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Associação do currículo às exigências da “escola de massas” e suas consequências

CAPÍTULO II – Currículo e desenvolvimento curricular

2.4. Associação do currículo às exigências da “escola de massas” e suas consequências

Os conceitos de currículo, e as visões associadas às diversas teorias interpretativas, e a sua aplicabilidade ao aprendente e à escola, foram-se desenvolvendo e operacionalizando através das políticas educativas, em Portugal, de que foram mais marcantes as da emergente reforma do sistema no início da década de 1970, a denominada ”Reforma Veiga Simão”, e em finais da década de 1980, a Reforma de 1989-90 (conhecida por Reforma Roberto Carneiro) que decorreu da publicação da LBSE de 1986. Estas reformas confrontaram-se com problemas novos, um dos quais, e central, a necessidade de adaptar as políticas às exigências políticas e sociais de uma escola para todos: a “escola de massas”, resultante da extensão e alargamento da escolarização universal.

Como anteriormente abordado (numa perspetiva histórica), no Capítulo I, a LBSE reordenou o sistema educativo português proporcionando uma reforma em que o acesso a uma escolaridade obrigatória de nove anos com currículo comum pudesse ser uma aspiração da população portuguesa.

A abertura operada na escola portuguesa originou um acesso indiferenciado de crianças e adolescentes portadores de culturas distintas com educações variadas, aptidões, motivações e interesses diversos e diferentes necessidades e projectos de vida. Esta diversidade provocou uma reflexão acerca da própria natureza do currículo, que sendo uniforme, e centralmente produzido, não correspondia às exigências emergentes desta escola de massas, tipificadas como “menos instruídas”. Para esta nova população escolar o modelo tradicional de transmissão de conteúdos revelava-se inadequado, originando insucesso. (Formosinho in Machado & Gonçalves, p. 7).

A abordagem tradicional da escola “centrada nas disciplinas e aprendizagens formais” caracterizava o modelo curricular academicista. Tratava-se de uma escola centrada nas exigências do Programa, na palavra e ação transmissiva do professor (Zabalza, 1997, p. 86; 111-112).

Esta uniformidade, de cariz e origem central, colidia com a generalidade das crianças e dos jovens que chegavam à escola pública. Como referido, da nova realidade estabelecida a partir dos anos 70 da década de 1970 houve necessidade de se adaptar a escola, inicialmente através da implementação de um “modelo tecnológico” (escola centrada na eficácia), ou através do “paradigma tecnológico” (a didática numa relação

triangular entre objectivos, conteúdos e métodos) (Zabalza, idem, p. 111; Formosinho in Machado & Gonçalves, p. 8).

Nesta ótica de massificação do acesso ao ensino emergiu um desenvolvimento curricular para estas lógicas de escolarização geral, ou seja, uma necessidade de promover novos conceitos que se ajustassem à escola pública em ascenção, como referido em pontos anteriores.

A rutura com as “lógicas curriculares uniformistas” verificada nos sistemas de ensino terá como resposta “lógicas contextuais”. Estas lógicas operacionalizar-se-ão na necessidade de mudança em dois domínios:

i. a reconceptalização da escola enquanto organização curricular crescentemente autónoma;

ii. a modificação da forma de estar e agir dos profissionais docentes.

(Roldão, 2000, pp. 81-92)

Nesta lógica elencam-se as vertentes de transformações da escola face à massificação do ensino:

i. “a natureza da escola enquanto instituição”;

ii. “a crescente inadequação da resposta institucional da escola às necessidades e à natureza do seu público”;

iii. “o questionamento da função da escola face ao crescimento, complexificação e acessibilidade da informação e dos saberes”.

(Idem, ibidem)

Estas vertentes contemplam a especificidade geradora de dinâmicas próprias (da escola e do professor), variáveis no tempo, pois incluídas no tecido sociopolítico de cada época. Encara-se a escola como a instituição responsável por assegurar a transmissão articulada e sistematizada (finalidade curricular) de um certo número de saberes reconhecidos como necessários ao desempenho social no contexto. Neste sentido a escola é considerada como uma instituição responsável pela passagem de saberes, bem como responsável pelos “processos que conduzem à aprendizagem” (desenvolvimento curricular da finalidade). Nesta aceção a escola é uma instituição curricular “cujo corpus definidor é o currículo” (Roldão, 2000, pp. 81-92).

Encarado desta forma, o currículo (corpus comum) permite assegurar diversidade de percursos tendo em consideração a função da escola. Como não se verifica a resposta institucional adequada que satisfaça este público uma vez que a instituição não se encontra preparada para uma população tão diversificada, o reflexo desta inadequação é o insucesso escolar e a indisciplina. Esta crescente inadequação da escola face aos desafios da atualidade, alicerça-se na:

ii. dominância de metodologias apresentativas/enunciativas nas práticas escolares; iii. conformidade com o manual;

iv. organização dos grupos, dos saberes, dos espaços e dos tempos; v. organização do trabalho.

No seguimento do pensamento de Roldão, e criando um substrato teórico complementar que nos permita analisar e retirar conclusões relativamente ao observado, e relativamente às perceções dos intervenientes no estudo empírico efetuado, situado num currículo de estrutura modular, procura-se relacionar as práticas que preconiza este modelo com a teoria da aprendizagem significativa, baseando-se esta visão numa “teoria cognitivista”, segundo a visão de Ausubel (Orvalho, NACEM, 1992, p. 17).

A “escola de massas” já referida originou a necessidade de que o papel do professor se ajustasse, designadamente no que se refere à promoção de uma “aprendizagem significativa”, que tendencialmente abrangesse a totalidade dos alunos, uma vez que a massificação originou uma “diluição” da atenção dos professores para com esta aprendizagem, diluição esta materializada numa menor implementação que subsequentemente originou uma menor concretização.

A aprendizagem significativa (a perspetiva cognitiva da aquisição e retenção de conhecimentos, “ancorados” a conhecimentos prévios) tem como pressupostos a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel, (cit. in Moreira, 2012, p. 29), considerada por Moreira como atual, apesar deste autor considerar que na maioria das escolas esta aprendizagem não é implementada, sendo desvirtuada, pois a aprendizagem continua a efetuar-se nos moldes “tradicionais” de tipo mecânico e com apelo à memorização. O ensino baseado nesta aprendizagem pressupõe considerar os conhecimentos que o aprendente é portador (conhecimentos prévios, em geral facilitadores de aprendizagens, mas que poderão ser bloqueadores num contexto de aprendizagem de conceitos mais complexos, ou que exijam perceções mais abstratas), que faz parte da sua “estrutura cognitiva” religando-os com novos conhecimentos relevantes para as interações específicas que se desenvolverão na sala de aula, ou em outros ambientes não formais de aprendizagem (Moreira, 2012, pp. 29-36).

No sentido de se poder contrariar a inadequação da escola de hoje, promovendo- se uma mudança para uma dimensão globalizante, tal só será possível quando a instituição escola for considerada “como uma organização virada para a construção e apropriação do conhecimento” e em simultâneo considerada como uma “organização curricular” aos diversos níveis de decisão: meso, macro, micro (Roldão, 2000, pp. 81- 92).

A massificação do ensino com as suas consequências explicitadas, permitiu o advento de um subsistema de ensino específico, o ensino profissional, segundo uma lógica modular, no final de 1980 (já referido no Capítulo I), que se evidenciou como uma via de ação curricular que dava respostas significativas às necessidades de escolarização de muitos jovens, e que se caracteriza no ponto seguinte a nível dos pressupostos psicopedagógicos que estiveram na base da criação das EP.