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DA INDEPENDÊNCIA AO FIM DA GUERRA FRIA (1947-1990):

Mapa 1 – Mapa Político da Índia

3 EXTRAÇÃO E MOBILIZAÇÃO: O ESFORÇO DE MODERNIZAÇÃO

3.2 DA INDEPENDÊNCIA AO FIM DA GUERRA FRIA (1947-1990):

Durante o período da Guerra Fria, observou-se uma guinada da economia indiana rumo à modernização induzida pelo Estado. O objetivo era essencialmente político: Ao atingir um grau elevado de autonomia econômica, a Índia evitaria a dependência externa e o consequente entrelaçamento de suas relações exteriores às dinâmicas dos blocos capitalista e socialista na Guerra Fria.

A escolha de Nehru por um projeto de modernização com base na indústria pesada tinha como objetivo eliminar o gargalo dos bens de capital, que eram pré-condição para o

42 Compete a cada estado definir sua própria política educacional e alguns deles, notavelmente da região sul, fizeram campanhas contra o uso do hindi. No caso de Tamil Nadu, foi abolida a fórmula 2+1 em 1968 e somente o ensino do tâmil e do inglês é obrigatório. Por trás da agitação política está o interesse em promover uma agenda de autonomia legislativa e orçamentária em relação ao centro.

desenvolvimento dos outros setores industriais e de tecnologias estratégicas (e.g. nuclear, armamentos, espacial e infraestrutura) (PAUL, NAYAR, 2003, p. 152-153).

O papel pronunciado do Estado na atividade econômica tinha três eixos: a criação de uma grande variedade de empresas públicas; o controle de preços de commodities e insumos essenciais para a indústria; e o direcionamento das atividades do setor privado por meio do “raj de licenças” - um sistema burocrático de regulamentação e orientação da atividade produtiva.

Entre 1960 e 1990, a participação do Estado no PIB da Índia aumentou progressivamente de apenas 9% para 25,8% ao final do período. Mais do que isso, o PIB indiano cresceu nove vezes entre 1960 e 1990, inicialmente sendo liderado pela produção industrial, que na última década foi superada pelo rápido crescimento dos serviços. A participação destes setores no PIB passou de 15% para 26% no caso da indústria e 28% para 41% no caso dos serviços. A agricultura observou um declínio de 57% para 33% do PIB neste mesmo período (NAYAR, 2009, p. 23, 30; PANAGARIYA, 2008, p. 13).

Durante o período de 1947 a 1990, houve três períodos de crescimento acelerado e relativa estagnação. O primeiro período de 1947 a 1964 teve sucesso em duas frentes: na mobilização de capital via impostos, poupança privada e ajuda externa e na alocação deste capital para o investimento industrial estatal. Em contraste, o período de 1965 a 1980 não conseguiu transformar a mobilização de recursos em alocação eficiente, tendo um aumento de subsídios e consumo, com relativa queda de investimentos e redução do crescimento econômico. O último período da década de 1980 observou a retomada do investimento via endividamento público e liberalização.

Os diferentes projetos econômicos do CNI neste período se enquadraram no modelo de substituição de importações, mas podem ser divididos entre uma ala mais liberal e industrialista, e outra mais estatista e social. No entanto, a explicação para a diferença dentre os projetos está em sua economia política: enquanto no período inicial o Congresso tinha ampla autonomia e representação política para extrair e mobilizar capital, sua legitimidade decresceu ao longo do tempo, suscitando estratégias populistas de cooptação de classes e centralização de poder. Portanto, um fator importante que diminuiu a eficiência do dirigismo estatal em longo prazo foi a incapacidade em alocar os recursos para o setor produtivo em nome da manutenção da estabilidade política (MCCARTNEY, 2009).

Neste sentido, o esforço de modernização foi permeado pelo dilema que Atul Kohli (2004) chama de “escolha cruel”: o Estado como um agente produtor de ordem política ou

como facilitador do desenvolvimento econômico. Por um lado, era necessário que o CNI tivesse alcance nacional para maximizar sua autoridade política doméstica e isto implicava em formar alianças, principalmente com as elites rurais de castas altas, que funcionavam numa dinâmica de patrão-cliente com as massas campesinas. O CNI portanto, criou uma extensa rede de patronagem com as elites locais, permitindo que o partido não somente tivesse maioria no parlamento nacional, mas também formasse governos majoritários na maioria dos estados da federação durante as primeiras décadas após a independência.

Entretanto, o aumento de poder político ocorreu em detrimento do programa econômico do CNI, que era voltado para a redução da pobreza, seja por meio de redistribuição de renda via impostos ou mais diretamente via reforma agrária. Com relação às massas urbanas, a agitação no período colonial fez com que o Estado disciplinasse o movimento trabalhista com leis que dificultavam a barganha coletiva e com a divisão política dos sindicatos, que se tornaram dependentes da patronagem estatal. O pacto com esta classe foi forjado pela estabilidade do emprego via leis trabalhistas, que garantiram o emprego, o direito a greves e impediram demissões em massa (CHIBBER, 2011, cap. 5).

Dois elementos na gestão da industrialização também foram determinantes para as limitações do modelo indiano: a dificuldade em disciplinar e organizar o setor empresarial e a ineficiência econômica do sistema de licenças. Deste modo, não havia incentivos para inovação tecnológica e industrial em um sistema sem competição externa e com investimentos controlados pelo Estado (CHIBBER, 2011, cap. 6). Como resultado, ao mesmo tempo em que a Índia teve uma indústria diversificada, o custo dos produtos era bem superior ao mercado internacional e sua competitividade era baixa (NASSIF, 2006, p. 26-28).

Durante o período Nehru (1947-1964), houve uma ênfase em tecnologia de ponta e indústria pesada, acomodando o capital privado nacional e recebendo auxílio econômico externo. Como resultado, o PIB neste período cresceu 4,1%, liderado pelo crescimento industrial de 6,7%. Em contraste, o primeiro período Indira (1966-1977) foi marcado pela centralização do poder econômico no Estado - via nacionalização de bancos e restrição a monopólios privados - e pela Revolução Verde na agricultura, indicando uma tentativa de controlar a atividade econômica como meio de redistribuição de renda. Como consequência de uma política econômica equivocada e de instabilidade política, o crescimento anual do PIB caiu para 3,2% e a indústria cresceu apenas 4% ao ano.

Ambas, no entanto, sofriam de problemas similares em diferentes intensidades: a baixa participação no comércio global, a falta de incentivos à indústria exportadora e as restrições

em relação a grandes empresas em favor do setor não organizado (pequenas e médias empresas). Entre 1951 e 1966, a participação da Índia no total de exportações globais passou de 2,1% para 0,9%, caindo para 0,5% até meados da década de 1980 (NASSIF, 2006, p. 24).

A proteção de mercado ao setor não organizado causou grandes distorções econômicas na produção de bens de consumo, que na maioria dos casos necessitava de economias de escala para operar com eficiência. Esta tensão ficou ainda mais latente no período Indira, quando as restrições ao setor privado e choques domésticos e externos acabaram reduzindo o crescimento do PIB ao nível mais baixo do período pós-independência.

Ainda na década de 1980, o baixo crescimento indiano, a experiência da China com a liberalização no governo de Deng Xiaoping e a queda da URSS fizeram emergir um novo consenso nacional em torno de uma orientação maior ao mercado nos planos interno e externo. No último mandato de Indira (1980-1984) e principalmente durante o governo de seu filho Rajiv Gandhi (1984-1989) teve início o processo de liberalização econômica que acelerou o crescimento do PIB indiano para 4,8% entre 1981 e 1988.

A liberalização na Índia sob Indira e Rajiv teve foco no desenvolvimento do setor privado nacional, mas não houve abertura econômica para competição frente a mercados externos. Isto foi essencial para controlar este processo e direcionar quais setores seriam abertos ao investimento e ao comércio internacional. Deste modo, o Estado aumentou seu poder de agência doméstico e manteve o controle nacional - público, privado ou misto - sobre as indústrias estratégicas e o setor bancário. Isto permitiu uma transição com poucos percalços em direção à internacionalização de sua economia, que será analisada na seção seguinte.

3.2.1 A modernização indiana sob Nehru (1947-1964): tecnologia e indústria pesada

A partir da independência, as diversas elites reunidas em torno do Congresso Nacional Indiano (CNI) iniciaram um projeto de caráter socialista, em nome da modernização do país e redução da pobreza. Na prática, isto significou um capitalismo dirigido pelo Estado num modelo de substituição de importações. Inicialmente, existia um grande debate no CNI quanto ao modelo a ser adotado, variando entre o capitalismo liderado pelo setor privado (Sardar Patel), o capitalismo social dirigido pelo Estado (Jawaharlal Nehru) e o modelo gandhiano de enfoque na descentralização política e autossuficiência econômica no meio rural (HARDGRAVE; KOCHANEK, 2008, p. 417-418).

correntes. A corrente do capitalismo liderado pelo setor privado foi encabeçada pelas alas conservadoras do CNI, que tinham relações próximas com os industrialistas indianos desde a

época da campanha nacionalista43. O principal símbolo desta aliança foi o Plano de Bombaim

(1944), formulado por alguns dos maiores empresários e economistas indianos (KUDAISYA, 2014).

Já o Primeiro Ministro (PM) Jawaharlal Nehru desfrutava de grande legitimidade política em todas as áreas da administração central, desde o planejamento econômico até decisões de política externa. Ele via no exemplo da União Soviética um rápido processo de modernização a partir de planos quinquenais e do foco na indústria pesada, gerando uma economia autossuficiente em longo prazo.

Nehru visou uma aliança entre Estado e setor privado, numa economia mista de alto investimento estatal. Apesar da desconfiança inicial, Nehru conseguiu mediar as forças centrífugas entre alas distintas do CNI e do capital nacional e internacional. Com o lançamento da Resolução da Política Industrial (1948), as empresas estatais ficaram responsáveis por produzir os bens de capital e os insumos necessários para o desenvolvimento do setor privado, que ficou encarregado da produção de bens de consumo (HARDGRAVE; KOCHANEK, 2008, p. 418-420).

No entanto, logo ficou claro que a aliança de conveniência não teria longa duração, pois os interesses do Estado e do empresariado começaram a divergir quanto ao controle e direcionamento dos investimentos (CHIBBER, 2011). O setor estatal era inicialmente reduzido e foi adquirindo protagonismo econômico gradualmente, culminando nas estatizações da década de 1960. O projeto de Nehru não rendeu os frutos esperados principalmente devido à dificuldade em organizar o empresariado (industrialistas, banqueiros) em uma classe coerente e comprometida com o projeto nacional. A maioria dos empresários também eram mercadores e agiotas, que se tornaram especuladores na época da guerra. Portanto, os interesses dos conglomerados privados estavam mais inclinados a ganhos de

curto prazo, ao invés de investimentos industriais em longo prazo44 (TYABJI, 2015a; 2015b).

Logo foi instalada a Comissão de Planejamento Nacional (1950), ficando responsável pelas diretivas da industrialização indiana. Segundo o Primeiro Plano Quinquenal (1951-

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Em especial, destaca-se a parceria entre Sardar Patel e G. D. Birla, que era empresário do ramo de automotivos e principal financiador de vários parlamentares do Congresso. O papel político da classe industrial foi importante para o estabelecimento de medidas protecionistas e de regulações que controlavam o investimento estrangeiro, proporcionando um ambiente livre de competição externa ao empresariado nacional (MUKHERJI, 2009, p. 84-85; KUDAISYA, 2014).

44 Outro ponto importante era a condição precária dos trabalhadores rurais, o que motivou os agiotas a direcionarem seu capital para o campo.

1956), as áreas de energia nuclear, armamentos e ferrovias foram reservadas ao monopólio do Estado, que poderia solicitar a participação de capital privado ou estrangeiro caso desejasse. Em outras áreas, inicialmente apenas o Estado poderia fazer novos investimentos, como era o caso do aço, minério de ferro, aviões, construção naval, telecomunicações, carvão e óleos minerais. A atividade de boa parte das indústrias restantes era controlada pelo regime de licenças. A partir do Segundo Plano Quinquenal (1956-1961), o Estado flexibilizou a participação da atividade privada em algumas áreas, como produtos da indústria química (borracha sintética, fertilizantes, remédios), maquinário e transporte rodoviário e naval (PANAGARIYA, 2008, p. 33).

Entre os anos de 1958 e 1962, três instituições de crédito foram criadas para financiar os empreendimentos privados, com a maior parte dos recursos vindo do governo federal. Foram elas: Banco de Desenvolvimento Industrial da Índia (IDBI), a Corporação de Financiamento Industrial da Índia (IFCI) e a Corporação de Crédito e Investimento Industrial da Índia (ICICI). Neste sentido, principalmente após a nacionalização dos bancos por Indira (1969), o governo teve controle sobre o acesso das empresas à poupança privada (NASSIF, 2006, p. 23).

A indústria pesada necessitava de investimentos de grande vulto, longo prazo e baixo retorno que só poderiam ser realizados pelo Estado indiano, visto que investidores estrangeiros e locais não tinham interesse ou capital disponível para apostar neste tipo de negócio. Os resultados foram bastante satisfatórios e refletiram a relevância do esforço feito pelo Estado: a produção industrial da Índia cresceu 6,7% ao ano e a sua proporção no PIB subiu de 15% para 21% entre 1951 e 1965. Em termos individuais, apenas entre 1951 e 1961, a produção de aço e ferro mais que dobrou, a de químicos praticamente triplicou e a de maquinário quintuplicou (PANAGARIYA, 2008, p. 11, 26-31, 37; KOHLI, 2004, p. 266- 267).

No entanto, o controle sobre a produção e a política industrial adotada também minaram os esforços de modernização em outras áreas, decidindo quais itens poderiam ser importados e qual seria a quantidade aprovada para cada empresa. Um exemplo notável é a indústria têxtil indiana, que contrasta com a experiência de sucesso do Leste Asiático. Devido à preferência pela produção familiar de têxteis, o governo indiano decidiu restringir a produção total das grandes indústrias, aplicando altos impostos e controlando os preços de produtos para venda abaixo dos preços de mercado aos consumidores de baixa renda (KOHLI, 2004, p. 267-269).

Durante o seu governo, Nehru também trabalhou para favorecer a entrada de

investimentos, ajuda econômica, conhecimento técnico e bens de capital estrangeiros45. A

estratégia favoreceu a industrialização indiana, inclusive no setor de defesa. Inicialmente, os países ocidentais (EUA e Europa Ocidental) tinham maior proeminência, auxiliando na experiência de modernização da Índia democrática como forma de contrabalançar a influência que a experiência socialista chinesa tinha sobre o Terceiro Mundo. Contudo, a União Soviética logo tomou este protagonismo, pois não condicionou seus empréstimos ou ajuda técnica ao papel que o Estado exerce na economia (ROY, 2012, p. 225-229).

O regime comercial foi relativamente liberal durante a década de 1950, inclusive reduzindo algumas barreiras tarifárias. Também era necessário evitar mudanças bruscas nas políticas comercial e de câmbio para importar bens essenciais à industrialização. Esta política gerou uma crise cambial no final da década de 1950 e, a partir daí, foi instituído o controle sobre o acesso a divisas externas e bens importados. Estas medidas afetaram o setor privado, que experimentava a expansão de suas atividades e dependia do fornecimento de licenças de importação e de conversão monetária.

A burocracia se tornou um gargalo à medida em que o setor privado se expandia e gerava novas solicitações de licenças, que praticamente dobraram de número entre 1956 e 1966. Mais do que isso, o crescimento bastante relevante do setor privado na indústria indiana foi distorcido pelo “raj de licenças” conforme a economia se tornava mais diversificada e complexa. A partir de meados da década de 1960, a burocracia se tornou cada vez mais arbitrária e sujeita à corrupção, interferência política, e à pressão de lobbies. Outra consequência deste processo foi a oligopolização do setor privado, visto que apenas as grandes empresas nacionais tinham chances de competirem neste tipo de ambiente (PANAGARIYA, 2008, p. 27-36, 40).

Durante o período Nehru foram fundados os pilares científicos da modernização tecnológica indiana nas áreas industrial, nuclear, militar e espacial. Nehru era um entusiasta do progresso científico e tinha relações próximas com os maiores pesquisadores da Índia, como Mahalanobis (planejamento econômico), Homi Bhabha (física nuclear), S. S. Bhatnagar (química) e V. A. Sarabhai (engenharia aeroespacial).

45 Nos primeiros quinze anos pós-independência, dois terços da assistência internacional recebida pela Índia foram destinados à indústria - especialmente petróleo e aço - e o outro terço para infraestrutura (ROY, 2012, p. 225-229). Entre 1950 e 1960, a participação externa no valor total das empresas não estatais na Índia subiu de 35% para 40%. Para as empresas e funcionários estrangeiros, houve isenção de impostos sobre lucros e ganhos de capital e do imposto de renda. Dentre as mais de 800 empresas estrangeiras presentes no país, cerca de 350 assinaram acordos de colaboração técnica (PANAGARIYA, 2008, p. 26-31)

Entre 1950 e 1965, a participação de P&D no PNB passou de apenas 0,05% para 0,3% e o número de empregados no setor aumentou de 188.000 para 732.000. Em 1958, a pesquisa nuclear recebeu cerca de 33% dos investimentos, seguida por indústria (16%) e defesa (6,5%). A hierarquia de prioridades mudou após as guerras contra a China e o Paquistão na década de 1960, quando o setor de defesa passou a receber 14% do orçamento em P&D (PAUL; NAYAR, 2003, p. 155).

A pesquisa industrial ficou especificamente a cargo do Conselho para Pesquisa

Científica e Industrial (CSIR46), fundado em 1942, cuja função era organizar todo o setor de

P&D. Ainda durante o processo de independência, o CSIR abriu cinco laboratórios de pesquisa em química, física, metalurgia, combustíveis e cerâmica e vidro. Posteriormente, o número de laboratórios foi expandido para 16 áreas e outros cinco institutos de tecnologia foram criados.

Contudo, também cabe ressaltar o contraponto feito por Gordon (1995, p. 22), no sentido de que os sistemas educacional e de P&D seguiram, ao final, o padrão das instituições britânicas. Houve a centralização da pesquisa em um número pequeno de laboratórios de grande porte, que especializaram-se em tecnologia de ponta ou em vários campos da alta ciência. Seu papel, portanto, raramente contribuiu com soluções práticas para os problemas diários da indústria, saúde e agricultura de um país em desenvolvimento de proporções continentais.

Neste sentido, o Estado indiano ainda apresentava deficiências em algumas áreas que remetiam à sua fragmentação. Os níveis de extração de recursos não eram suficientes para financiar a industrialização e ao mesmo tempo prover serviços (saúde, educação) de melhor qualidade para toda a população. A burocracia generalista tinha treinamento para tarefas de lei e ordem, mas não possuía experiência na gestão de empresas no setor produtivo ou na implementação de políticas de desenvolvimento (KOHLI, 2004, p. 260-261, 266).

Apesar do aumento expressivo no número de quadros da burocracia indiana, não havia capacidade administrativa para coletar impostos em escala nacional. O financiamento doméstico dos gastos públicos passou a concentrar-se na taxação do consumo, mesmo que tenha sido feita uma lei de imposto de renda progressivo. Como o Estado não podia financiar suas atividades pela extração, recorreu ao aumento da dívida pública e dos empréstimos internacionais. Os principais efeitos deste processo foram sentidos no governo Indira, num período de menor crescimento e maior instabilidade política.

A agricultura foi o setor que enfrentou mais dificuldades dentro do projeto de modernização pela indústria pesada. Embora o primeiro plano quinquenal tenha dedicado parte considerável dos investimentos públicos à irrigação e infraestrutura rural, a partir do segundo plano houve um aprofundamento na priorização da indústria. Deste modo, o crescimento do setor agrícola não ocorreu por aumento de produtividade, mas sim pela maior extensão das áreas cultivadas e do aumento da mão-de-obra empregada, apenas acompanhando o ritmo do crescimento populacional. Ainda que a pesada taxação do período colonial tenha sido abandonada, o Estado não obteve a capilaridade necessária para alterar as relações produtivas nas áreas rurais, expandir o uso de técnicas agrícolas modernas ou de fertilizantes (KOHLI, 2004, p. 265-266).

Em meados da década de 1960, quando Indira Gandhi assumiu o governo, após dois anos de cheias devastadoras e da Guerra Indo-Paquistanesa de 1965, o setor agrícola entrou em profunda crise, com um decréscimo de 20% da produção em 1966. A Índia passou a depender essencialmente de ajuda externa, especialmente do trigo dos EUA, que foi comprado abaixo de preços de mercado, conforme a lei de ajuda alimentar estadunidense.

3.2.2 A modernização no primeiro governo Indira Gandhi (1966-1977): Revolução Verde, nacionalização e populismo

Ao contrário das expectativas, a jovem Indira Gandhi, filha de Nehru e uma das primeiras mulheres a se tornarem líderes de governo na era contemporânea, tornou-se uma Primeira Ministra ainda mais forte que seu pai, mostrando tendências centralizadoras e, por vezes, autoritárias. As características principais da economia política do governo Indira foram a modernização da agricultura, a nacionalização de bancos e um controle regulatório ainda maior sobre a atividade econômica como meio de distribuição de renda. Para atingir seus objetivos, entretanto, o populismo do governo Indira acabou prejudicando a evolução das instituições e da democracia indiana, alienou o empresariado e distorceu a política eleitoral no sentido de acentuar as identidades comunais (religiosas e de castas) (ALI, 2005; RAGHAVAN, 2014).

Após a morte de Nehru em 1964, o experiente e respeitado Lal Bahadur Shastri assumiu a Índia num momento de turbulência e transição, mas veio a falecer apenas dois anos depois. Numa crise de liderança, Indira foi convidada para assumir o governo pelos cinco líderes regionais mais influentes do Congresso, conhecidos como “o Sindicato”. Ela havia

sido organizadora das campanhas eleitorais e presidente do partido por um breve período, mas