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3 EXPERIÊNCIAS E CONCEPÇÕES DE TEMPO-ESPAÇO ESCOLAR PARA A EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL.

3.1 As matizes político-ideológias da educação integral: introduzindo o debate

3.1.2 A pedagogia anarquista e sua relação com as escolas de improviso

A questão central defendida pelos anarquistas diz respeito “a negação da autoridade instituída” (GALLO, 2002, p.21). Ou seja, o projeto de educação anarquista está lastreado pela extinção das formas de qualquer forma de governo, principalmente, a instituída pela sociedade burguesa por se tratarem de órgãos de dominação e poder que rechaçam a liberdade e autonomia plena. Nesse sentido para a compreensão da perspectiva anarquista se faz extremamente relevante sua associação à categoria liberdade, por este motivo denominado também de pedagogia libertária.

O embasamento máximo da ideologia anarquista se manifesta através das ideias de Proudhon e Bakunin que lutaram a favor de “melhores condições de vida e de trabalho para os operários, condições estas conquistadas pelos próprios, e não instituídas pelo governo, que nesta perspectiva deve ser suprimido” (PINHEIRO, 2009, p.30).

111 No conjunto de suas ações a perspectiva anarquista possibilitou a formulação de uma teoria educacional. As principais referências da pedagogia anarquista foram Paul Robin, Ferrér y Guardia e Sebastien Faure. Como eles, os ideais anarquistas foram experenciados no cotidiano de instituições escolares que eles dirigiram. Segundo Gallo (2002), estes educadores tinham como premissa básica a:

[...] idéia de que o proletário deve conquistar ele próprio sua liberdade, com o princípio proudhoniano de que a emancipação dos trabalhadores só pode ser obra deles mesmos, criticou implacavelmente a perspectiva ideológica da educação burguesa, rejeitando sumariamente qualquer proposta de educação oferecida pelo governo, ou que devesse em última instância ser mantida por ele. A proposta anarquista desenvolveu-se em torno da idéia de que os trabalhadores deveriam criar suas próprias escolas, bem diferentes daquelas estatais ou religiosas (p. 14).

Apesar dessa defesa radical do conceito de liberdade a pedagogia anarquista não descarta o princípio de uma autoridade mínima como sendo indispensável na formação de crianças de baixa idade, já que “não preparados para ação política e esta ação dá-se justamente com o objetivo de preparar-lhes para uma ação política autônoma e livre” (GALLO, 1995, p. 72), mas que gradativamente possa ceder lugar a liberdade ao passo do conquistar da autonomia e consciência crítica pelas crianças.

A conjugação dessa relação entre disciplina-liberdade incidiu em um modelo de educação integral dividida em duas fases: a primeira voltada para os anos iniciais, ou educação primária, como era chamada. Esta etapa corresponde a fase mais sensitiva da criança e é impulsionada por motivações de caráter mais espontâneos. Requer, portanto, uma aplicação mais disciplinar tendo em vista que é na infância que a criança constrói suas primeiras impressões do mundo com contato com ele. Na segunda etapa, referente aos anos finais, a prática pedagógica busca valorizar a autonomia dos educandos de maneira que eles desenvolvam livremente aquilo que aprenderam durante a vida mais disciplinada.

Também destacamos a autogestão como um dos princípios materializadores da noção de liberdade defendido pelos anarquistas. Segundo estes “uma educação que

112 tenha por base a liberdade, a justiça e a igualdade é completamente contrária às bases deste sistema, que são a dominação e a exploração” (GALLO, 1995, p.23), portanto, devem se distanciar das formas de gestão da sociedade burguesa, colocando o povo a frente dos processos deliberativos, consolidando os princípios da liberdade e da igualdade.

A educação revolucionária proudhouniana traz consigo alguns apontamentos básicos que dão tom ao projeto de educação integral anarquista conforme observa Gallo (2002) justiça, igualdade de oportunidades, democracia e o trabalho. Estes princípios concretizados incidem em uma nova organização da escola da qual sejam criadas as necessárias condições para:

[...] a auto-organização dos estudos por parte do grupo, que envolve o conjunto dos alunos mais o(s) professor (res), num nível primário e toda a comunidade escolar – serventes, secretários, diretores, etc. – num nível secundário; além da formalização dos estudos, a autogestão pedagógica envolve um segundo nível de ação, mais geral e menos explícito, que é o da aprendizagem sociopolítica que se realiza concomitantemente com o ensino formal propriamente dito (GALLO, 1995, p. 169).

É partindo dessa organização de escola, da qual é a própria sociedade que define suas finalidades, que encontramos os fundamentos que embasam a educação integral anarquista. A síntese dos seus aspectos pode ser expressa na defesa de que o “ensino deveria ser oferecido para todas as pessoas e em todos os níveis de escolaridade, possibilitando ao trabalhador a compreensão de todos os conhecimentos produzidos pela humanidade” (PINHEIRO, 2009, p. 31).

Do ponto de vista organizativo, diferentemente da teoria escolanivista, educação integral para os anarquistas não está relacionado a definições padronizadas ou ações que melhorem o tempo-espaço escolar. A educação integral anarquista diz respeito ao “tipo” de formação recebida pelos alunos. Em sua organização a pedagogia anarquista dividiu- a em três níveis: educação física, intelectual e moral. A educação física seria dividida em: a) recreativa e esportiva, b) manual, c) profissional. Conforme PINHEIRO (2009, p.33):

113 A educação recreativa e esportiva objetivava o desenvolvimento do corpo e de seus limites e a socialização voltada para a solidariedade. A educação manual desenvolveria as habilidades motoras. Já a educação profissional estaria calcada no que Proudhon denominava de politecnia, uma educação para o trabalho, no qual o aluno dominaria todas as etapas do processo de produção.

No que tange a educação intelectual esta se preocuparia na apropriação cultural do conhecimento historicamente acumulado. Por último a educação moral aconteceria no espaço escolar privilegiando ações que fortalecessem os valores da solidariedade e da liberdade objetivando criar uma nova forma de ser e estar no mundo.

Nas raízes do pensamento epistemológico da educação anarquista e de seu viés libertário estão as contribuições de Rosseuau Jean Jacques Rousseau (1712-1778) para se pensar a relação entre o ambiente social e a infância. Essa é uma questão primordial para se pensar o espaço físico escolar.

Defendendo que o ambiente é que formava o ser humano, os anarquistas se recusam a reproduzir o modelo de escolas dominantes na sociedade no qual havia a hegemonia de formas de pode instituída sobre elas. Essas formas de poder, segundo os anarquistas, se expressam nas formas de disciplina e controle configura a instituição escolar, dentre estas a relação tempo-espaço.

Tentando superar essa lógica, o projeto anarquista materializou experiências que muito se assemelham, do ponto de vista físico, obviamente, às “escolas de improviso”. Ideologicamente, a não preocupação com grandes e modernas infraestruturas e projetos arquitetônicos a exemplo das escolas monumentais e funcionalistas, tinha a função de tornar o ambiente escolar expressão daquilo que se tentava ensinar com as palavras. Podemos dizer que a ausência de infraestrutura escolar específica se tratava de uma estética do não-poder, da não-técnica e da liberdade.

Algumas experiências foram materializadas com tais traços, a saber: a Yasnaia Polyana (1859-1862), de Leon Tolstoi; o Orfanato de Cempius (1880-1894), dirigido por Paul Robin; a Colméia (1904-1917), de Sebastain Faure; Escola Moderna de Ferrer y Guardia (1901-1906)

114 Havia um caráter de flexibilidade nestas escolas como resposta didático-curricular aos aspectos político-pedagógicos educação anarquista. No Orfanato de Cempius, por exemplo, não eram realizadas provas e nem haviam castigos, elementos considerados extremamente radicais dentro da cultura escolar tradicional.

Outro aspecto relevante é o diálogo criado entre a Colméia, ou La Ruche como era chamada, e a classe trabalhadora. A prática pedagógica desta iniciativa extrapolava os limites da sala de aula, da escola, e constituía-se como uma grande comunidade na qual todos os recursos eram partilhados e as decisões tomadas em conjunto. A espontaneidade própria do movimento anarquista foi ainda mais intensificada na Colméia como observar na afirmação de Gallo (2005, p.27):

Tratava-se de reunir 40 ou 50 crianças num amplo círculo familiar e criar com elas um meio especial onde se viveria na medida do possível, desde então, se bem incrustada na sociedade atual, a vida livre e fraternal: cada um deveria trazer a esse círculo familiar, conforme a idade, as suas forças e aptidões, seu contingente de esforços, e cada um tomar do todo, alimentada pela contribuição comum, a sua parte proporcional de satisfação.

Na Escola Moderna de Ferrer, destas a única não gratuita, a comunidade participava das atividades escolares assistindo a palestras, fazendo leituras, etc. O sucesso conquistado possibilitou a criação de uma universidade popular oferecidos aos trabalhadores que antes não tiveram oportunidade de acesso, já que apenas a juventude burguesa tinha esse privilégio.

Outra experiência de menos expressão, todavia, importante pela contribuição aos debates sobre os espaços escolares é o Summerhill em 1921 por Alexander S. Neill (1883- 1973), na cidade de Leiston, região de Suffolk, a noroeste de Londres. Também conhecida como “escola sem portas”; “escola da liberdade”; escola da felicidade, dentre outras, Summerhill era assim descrita pelos pesquisadores da época quando a sua arquitetura e infraestrutura escolar:

A escola não tem aparência de riqueza, e observam-se, em ambientes e móveis, as marcas de muito uso. Os novos edifícios não são tão sólidos quanto é a casa central. Não há luxo nem qualquer signo de

115 riqueza que mereça atenção. Inexiste apelo político nos cartazes e informes afixados nas paredes, o que permite verificar não haver elementos que deem pistas sobre o papel ideológico e político da escola [...] o lugar lembraria mais o ambiente de uma colônia de férias do ponto de vista positivo (GALLO, 2005, p. 50-51).

São estes aspectos que nos permitem construir uma relação entre a arquitetura escolar (expressa pela ausência dela) entre o espaço físico das escolas libertárias- anarquistas e as escolas de improviso. Obviamente, essa relação é feita apenas observando os aspectos físicos uma vez que o caráter “improvisado” das escolas anarquistas tem uma função política.

Apesar de se caracterizar como um amplo movimento, a ideologia anarquista não conseguiu fazer frente às influências dos ideais liberais que até hoje influenciam dirigentes, educadores, intelectuais, políticos, etc. Apesar disso, na década 30 houve uma matiz ideológico que ganhou força no cenário político e educacional brasileiro e chegou a disputar espaço com o movimento escolanovista, a saber: a concepção Conservadora-integralista (SILVA e SILVA, 2012); (CAVALIERE, 2002).

3.1.3 O Integralismo e o tempo-espaço escolar para a disciplina moral-cívica-

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