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3 EXPERIÊNCIAS E CONCEPÇÕES DE TEMPO-ESPAÇO ESCOLAR PARA A EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL.

3.2 O tempo-espaço escolar em experiências do século XX e XXI no Brasil: as escolas funcionalistas em questão.

3.2.2 Os Centros Integrados de Educação Pública: da (nova) modernização à estigmatização

Os Centros Integrados de Educação Pública – CIEPs foram construídos no estado do Rio de Janeiro sob a gestão do governo de Leonel Brizola nos dois períodos em que foi governador: (1983-1986) em que foi criado o 1º Programa Especial de Educação – 1º PEE e (1991-1994), momento de criação do 2° Programa Especial de Educação – 2º PEE. O projeto teve como mentor Darcy Ribeiro, que foi vice- governador do Estado e secretário da educação nos dois períodos, respectivamente. Darcy era um admirador confesso das ideias de Anísio e buscou modernização a educação escolar e as edificações escolares no Rio, imprimindo logicamente algumas particularidades como veremos a seguir.

A meta traçada era de construção de 500 CIEPs em todo o estado do Rio de Janeiro, de modo que cada cidade tivesse pelo menos um CIEP.

139 experiência da Escola-Parque anisiana, os CIEPs trouxeram elementos organizacionais novos em relação à essa outra iniciativa. Os acréscimos se concentram em algumas particularidades próprias dos chamados “Brizolões”, que podem ser resumidas como segue abaixo:

[...] uma “escola-casa” que pretende respeitar os direitos das crianças. Assumindo como verdadeiros alguns dos supostos fatores pelos quais os alunos não permanecem nas escolas ou não obtêm rendimento adequado (desnutrição, dificuldades para a aquisição de material escolar, doenças infecciosas, deficiências de saúde – problemas dentários, visuais e auditivos) o CIEP se propõe superar esses obstáculos mediante programas de alimentação, subsídios aos pais e programas de atendimento médico-odontológico, de modo que os alunos tenham as melhores condições para aprender. (PARO, 1988, p. 20 apud ROSA, 2011, p. 56).

Abaixo segue uma figura ilustrativa da suntuosidade dos CIEPs. (Brizolão 2006, Rio de Janeiro, s/d)

Imagem 14 – Estrutura física do prédio dos Centros Integrados de Educação Pública

FONTE: www.niteroiartes.com.br/exibe_artistas.php?id

Darcy Ribeiro recuperou a crença salvacionista da escola já defendida pelas escolas monumentais e por Anísio. Nesse sentido, o projeto teve como orientação

140 espacial as zonas periféricas do Rio de Janeiro. Para Darcy, os CIEPs poderiam funcionar como um polo de modernização das periferias, irradiando projetos pedagógicos inovadores, melhoria de vida das classes populares da periferia e ser referências para as demais escolas. Para tanto, Niemeyer foi o arquiteto incumbido de projetar o desenho arquitetônico das escolas tendo em vista sua influência e reconhecimento por suas arquiteturas modernas, racionais e contemporâneas.

O prédio de um CIEP tinha em média 18 à 20 salas de aula, funcionava em tempo integral e atendia em média 600 alunos. A arquitetura completa era composta por três partes padronizadas e que poderiam variar e estarem dispostos de maneiras distintas quando implementados. São: um bloco principal de três pavimentos, uma quadra coberta polivalente e uma biblioteca. As duas plantas abaixo dão uma impressão dos pavimentos citados e das salas que funcionariam neles.

Imagem 15 - Planta dos CIEPs (pavimentos 1 e 2)

Fonte: https://germinai.wordpress.com/textos-classicos-sobre-educacao/linha-historica-da-arquitetura- escolar-do-brasil/

Imagem 16 - Planta dos CIEPs (Térreo)

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escolar-do-brasil/

Somado aos três pavimentos, o terreno no qual estavam construídos os CIEPs ainda abarcavam outros equipamentos públicos para a realização de outras atividades, como podemos ver na planta abaixo.

Imagem 17 - Representação da área total dos CIEPs

Fonte: http://www.pdt.org.br/index.php/nossas-bandeiras/educacao/mais-sobre-os-cieps/a-arquitetura/- fala-oscar-niemeyer

Apesar das influências pedagógicas da filosofia pragmatista de Anísio e a crença no caráter redentor da escola pública, a arquitetura predial dos CIEPs não incorporava o sistema platoon das Escolas-Parque. Pelo contrário, havia um descompasso entre as metodologias inovadoras herdada do escolanovismo e construtivismo e a arquitetura dos CIEPs que em certa medida reproduzia alguns elementos organizativos e arquitetônicos das escolas tradicionais. Esse descompasso entre arquitetura e pedagogia foi um empecilho na compreensão concepção educacional pragmatista dos CIEPs na comunidade escolar. Algumas práticas metodológicas em relação ao ensino- aprendizagem trazidas pela escola nova, como: a não reprovação no “novo” primeiro ciclo (último ano pré-escolar à 4° série - hoje 5° ano) que aconteciam nos CIEPs eram vistos como afrouxamento do ensino e caracterizava os CIEPs como escolas que não

142 ensinavam.

Soma-se a isso o fato dos CIEPs estarem localizados em bairros periféricos e que parte dos discursos governamentais da época associavam a política dos centros integrados de educação pública ao combate à marginalidade e vulnerabilidade infanto- juvenil. Inclusive o próprio Brizola que cada CIEPs erguida significa crianças a menos na prisão.

Segundo Cavaliere e Coelho (2003)63 esses e outros aspectos ajudaram a

estigmatizar a ampliação do tempo-espaço para crianças de comunidades carentes oferecidos CIEPs. Nas palavras das autoras, a

[...] falta de tradição de tempo integral na escola brasileira e o encaminhamento equivocado dado ao tema por alguns setores do próprio governo quando do lançamento do 1º PEE – relacionando essas escolas à crianças infratoras9 – fortaleceram a associação de idéias entre escola de horário integral e internato, reformatório e congêneres. Dessa forma, os Cieps foram estigmatizados como sendo escolas para crianças sem cuidados familiares ou semimarginalizadas (p. 153)

Assim, os CIEPs começaram a ser identificados como escolas de baixa qualidade para controlar a marginalidade dos territórios mais perigosos e vulneráveis. Esse sentido foi sendo impulsionado por gestões posteriores, intencionalmente interessadas em dar outros rumos aos CIEPs, já que as obras estavam associadas à gestão de Brizola e do PDT.

O descaso por parte das gestões anteriores desinteressadas em retomar o projeto do CIEPs no sentido de melhorá-lo buscando revigorar o projeto original fez com que os centros se tornassem “grandes elefantes brancos” nas comunidades que passaram a fazer usos os mais diversos dos espaços dos CIEPs (campo, biblioteca, centros de saúde, etc.). Sobre estas questões, Cavaliere e Coelho (2003) afirmam que os CIEPs, destoando do território onde estavam inseridos, passaram

63 Cadernos de Pesquisa, n. 119, julho/2003

143 [...] cumprir o papel de um espaço público aberto, quase sempre inexistente nos bairros periféricos, substituindo a praça, o campo de futebol ou o clube. Nem sempre as diretoras são bem-sucedidas nas tentativas desse uso. Muitas vezes, a parcela transgressora ou delinqüente da juventude local é a que lidera e Niemeyer, esbarrou na realidade de miséria e abandono das localidades em que tais escolas foram construídas, na falta de manutenção e na carência de profissionais para ocupar e gerir um espaço com inúmeras possibilidades (p. 159).

Outro aspecto que ajudou a desqualificar o projeto e distancia-lo do original foi a forma como se deu a municipalização dos prédios. Até 2004 dos 508 CIEPs erguidos nas duas gestões, 139 (mais de 28%) estavam sob a administração das prefeituras64. A

falta de estrutura de recursos humanos, financeiros e político-pedagógicos nos municípios compatíveis com a proposta dos CIEPs, teve como uma dos seus grandes impactos a manutenção da jornada integral. Manter o projeto inicial dependeria de questões que dizem respeito a uma maioria política de “lideranças locais, de ampliação dos horizontes culturais da escola e de utilização dos recursos que o prédio oferece para a dinamização e enriquecimento da experiência escolar e comunitária” (CAVALIERE E COELHO, 2003, p. 163).

Isso se expressa na queda de escolas com o turno integral nos municípios: apenas 83 das 139. Mesmas nestas, não faltaram os “famosos” ajustes no tempo e nos espaço para dar conta da ampliação da jornada, recurso antigo na história da política educacional brasileira como já vimos. Dessa maneira, alguns CIEPs

[...] apenas dobraram, precariamente, o tempo de permanência dos alunos nas escolas. Outras, em função de circunstâncias que possibilitaram a manutenção de recursos e práticas do programa original e/ou de excepcional qualidade do trabalho da equipe de professores e diretores, estão muito próximas da realização de uma escola onde permanecer o dia inteiro significa viver e aprender mais e melhor. (Ibidem, p.172).

Quase trinta anos depois da finalização do 1° PEE, podemos notar que o “efeito de exemplaridade” de modernização pretendido por Darcy que envolveu investimentos

64 Segundo dados presentes do site do PDT. Disponível em: http://www.pdt.org.br/index.php/nossas- bandeiras/educacao/mais-sobre-os-cieps/cieps-estao-longe-do-sonho-de-brizola. Acesso em: 23/02/2015

144 na casa de um bilhão e duzentos milhões de dólares (absorvendo mais de 50,00 % do orçamento do Rio de Janeiro na década de 1990), por uma série de questões marcadas principalmente pela hegemonia da pequena política (GRAMSCI, 1968) prense nas disputas ideológicas político-partidárias, não ocorreu. Na verdade, a transformação dos CIEPs em espaços quaisquer usados por universidades, corpo de bombeiros, fóruns, órgãos públicos e alojamento de crianças em situação de risco65, demonstra que houve o

inverso: “Situadas em regiões abandonadas pelo poder público, foram engolidas pelas difíceis condições sociais das localidades [...] o efeito obtido foi exatamente o contrário daquele “efeito de exemplaridade” pretendido (CAVALIERE E COLEHO, 2003, p. 152)

3.2.3 Os Centros de Atenção Integral à Criança (CAICs): tempos-espaços

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