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1.3 – A Ordem Terceira de São Francisco de Assis em Portugal

No documento cristianooliveiradesousa (páginas 39-43)

A história da chegada das Ordens Terceiras Franciscanas em terras portuguesas é dividida em dois momentos, sendo o primeiro deles envolto em lendas que afirmam ter o

próprio Francisco passado em Portugal durante uma peregrinação à Galícia por volta de 1214 e instalado em Trancoso uma fraternidade de penitentes, antes mesmo da aprovação de sua primeira regra, em 1221.

Esta história teria sido registrada em um pergaminho manuscrito existente no Arquivo da Ordem Terceira da Vila de Trancoso, que teria sido queimado restando dele apenas uma cópia literal, feita pelo Secretário da dita Ordem. O dito pergaminho afirmaria que Francisco teria chegado à Trancoso no terceiro domingo de Março de 1214, vindo da Espanha, onde teria ficado por 3 dias em pregação “alvorotando-se o povo para ouvir o homem tido por santo que, interrogado, disse chamar-se neste mundo Francisco, era de Itália, natural de Assis e era um frade humilde, pobre, simples, magro”.

Francisco teria então reunido:

“Homens e mulheres numa santa Irmandade de Penitência para aumentar a fé na Religião Católica e nossa salvação; a todos impôs as mãos. Escolheu para Ministro, concordando todos, a Fernão Mendes e tendo convidado para aguardar e abreviar o ordenamento (da Irmandade), além disso, a Simão Gomes, cirurgião, para incitar este, diante de todos, estando de joelhos de rastos, lhe pôs as mãos, com ordem desde escolher a outros, e esses outros a outros, para sempre (através dos séculos) e que eles sejam sempre escolhidos por imposição das mãos com obrigação de dizerem três vezes no ano esta maldição:

- Seja amaldiçoado do Deus Padre, do Deus Filho, do Deus Espírito Santo todo aquele que tentar destroçar, corromper ou retirar-se desta Santa Irmandade da Penitência” (RIBEIRO, 1953, p.31-32).

Francisco teria ainda realizado uma procissão com os admitidos e feito “hábitos e capas de burel com cinta de apertadoiro igual ao do Frade Santo” (RIBEIRO, 1953, p.31-32). Dali, Francisco teria ainda passado em Guarda, Linhares, Celorico da Beira, Viseu, Lamego, Guimarães e Ponte de Lima, de lá partindo para Santiago de Compostela. No retorno de sua peregrinação ele teria ainda passado em Bragança, onde teria deixado dois ou três companheiros para fixarem ali um eremitério (RIBEIRO, 1953, p.33-34). É claro que faltam documentos que possam provar os episódios relatados, porém vários são os cronistas que relatam a passagem de Francisco pelo norte de Portugal e o manuscrito cita nomes de homens que realmente viveram naquela região no período. Se o relatado for mesmo verdade, as Ordens Terceiras de Trancoso, Guimarães e Bragança teriam sido fundadas pelo próprio São Francisco, utilizando para isto um cerimonial anterior à aprovação canônica de sua Ordem Terceira, cerimonial este que o pobre de Assis teria utilizado também na Itália e Espanha (RIBEIRO, 1953, p.33).

Conforme já dito anteriormente, este primeiro momento da Ordem Terceira Franciscana durou até o ano de 1516, quando o papa Leão X no concílio de Latrão V teria

promulgado um decreto onde modificava quatro pontos que eram comuns aos terceiros franciscanos do período, sendo o mais importante deles o que dizia retirar o privilégio de foro eclesiástico aos terceiros. A partir daí, a Ordem iria perder seu prestígio, chegando quase a desaparecer na península ibérica. Inclusive, seria em razão deste descrédito pelo qual passava a Ordem Terceira Franciscana, e na tentativa de reavivar a simpatia dos leigos para com o ideal franciscano, que seriam erigidas, neste contexto, a Arquiconfraria do Cordão de S. Francisco, em 1585 e a Arquiconfraria das Chagas de S. Francisco, em 1594 (RIBEIRO, 1953, p.51).

O segundo momento vivido pelas Ordens Terceiras Franciscanas em Portugal foi então o de reestruturação, ou refundação desta instituição em Portugal e Espanha. O Capítulo Geral dos Menores Franciscanos celebrado em Toledo no ano de 1606 estabeleceu as bases de uma nova organização para a Ordem Terceira Franciscana e mandou que todos os Frades Menores pregassem as excelências da Ordem Terceira a todo fiel cristão (SÃO FRANCISCO, 1684, p.385). Foi neste contexto que em 1615, sob o estandarte da Penitência, o Frei Inácio Garcia, missionário apostólico franciscano da província de Malhorca, realizou uma pregação no púlpito do Convento de São Francisco de Lisboa, exaltando as grandezas da Ordem Terceira Franciscana. No dia 12 de Julho o Frei Inácio lançou os primeiros Hábitos e em pouco tempo elevou à setecentos o número dos noviços, iniciando a nova legislação restauradora da Ordem Terceira Franciscana em Lisboa, que iria se tornar o modelo para as que se constituiriam depois dela.

Em 13 de Abril de 1616 o Vigário Geral Franciscano, o Frei Antônio de Trejo publicou em Madri16 as “Ordenações da Terceira Ordem”, com apontamentos atualizando a regra de 1289 para a realidade do século XVII. Fazia parte deste documento ainda a “Forma que se há de guardar em dar o Hábito, ou a profissão aos Irmãos e Irmãs Seculares da Terceira Ordem”, além de Declarações que deveriam ser publicadas junto aos vinte capítulos da Regra de Nicolau IV17. Mais à frente realizaremos um estudo das regras e estatutos da Ordem Terceira onde analisaremos mais detalhadamente suas proposições. Por hora voltemos à reorganização da Ordem Terceira Franciscana em Portugal.

Os Irmãos da Ordem Terceira de Lisboa em 1620 organizaram uma publicação que reunia a regra de 1289 acrescida das Declarações do Frei Antônio de Trejo, tendo logo em seguida as Ordenações da Ordem Terceira, o cerimonial de admissão e o catálogo dos santos e

16 A partir do período da União Ibérica, as Ordens Franciscanas de Portugal ficaram sob jurisdição do Convento

de Madri.

17 Tivemos acesso a estes documentos pois os mesmos foram reproduzidos na obra: (SAO LUIS, MONTE

das indulgências da Ordem, o que prova que os terceiros franciscanos de Portugal seguiram as determinações do Vigário Geral da Ordem (RIBEIRO, 1953, p.56). Durante todo o século XVII e XVIII serão organizadas várias obras, verdadeiros manuais e compilações voltadas aos irmãos terceiros franciscanos que circulavam entre os Irmãos e popularizavam a Ordem Terceira. Todos estes “manuais” seguiam as disposições Tridentinas de promoção da vida religiosa e do aperfeiçoamento moral dos cristãos.

A partir desta refundação das Ordens Terceiras, a instituição secular franciscana voltou a se popularizar em Portugal. Bartolomeu Ribeiro em seu estudo das Ordens Terceiras Franciscanas Portuguesas afirma que durante o século XVII Lisboa e sua comarca eram uma colônia de São Francisco. Citando alguns cronistas franciscanos ele afirma que em 1644 os professos na Ordem Terceira de S. Francisco de Lisboa passavam dos 11.000. Em 1684 contavam-se dentro dos muros mais de 8.000 professos e os residentes fora da cidade chegavam à 11.000 (RIBEIRO, 1953, p.57). Somente em Lisboa seriam instalados até o final do século XVII, 3 conventos da Ordem Terceira Franciscana.

Até 1650 teriam sido fundadas (ou refundadas) as Ordens Terceiras de Guimarães, Caminha, Viana do Castelo, Ponte do Lima, Vila do Conde, Porto, Covilhã, Fundão, Figueira da Foz, Soure, Vila Nova de Anços, Leiria, Estremoz, Alenquer, Viseu, Santarém, Ferreirim de Tarouca, Tomar, Santa Sita de Asseiceira. Na segunda metade do século XVII aparecem as fraternidades de Bragança, Moncorvo, Chaves, Vila Real, Lamego, S. Cipriano de Resende, Amarante, Penafiel, Entre-os-Rios, Santa Senhorinha de Bastos, S. Paio de Eira Vedra, Barcelos, Faria e Tregosa, Santa Maria de Geraz e Deucriste, Braga, Vila Nova de Famalicão, Fonte Boa de Esposende, Ovar, Aveiro, Vila da Feira, Arrifana da Feira, Aguada de Cima, Coimbra, Redinha, S. Pedro do Sul, Vouzela, Penalva, S. Cristovão de Cabanas de Oliveira do Conde, Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Penamacor, Sardoal, Abrantes, Torres Novas, Vila Nova de Constança, Vila Nova de Ourém, Peniche, Vila de Ferreiros, Torres Vedras, Ericeira, Cascais, Vila Franca de Xira, Elvas, Campo Maior e Faro (RIBEIRO, 1953, p.53-54).

Como se pode perceber a Ordem Terceira Franciscana havia se tornado uma instituição muito popular em todo o Reino. A esse respeito, vale citar aqui o que afirma o Frei Luis de São Francisco, Comissário da Ordem Terceira do Porto:

“somente dizemos agora em suma o que temos visto por varias terras nas Missões que fazemos, que é grande o número dos Terceiros Seráficos em todas as partes, porque não há lugarejo mais pequeno, em mais entranhado pelos montes, onde se não achem Terceiros seculares, com que vem a fazer um número quase infinito (SÃO FRANCISCO, 1684, p. 391).”

Quanto à qualidade dos Irmãos Terceiros, o Frei Luis de São Francisco ainda afirma o seguinte:

“Não há Tribunal em que não haja filhos desta sagrada Ordem, até na Sé Metropolitana há muitas Dignidades, e Cônegos Prebendados, também no Santo Tribunal da Fé há Senhores Inquisidores, e ouve, que se prezam e prezaram muito de serem filhos desta sagrada Ordem, e finalmente na Casa Real, desde o maior até mais pequeno é filho da Ordem Terceira. Sendo o principal farol, que comunica estas luzes aos mais com seu Real exemplo e com seu católico e piedoso zelo, o Senhor Rei Dom Pedro (...) E isto quanto à Corte de Lisboa. Quanto à Cidade do Porto, que é a segunda do Reino (...) são Terceiros várias Dignidades e Cônegos Prebendados da Sé. No Tribunal da Relação secular, não faltam Desembargadores e estes muito zelosos, que por suas modéstia não nomeamos. Finalmente no Senado da Câmera, nunca faltam filhos desta sagrada Ordem, e no Tribunal de Alfandega, de sorte que os melhores no sangue do estado Eclesiástico e Secular fazem grande honra de serem Terceiros, e trazerem o seu cordão cingido (SÃO FRANCISCO, 1684, p. 388-389).”

Como podemos perceber, a instituição secular franciscana era bastante popular e atraía para seu meio homens importantes em qualquer região que se instalava. Conforme veremos à frente, também na América Portuguesa, a Ordem Terceira Franciscana será frequentemente associada às elites locais. Procuraremos agora, a partir da análise da regra, estatutos, ordenações e manuais, tentar analisar o que atraía tantos homens a se professar à Ordem Terceira Franciscana. Desta forma, analisaremos quais eram os benefícios recebidos pelos homens que integravam este grupo, além de tentar perceber também quais eram as obrigações às quais eles estavam sujeitos, na tentativa de compreender melhor qual o significado de ser um Irmão professo da Venerável Ordem Terceira de São Francisco e também perceber o que diferenciava esta Ordem das demais irmandades existentes no Império Português.

1.4 – O significado de ser um Irmão Terceiro: normas, obrigações e

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