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Como referimos, inicialmente o ensino profissional constitui um subsistema do ensino português dotado de especificidades próprias. Dentre estas destacam-se as que se referem ao modelo de ensino baseado nos “princípios psicopedagógicos social- construtivistas” (Orvalho & Alonso, 2009, p. 2999). Este modelo foi nas EP corporizado num modelo curricular de tipo modular, em que a organização do currículo é “aberta e flexível” (idem, ibidem, p. 2996), tendo como finalidade a operacionalização dos projetos educativos com vista ao sucesso dos alunos e à sua inclusão numa comunidade de aprendizagens.

Relativamente ao construtivismo, segundo Aguiar (1998, p. 107), este é encarado como “Teoria da aprendizagem e do conhecimento” na ótica de uma aprendizagem centrada no aprendente como construtor ativo do próprio conhecimento.

Neste sentido, a aprendizagem é um processo que envolve o aprendente no meio ambiente onde se desenvolvem as aprendizagens (Coll, 1997, cit. in Aguiar, 1998, pp. 152-154). Assim, o papel do professor, segundo o “construtivismo moderado”, atendendo ao envolvimento ativo do aprendente, é direcionado para as suas dificuldades e consideração pelas ideias emitidas nos contextos proporcionados para a aprendizagem (Ogborn, 1997, p. 131, cit. in Aguiar, idem, p. 108).

Esta posição relativa ao ensino e à aprendizagem originou mudanças significativas ao nível da prática docente em alguns contextos, sendo esta teoria intrínseca à natureza da estrutura modular.

O contexto favorável à criação destas escolas, e à implementação do “seu” modelo curricular que, por um lado proporcionasse mais e melhor formação, mas acima de tudo, e seguindo Marques (1993, p. 27) sejam “pólos de desenvolvimento” que despertem os agentes económicos para as suas potencialidades.

O modelo curricular referido foi tansposto para as EP de modo a proporcionar aos jovens oportunidades de inserção na sociedade e no mercado de trabalho, sendo as escolas consideradas “como uma unidade educativa capaz de integrar teoria e prática” (Azevedo, 2009, p. 23), através de uma dinâmica criadora potenciando mudanças.

Relativamente aos princípios estruturantes deste modelo (estrutura modular), destaca-se a organização do currículo e a flexibilidade, e a progressão diferenciada dos alunos no plano de estudos (Azevedo, 2009, p. 23). Além dos princípios estruturantes, três pressupostos estiveram subjacentes à criação destas escolas, que se nomeiam, seguindo Orvalho & Alonso (2009, p. 2996):

ii. o apoio personalizado;

iii. o significado formativo da avaliação.

A estrutura curricular modular, sendo uma organização do ensino, de um “outro ensino”, potenciadora de melhores aprendizagens (Alves, 1993, p. 5), assumiu-se como comunidade de aprendizagem e formação. Neste sentido, implicam-se níveis de consecução: ao nível da conceção; ao nível da realização; ao nível do contexto (Orvalho & Alonso, 2009, p. 2997). Continuando a seguir Orvalho & Alonso (idem, p. 2998), refere-se que para que o ideal da “comunidade de aprendizagem e formação” se materialize, a estrutura deve ser suportada a esses três níveis: ao nível da conceção; ao nível da realização; ao nível do contexto.

Relativamente ao nível da conceção, implicará a existência de:

i. princípios estruturantes; ii. finalidades;

iii. critérios para a organização e articulação das componentes do currículo; iv. perspetivas de desenvolvimento curricular.

Relativamente ao nível da realização, o foco passará:

i. por planificação das atividades;

ii. pelo desenvolvimento de experiências de ensino e de aprendizagem diversificadas; iii. pela possibilidade de desenvolvimento profissional dos professores;

iv. pela avaliação do processo e dos produtos da aprendizagem.

A nível do contexto, implicará uma “nova forma de pensar e organizar a Escola”, em que professores, alunos e demais comunidade educativa envolvida desempenharão novos papéis, adaptados à inovação a implementar. No que concerne aos professores, e atendendo à especificidade deste ensino e aprendizagem, deverá ser um “investigador permanente, crítico, reflexivo”, transformando o currículo produto em

currículo processo/construído (NACEM, 1993, pp. 23; 35).

Nesta aceção, corporiza-se uma rutura com o ensino centrado no professor, ensino este submetido a uma rigidez estrutural, transmissiva por excelência (desenvolvimento curricular tradicional): um modelo transmissivo, behaviorista, em oposição ao construtivismo em que o professor toma a postura de “facilitador”, sendo o aprendente o centro da aprendizagem. Desta forma, os professores adequam-se à eficiência dos princípios referidos, nomeadamente “adequar os ritmos de ensino e de aprendizagem às características e capacidades dos diferentes alunos” (Azevedo, 2009, p. 23).

A complexidade supostamente resultante de um processo de aprendizagem centrado nos alunos é resolvida no sistema curricular por estrutura modular, nomeadamente, através da organização adequada do espaço e do tempo pedagógicos.

Aos alunos é reservado o papel de refletirem acerca dos saberes e das competências, do seu próprio percurso, em cada módulo, que seguindo Orvalho & Alonso (2009, p. 2996) são “unidades significativas de aprendizagem de natureza e duração variáveis”, que combinados entre si constituem a estrutura modular.

Esta rutura com os modelos existentes proporcionou a abertura a uma frente inovadora, caracterizada fundamentalmente pela ideia, e pela sua aplicabilidade, de desenvolvimento de uma escola mais inclusiva, em que a centralidade do ensino é o aluno.

Este modelo curricular de tipo modular tem como finalidade a operacionalização do projeto educativo com vista ao sucesso dos alunos e à sua inclusão numa comunidade de aprendizagens. No sentido de desempenho de papéis adequados à eficiência do desenvolvimento dos princípios enunciados, e no que se relaciona com os professores, Orvalho & Alonso (idem, p. 2998) referem:

A intervenção dos professores na planificação e no desenvolvimento curricular, no quadro de uma nova ciência de acção pedagógica e de uma nova ética da decisão educativa, determina, em grande parte, a forma de entender as suas competências, e deste modo, a possibilidade de um trabalho livre e criativo de concepção pedagógica e de inovação curricular, mais adequado às necessidades de cada contexto.

O sistema de ensino, “sistema modular”, tendo por base os princípios socialconstrutivistas, visa:

i. corresponsabilizar os alunos pelos seus itinerários formativos, favorecendo a aquisição de confiança e autonomia;

ii. inovar, no aspeto pedagógico, através de soluções flexíveis adequadas a cada escola, a cada curso, aos alunos, por intermédio de recursos diversificados disponibilizados por cada escola e pela comunidade participante;

iii. potenciar o sucesso educativo, através da efetiva aquisição de saberes e de competências;

iv. desenvolver nas escolas competências e ambientes pedagógicos fundamentados, autónomos, flexíveis e criativos.

(Orvalho, 2003, cit. in Azevedo, 2009, pp. 23-24)

Neste sentido, sendo a ideia originária deste modelo de ensino proporcionar aos alunos a frequência e uma vivência numa escola inclusiva (ou mais inclusiva), na medida em que os métodos de ensino deverão ser ativos, com estabelecimento de diálogos, estimulando-se a imaginação e o sentido crítico, dando-se especial ênfase a uma aproximação curricular às suas necessidades (processo de ensino e aprendizagem partilhado e adaptado aos seus interesses), respeitando-se a diversidade de ritmos e de situações de ensino e de aprendizagem, o que se revelou complexo de colocar em prática (Azevedo, 2009, p. 24). Ao aluno está reservado, entre outros, um papel de diferenciação pessoal, de gestor do seu percurso num contexto de progressão escolar,

que é uma progressão de sucesso pois todas as aprendizagens serão consideradas na avaliação (Marques, 1993, p. 48).

No “ambiente” de estrutura modular, com a possibilidade de integrar módulos transnacionais, bem como integrando módulos que se destinam à promoção de “métodos de auto-avaliação aprendizagem” a perspetiva profissional do professor seria um desafio (idem, ibidem), que se tornou complexo.

Neste contexto inovador, da aceção de escola, em que o aluno é o centro da aprendizagem como interpretar os “famigerados” módulos em atraso, ou seja o insucesso que se verifica, pois nem todos cumprem todos os objetivos? Seguindo Orvalho & Alonso (2009, p. 3003):

O insucesso dos alunos (com módulos em atraso) advém de uma progressão e avaliação que não respeita os princípios psicopedagógicos da estrutura modular. Dentro de um paradigma tradicional centrado essencialmente no programa, a progressão é uniforme, massificada e massificante, tratando todos os alunos como iguais, percorrendo ao mesmo tempo os patamares do plano de estudos. Na estrutura modular o ritmo de progressão deve ser sobretudo determinado pelas aprendizagens de cada aluno, pelo que é necessário criar dispositivos pedagógicos e organizativos que permitam a efectivação de uma progressão diversa, individualizada e flexível.

O modelo curricular que está na base de criação das EP sendo um modelo potencialmente dirigido ao sucesso centra-se nas aprendizagens reais, pelo que o apoio aos alunos é personalizado, promovendo-se uma progressão diferenciada, valorizando- se uma integração de saberes (Azevedo, 2009, p. 23).

Dos princípios originários do construtivismo, que estão na base do desenvolvimento curricular em estrutura modular, nomeiam-se:

i. a pluridimensionalidade (três componentes de formação, interligadas, valorizadoras da aquisição de competências, de valores, de atitudes, de saberes);

ii. a diversidade;

iii. a flexibilidade (organização do currículo e flexibilidade);

iv. a confluência (desenvolvimento e apropriação do maior número de saberes previstos numa lógica de uma aprendizagem significativa);

v. a progressão diferenciada dos alunos no plano de estudos.

(NACEM, 1993, p. 25; Orvalho, 2006, p. 8; Azevedo & Vieira, 2008, pp. 54-55)

Destes princípios, para Azevedo & Vieira (2008, p. 54), destaca-se o da diversidade: “O princípio da diversidade é o ponto de partida da concepção construtivista”, ou seja, diversidade no ensino ajustado aos diferentes ritmos de progressão dos alunos.

Como referido no Capítulo I, a especificidade do ensino profissional, ministrado em EP, contempla a frequência de estágios (FCT) e a realização de uma PAP integradora dos saberes adquiridos no ciclo de formação (três anos).

Ainda seguindo Azevedo (2009, p. 24), a articulação prevista no diploma fundador destas escolas, entre as organizações sociais e o mundo do trabalho, seria mais imediata do que aquela que se tem abordado, ou seja, mais fácil de implementar do que o relacionamento do ensino com a aprendizagem baseado nos pressupostos enunciados.

Nesta complexidade, porque o modelo era inovador, e exigia um quadro de professores motivados e com potencialidades para esta mudança, o papel dos professores, a sua perspetiva curricular e profissional, era uma perspetiva de adaptação a uma mudança, a uma rutura com o modelo instituído no ensino regular, de onde ele é originário, exigindo-se que se adaptasse, e também formando, para as competências:

i. técnicas; ii. pedagógicas;

iii. de relação (conhecimento) com os setores de atividade; iv. competências sociais.

(Marques, 1993, p. 53)

Em síntese, da perspetiva curricular e profissional no ensino profissional que se descreveu, ressalta a natureza específica deste modo de olhar o aprendente nas suas múltiplas facetas, considerando-o como efetivo sujeito de aprendizagem, portador de conhecimentos. Para que tal se verifique, posturas diferentes e diversificadas são adotadas, criando-se as ruturas, possíveis, com o instituído, reinterpretando-se o currículo, construindo-o e reconstruindo-o, disseminando-o numa ótica de processo, apesar de todas as dificuldades inerentes, que passam, desde logo, pelo papel do professor que dirige o processo de ensino.