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GRANDE ESTRATÉGIA, ASCENSÃO RELATIVA E INSERÇÃO

Mapa 1 – Mapa Político da Índia

2 GRANDE ESTRATÉGIA E ASCENSÃO DE GRANDES POTÊNCIAS:

2.1 GRANDE ESTRATÉGIA, ASCENSÃO RELATIVA E INSERÇÃO

Partindo do arcabouço desenvolvido neste estudo, fazemos uma discussão sobre como operacionalizar o impacto do comportamento dos Estados em um Sistema Internacional dinâmico, buscando uma solução analítica para a questão doméstica. O plano interno é bastante debatido pela literatura de Relações Internacionais, sendo rechaçado como elemento explicativo da política internacional para o neorrealismo tradicional de Waltz (1979), mas utilizado por outras teorias dentro do campo, como o realismo neoclássico.

Recentemente, o realismo neoclássico surgiu como uma teoria de política externa capaz de responder aos críticos do realismo estrutural. A lógica causal dessa nova teoria coloca como variável independente a distribuição relativa de poder e a ordem internacional. As variáveis intervenientes são a percepção das elites, os constrangimentos domésticos e a capacidade estatal em extrair recursos de suas sociedades. A variável dependente é a política externa. Em outras palavras, a política externa de um Estado seria determinada pela percepção das elites – frente a constrangimentos domésticos – sobre a posição relativa de seu país na estrutura do Sistema Internacional (LOBELL; RIPSMAN; TALIAFERRO, 2009, p. 52). A incorporação de elementos da Sociologia Histórica (SH) no comportamento dos Estados traz maior complexidade ao realismo neoclássico, sem sacrificar totalmente a parcimônia waltziana.

O estudo atual se propõe a avançar na construção de um arcabouço analítico que observe a posição relativa dos Estados como um processo, uma trajetória escolhida para atingir os objetivos nacionais. O conceito que melhor operacionaliza esta ideia é a Grande Estratégia (GE). Nicholas Kitchen (2010, p. 121), na tentativa de sintetizar diferentes abordagens, define a Grande Estratégia como:

[...] o nível em que fatores dos níveis sistêmico e unitário convergem, onde assuntos de segurança nacional são mediados através da diplomacia pública [...] Grande Estratégia como um conceito analítico [...] [é] uma série de políticas nacionais na paz e na guerra em que ambas determinam os objetivos do Estado em política internacional e prescrevem como uma vasta gama de recursos nacionais deveria ser utilizada na busca destes objetivos.

Inicialmente, a GE era definida como a mobilização de recursos domésticos para sustentar os objetivos políticos da Guerra, seja em tempos de conflagração ou de paz. Sua efetividade derivava do equilíbrio entre meios disponíveis e fins desejados (BRANDS, 2014,

p. 2-3; LIDDELL HART, 1991). Há diversas interpretações contemporâneas para o conceito de Grande Estratégia. Krishnappa (2012, p. 115-119) divide as interpretações em:

a) planejamento de longo prazo do alto escalão governamental; b) visão das elites sobre o papel do país no SI;

c) processo de formulação da política externa;

d) a adoção de uma teoria ou paradigma como base de atuação; e) cultura estratégica;

f) harmonia entre meios e fins; g) padrão histórico de comportamento.

Alsina Júnior (2014, p. 44-55) também problematiza a questão, afirmando que a GE não é uma exclusividade das Grandes Potências. A diferença para Potências Regionais ou menores é a quantidade e a qualidade dos instrumentos disponíveis, refletindo sua posição relativa no Sistema. Os países mais fortes têm maior autonomia para decidir sua trajetória, enquanto os outros são mais condicionados por fatores externos. Ainda, o autor cita as agendas da União Europeia e de diversos grandes países da periferia para demonstrar como o desenvolvimento também é uma questão estratégica central, ao lado do poder militar.

Mediando o debate da literatura, o estudo atual adota a definição de que a Grande Estratégia é o processo contínuo de formulação e execução de políticas para atender aos objetivos e interesses vitais de longo prazo do Estado. Ou seja, acredita-se que a GE ultrapassa a concepção inicial de preparação para a Guerra. Apesar de ser o instrumento político mais importante dos Estados, pois diz respeito à sua própria sobrevivência e auto- ajuda em um sistema anárquico, a guerra é apenas um instrumento da política e não a sua finalidade. Um Estado deve estar tão preparado para a guerra, quanto para buscar o desenvolvimento e a prosperidade econômica, a vantagem tecnológica, o acesso a territórios, mercados e recursos energéticos externos, entre outros objetivos que podem ser considerados vitais.

Esta visão vai ao encontro das obras de Robert Gilpin (1981), que observa a importância também do estudo da Economia Política Internacional (EPI), ao lado da Segurança Internacional, para os resultados de mudança política internacional. Sob esta ótica, a Grande Estratégia é um exercício de garantia da soberania nacional, seja pela capacidade de organização interna (desenvolvimento e industrialização), de defesa ou pela projeção política e econômica no exterior. Por este motivo ela também tem caráter emancipatório e normativo, é um projeto nacional que ambiciona colocar o país e sua sociedade num patamar superior.

A GE envolve o planejamento e a atuação em longo prazo, indo além das contingências cotidianas. Em um ambiente mundial de capacidades e recursos limitados dos países, o exercício da Grande Estratégia envolve a avaliação sobre as principais ameaças ao projeto nacional e a hierarquização de interesses. Ela também é orientada pela experiência histórica, pela posição geopolítica do país e pelas ideologias de suas elites (BRANDS, 2014, p. 4-5; JOHNSTON, 1995).

Após a introdução do conceito, a tarefa é operacionalizá-lo dentro do arcabouço analítico deste estudo. A posição relativa de um Estado depende de atributos materiais (poder econômico, militar e tecnológico), mas também relacionais (influência). Nosso modelo analítico aponta que a Grande Estratégia é uma variável causal para analisar por que algumas potências ascendem e outros países se mantêm em posição inferior.

A GE modifica os cálculos de custo-benefício dos Estados por meio das ideias e percepções das elites governantes. A formulação e execução de políticas de adaptação positiva pelos Estados, liderados pelas suas elites, permite que alguns países superem suas

condições de inferioridade estrutural, enquanto outros permanecem presos a

constrangimentos. Na leitura do realismo neoclássico, esta seria a diferença entre um Estado bem adaptado e outro mal adaptado frente às condições de socialização impostas pela estrutura internacional e pelos constrangimentos domésticos e socioeconômicos.

Determinamos, com base no realismo neoclássico, que a estrutura possui preponderância sobre as unidades. Todavia, cada unidade também tem capacidade de agência individual, na medida em que suas ações e variação de capacidades materiais geram resultados que modificam a sua posição relativa e também a posição relativa de outros Estados. A Grande Estratégia atua em vários eixos, mas nosso foco está na relação do planejamento e execução de três tipos de políticas:

a) política econômica; b) política de defesa; c) política externa.

O primeiro passo seria a tarefa de mobilização e extração, que incide sobre a capacidade de agência doméstica do Estado e possibilita que ele oriente politicamente o capital para os objetivos nacionais. Assim, temos uma variação principalmente de poder econômico-produtivo e tecnológico, na medida em que o país supera suas condições

estruturais de atraso socioeconômico e embarca no processo de modernização12. O segundo passo é a transformação destas capacidades em poder militar e a formulação da política de defesa condizente com o aumento de poder, buscando assegurar a soberania nacional e a capacidade de dissuasão frente a inimigos externos. No plano externo, o país busca maior influência em forma de prestígio, que pode ser adquirido pela projeção da política externa.

Ao invés de produzir uma nova teoria, pretende-se fornecer ferramentas adequadas para analisar o processo de ascensão de Grandes Potências. O modelo causal deste estudo (Quadro 1) se configura da seguinte forma:

a) Grande Estratégia (variável independente) - o Estado formula uma GE de adaptação positiva por meio de dois processos:

- mobilização e extração interna (orientação política de capital e tecnologia), que fornecem a base de sustentação para o aumento de poder militar e de prestígio, - política de defesa e política externa, que orientam politicamente o crescimento

das capacidades militares e da influência e controle sobre a ordem internacional;

b) Mudança na inserção internacional (variável dependente) - os processos de mobilização, extração, política de defesa e política externa habilitam uma inserção emancipada e com maior influência sobre a ordem internacional.

Quadro 1 - Grande Estratégia e mudança na inserção internacional

Fonte: Elaborado pelo autor (2019).

12 Definimos a modernização como um conjunto de fatores que levam ao desenvolvimento econômico das sociedades e à superação progressiva de seu modo de produção, instituições e relações sociais tradicionais. Podemos citar, como componentes do processo: industrialização, urbanização, transição demográfica (redução das taxas de natalidade e mortalidade), estabelecimento de um governo burocrático centralizado, criação de um sistema educacional e difusão da capacidade e dos meios de uso da tecnologia (LANDES, 1988).

Tendo em vista a discussão feita até aqui e o modelo adotado, a subseção a seguir tem como finalidade aprofundar o debate sobre a relação entre Grande Estratégia e o comportamento dos Estados.

2.1.1 Grande Estratégia, poder e influência

A proposta desta subseção é delimitar a relação entre Grande Estratégia, poder e influência. A primeira questão relevante é discutir as diferentes atribuições do papel que o poder exerce dentro do realismo. Posteriormente, discutimos a ênfase do realismo neoclássico nas percepções das elites. Discutimos também a fungibilidade do poder, ou seja, como determinar a interação entre as diferentes formas de poder econômico, militar e tecnológico. Por fim, fazemos a relação entre poder e influência, que é a tradução de capacidades materiais em prestígio, controle e participação.

As principais análises neorrealistas tradicionais (WALTZ, 1979; MEARSHEIMER, 2001) consideram apenas atributos de poder material e diferem sobre a quantidade de poder necessária para um Estado tornar-se satisfeito. Os realistas defensivos apontam que a busca por poder serve apenas para assegurar as condições mínimas de sobrevivência. Os realistas ofensivos argumentam que a única forma de garantir esta condição é acumulando maior poder que todos os outros competidores. Ambas as correntes se apoiam na noção do dilema de

segurança13, sob o qual a segurança é um bem escasso e a sua aquisição por um Estado acaba

tornando os outros relativamente mais inseguros.

O realismo neoclássico partilha da noção que o poder é essencialmente material, mas o interpreta de forma diferente. Ao invés de ser apenas um instrumento para garantir a própria segurança, é também um maximizador de interesses e benefícios. Para os autores desta corrente, a percepção dos Estados sobre seu poder individual e relativo também importa. A principal finalidade da busca pelo poder é controlar e influenciar o meio externo. Portanto, há um mecanismo causal indireto entre capacidades materiais e comportamento dos Estados (SCHWELLER, 1998; 2006; ZAKARIA, 1998; SCHMIDT, 2005, p. 546). A abordagem da Grande Estratégia é coerente com esta visão, pois o conceito confere papel central ao processo decisório das elites políticas frente a constrangimentos externos e internos.

13 O dilema de segurança, na visão do realismo neoclássico, se contrapõe à visão tradicional representada pelo dilema do prisioneiro, onde a estrutura define que o aumento da segurança de uma potência leva à redução da segurança das demais. Segundo as propostas de Randall Schweller e Robert Jervis, o dilema de segurança resulta de incertezas em nível internacional e doméstico. Portanto, as intenções e percepções dos Estados também são relevantes para o dilema. Para uma discussão desta agenda de pesquisa, ver Schweller (2013).

Quando se trata de percepções e interesses das elites, recaem questionamentos acerca do grau de racionalidade dos atores e de como incorporar estes fatores em uma lógica de comportamento. De fato, Waltz (1979, p. 118) e Gilpin (1981, p. 74, 202) não presumem a

inteira racionalidade dos atores, nem a sua onisciência em relação aos acontecimentos14.

Alsina Júnior (2014, p. 44-55) contribui para o debate sobre o papel das elites políticas e da racionalidade no processo da GE. Ele toma uma via intermediária entre os que acreditam ser possível formular uma GE coerente e aqueles que consideram os resultados das políticas como sendo aleatórios e sem coordenação entre os agentes. Na posição do autor, a Grande Estratégia está sujeita a flutuações por conta da alternância de poder (principalmente em regimes democráticos), a visões distintas entre elites e a choques externos. As lideranças exercem papel importante na tomada de decisão e podem influenciar tanto positivamente como de forma negativa.

Recentemente, Nicholas Kitchen (2010) defendeu a inclusão da GE na teoria realista neoclássica, trazendo o papel das ideias para explicar o comportamento das elites nacionais. As ideias podem vir de indivíduos ou de instituições domésticas (comunidades epistêmicas de experts, regras e procedimentos, normas culturais e sociais), alterando a balança de custos e benefícios nos cálculos dos Estados. Sendo assim, cada corrente político-estratégica utiliza diferentes meios para atender ao interesse nacional, que deriva de suas percepções sobre objetivos de longo prazo.

Conforme as críticas feitas por Guzzini (1998; 2013), o conceito de poder para o neorrealismo enfrenta problemas conceituais. Um dos maiores é fungibilidade entre diferentes tipos de poder. Ou seja, fatores distintos, como capacidades militares, poder monetário e inovação tecnológica podem ser quantificados em um único indicador ou medida? Eles são facilmente intercambiáveis ou fungíveis entre si?

Em relação a este ponto, uma solução provisória, embora ainda problemática, é aceitar a multidimensionalidade do poder e as diferentes formas de exercê-lo, conforme a leitura de Buzan, Jones e Little (1993). O poder é exercido por meio da influência externa nos âmbitos econômico, ideológico, político e securitário. Tal influência tem diversos locais de atuação: ordem internacional, ambiente regional e relações com outras Grandes Potências. Assim, evitamos discutir a quantificação comparada entre capacidades materiais e a difícil hierarquização entre elas.

A questão final é como o poder se traduz em influência externa. A simples posse de atributos materiais não determina sua forma de uso ou efetividade (BLACK, 2007). Henry Nau (2001) critica as previsões de Kennedy (1989), que utilizava o argumento da transformação quase automática de capacidades produtivas em capacidades militares para projetar o Japão como a próxima potência a buscar a hegemonia global. Para Nau, a identidade e as instituições domésticas foram determinantes para prevenir a ascensão japonesa. Deste modo, a consideração apenas sobre o poder econômico ou tecnológico não é suficiente para explicar a ascensão de Grandes Potências.

Os cálculos de custo-benefício dependem das condições estruturais e das variáveis domésticas (agência estatal e ideologia das elites). Os casos de Japão e China da Guerra Fria ao Século XXI são exemplos que informam o contraste entre diferentes projetos de Grande Estratégia. Os japoneses tiveram menor êxito na transformação de poder econômico e tecnológico em poder militar e influência externa. Já os chineses têm um projeto de ascensão que consegue realizar esta transformação de forma consciente e planejada.

No caso do Japão, o choque da derrota do imperialismo japonês e da ideologia nacional militarista na Segunda Guerra Mundial foram determinantes para uma mudança no perfil de suas elites. Do ponto de vista estrutural, a aliança com a superpotência estadunidense desde a Guerra Fria e a proteção sob seu guarda-chuva nuclear deram estabilidade suficiente para reduzir a necessidade de construção de capacidades militares. Por isso, as elites políticas priorizaram a modernização e a influência econômica, deixando em segundo plano a construção de capacidades militares (SAMUELS, 2007; DELAMOTTE, 2017).

Ademais, as elites japonesas não têm consenso sobre temas de política externa e de segurança, passando por frequentes crises de liderança em nível nacional. Desde a década de 2000 emerge uma corrente nacionalista que propõe a normalização do Japão. Este fenômeno pode ser caracterizado como a retomada do poder militar e da competição geopolítica na sua política externa e de segurança. Todavia, uma mudança neste sentido ainda esbarra em vários empecilhos históricos e na oposição de boa parte da sociedade (SAMUELS, 2007; DELAMOTTE, 2017).

Em nível doméstico, a gênese do Estado na China está diretamente relacionada à preparação para a guerra e à constituição de um império universal (HUI, 2005). Em adição, a fragilidade externa do último império sob a dinastia Qing (1644-1912) gerou um forte consenso entre as elites chinesas sobre a necessidade de aquisição de poder militar e tecnológico para se defender de potenciais agressões e impedir a dissolução da civilização

chinesa. A coesão política do governo sob o Partido Comunista Chinês (PCCh) também foi instrumental para a mobilização da sociedade em torno do projeto nacional (KISSINGER, 2011; SPENCE, 2013).

Posteriormente, num ambiente estrutural de reaproximação com os EUA, novas lideranças no Partido Comunista Chinês (PCCh) sob Deng Xiaoping iniciam o planejamento

das Quatro Modernizações15 (agricultura, indústria, ciência e tecnologia e forças armadas), e

do projeto de ascensão pacífica e promoção da multipolaridade (ROBINSON; SHAMBAUGH, 1994; CLEGG, 2009). Deste modo, a China conseguiu equilibrar os pilares de sua Grande Estratégia e adaptar-se positivamente ao ambiente internacional. A partir de Deng, a política externa e de segurança chinesa operou sob a lógica da ascensão em baixo perfil e redução de constrangimentos à modernização até que o país reunisse capacidades suficientes para influenciar o sistema de forma decisiva (GOLDSTEIN, 2008). A mudança de postura fica cada vez mais evidente desde a Crise Mundial de 2008, a partir de quando a China assume um papel de liderança como Grande Potência, consolida sua modernização militar e busca maior influência global (WORTZEL, 2013; QU; ZHONG, 2018).

Assim, a transformação de poder material em influência varia de acordo com o poder de agência doméstica das elites políticas, com seu pensamento político-estratégico e com a execução das políticas econômica, externa e de defesa. Quando um país varia seu poder relativo, a tendência é aumentar igualmente sua participação e controle na ordem internacional. No entanto, a adaptação positiva depende da maximização dos benefícios e redução dos custos de inserção externa. Isto significa aumentar a influência sobre as interações econômicas, políticas e securitárias, evitando o acúmulo de pressões sistêmicas, como a formação de coalizões balanceadoras. Este será o tema de seção posterior.

A seguir, apresentamos o Quadro 2, com o resumo da discussão.

Quadro 2 - Grande Estratégia, poder e influência

Fonte: Elaborado pelo autor (2019).

15

O projeto das Quatro Modernizações foi originalmente concebido por Zhou Enlai e iniciado por Deng Xiaoping em 1978. Desde então, a China apresentou altos índices de crescimento, que habilitaram sua modernização acelerada e sua consequente projeção internacional.