de extração de recursos também foi limitada, assim como o crédito concedido acabou caindo muitas vezes nas mãos de empresas corruptas e ineficientes, numa dinâmica clientelista. Deste modo, as medidas expansionistas para proteger a economia nacional e alavancar a demanda doméstica acabaram criando grupos de interesse que influenciam demasiadamente a formulação de políticas dos Estados e acabaram comprometendo estes países a um caminho de desenvolvimento menos efetivo (KOHLI, 2004, p. 14-15).

Em relação à influência dos regimes políticos sobre a modernização e capacidades estatais, não há consenso sobre a superioridade da democracia ou do autoritarismo (KOHLI, 2004, p. 20). Enquanto vários países desenvolvimentistas adotaram uma via não democrática, especialmente na Ásia Oriental, outros conseguiram promover consenso com a participação

popular em regimes democráticos. Em ambos os casos houve arranjos institucionais25 bem

sucedidos, havendo argumentos diversos sobre a eficácia de modelos autoritários e democráticos. Enquanto os regimes autoritários conseguem alavancar reformas mais rapidamente, os regimes democráticos podem se beneficiar de maior participação popular e de legitimidade no processo (FIANI, 2013; GOMIDE; PIRES, 2013).

Portanto, a eficiência na mobilização de capital depende justamente do poder do Estado e como seus arranjos institucionais interagem com a classe capitalista em torno do objetivo de industrialização acelerada e crescimento econômico. Por isso, os determinantes

25

Entendemos estes arranjos como “[...] o conjunto de regras, mecanismos e processos que definem a forma particular como se coordenam atores e interesses na implementação de uma política pública específica” (GOMIDE; PIRES, 2013, p. 19-20).

profundos são os mesmos da capacidade de extração: por um lado, temos a ideologia nacional e as estruturas de organização do Estado; e por outro, como o governo se relaciona com os grupos econômicos. Assim, é possível que regimes democráticos consigam formar grandes coalizões de interesses por meio dos partidos políticos, criando um arranjo institucionalizado e proporcionando desenvolvimento. Da mesma forma, é perfeitamente possível que um regime fechado beneficie os interesses de um único grupo econômico (e.g. elites rurais) e não consiga mobilizar capital para alavancar o crescimento (KOHLI, 2004, p. 21).

2.3.3 Constrangimentos domésticos à modernização

Fazemos também um breve esforço na identificação das principais dificuldades e constrangimentos domésticos à modernização e ao desenvolvimento nacional. O problema inicial e mais evidente é a resistência de elites políticas e econômicas. Gilpin (1981) argumentou, por exemplo, sobre a forte influência ideológica das potências dominantes sobre as elites dos demais países. Neste caso, a propagação de modelos econômicos puros liberais e neoclássicos a partir do Consenso de Washington, com a ajuda das instituições financeiras globais (FMI e BM), tem sido um impeditivo ao desenvolvimento dos países periféricos. O mito do “fim da história” mostra como a influência também é exercida por meio da literatura acadêmica, inclusive nas áreas da sociologia e da ciência política.

Obviamente, o problema não é a abertura econômica (comercial ou de investimentos) ou um modelo que esteja voltado à promoção de exportações. Inclusive, a Índia é um exemplo onde a abertura gradual tem auxiliado o crescimento econômico, a endogeneização tecnológica e reforçado o poder do Estado (NAYAR, 2009). Por outro lado, onde não há direcionamento político do Estado, o empresariado dos países periféricos não consegue superar os constrangimentos à oferta de capital e tecnologia para competir com grandes empresas multinacionais. No caso da atração de investimento externo direto (IED), a falta de controle do Estado também reduz a capacidade de mobilização destes investidores para setores industriais chave (KOHLI, 2004, p. 377, 392).

Além disso, pode haver resistência das elites tradicionais e rentistas, que são dois exemplos de grupos que se beneficiam de um modelo econômico essencialmente liberal. Os primeiros continuam a exercer forte influência pelo controle das commodities e produtos primários de exportação. O segundo grupo se beneficia de altas taxas de juros e da

especulação financeira, não interessando que o Estado se volte para a regulação ou controle de capitais e para a promoção de atividades produtivas.

Do ponto de vista da estabilidade política, o processo de modernização produz novas coalizões de elites nas sociedades e a derrota de outros grupos. A modernização tende a ser mais instável nos países periféricos, pois sua transição é mais rápida e acarreta mais contradições do que as experiências das potências tradicionais (HUNTINGTON, 1968). Schweller (1999b, p. 58-64) aponta três contradições geradas pelo crescimento econômico:

a) Efeito Jones - as elites econômicas não desejam perder superioridade relativa