• Nenhum resultado encontrado

Origem do conceito de currículo na evolução dos sistemas para lógicas de escolarização

CAPÍTULO II – Currículo e desenvolvimento curricular

2.2. Origem do conceito de currículo na evolução dos sistemas para lógicas de escolarização

Como se referiu no Capítulo I as políticas de educação observadas na baliza temporal em estudo foram diversas, e aplicadas às escolas, escolas com as suas especificidades próprias, que nem sempre foram valorizadas, ou mesmo salientadas, nesse período de tempo.

O conceito de currículo é parte integrante de qualquer política de educação. Este é encarado como a realidade central de qualquer sistema orientado para a aprendizagem, revelando-se à medida que entra em processo, ou seja, concretiza-se e expressa-se no desenvolvimento curricular (Gaspar & Roldão, 2007, p. 13). As tendências das diversas teorizações e consequentes definições de currículo, quando olhadas cronologicamente

privilegiam o currículo no aspeto do seu desenvolvimento na escola, como referem as mesmas autoras:

algumas destas definições já anunciam o seu vínculo a espaços de aprendizagem, independentemente da sua institucionalidade, pelo que se afirma o currículo a ocupar o centro da aprendizagem, seja qual for o tipo de educação ou o nível, regime e modalidade de ensino em que a aprendizagem se realiza.

(Idem, p. 23)

Para John Dewey, um dos teorizadores essenciais do campo do currículo que escreveu no final do século XIX e início do século XX, o currículo assume duas funções básicas em simultâneo: consciencializa socialmente o indivíduo e determina a vida e o trabalho na organização escolar, ou seja, a escola assume uma “relevância” decorrente de que a ação da escola é de natureza curricular (cit. in Roldão, 2013, pp. 15-16). Esta relevância de uma “visão” educacional “inscrita” no social provocou alterações da forma de olhar a escola e o currículo, nomeadamente, no sentido de uma aprendizagem segundo a qual as pessoas devem ser integralmente formadas, se coexistirem numa sociedade democrática: a educação como essência da vida. Neste sentido o currículo escolar proporcionaria os meios para esta educação, numa ótica humanista (Dewey, 1916, cit. in Roldão, 2016).

Ainda nesta ótica da função social, o currículo constituir-se-ia “apenas” como uma “seleção simplificada do conhecimento complexo” que seria ordenada. Assim, a Educação era “um elemento da vida” em permanente crescimento (idem, ibidem).

Relativamente à aprendizagem preconizada por Dewey (idem, ibidem), destaca- se:

i. aprender a pensar a partir de problemas gerados na experiência; ii. aprender por descoberta.

Numa análise cronológica verificam-se tendências que resultam das diversas conceções de currículo que privilegiam objetivos, conteúdos, processos ou contextos, estes interpretados numa ótica da cultura, dos valores, da prática profissional e como construção social.

Assim, nota-se que a ênfase vai variando, e muitas vezes estas prevalências são cumulativas.

Sintetizando, Gaspar & Roldão assinalam alguns passos:

i. a ênfase nos objetivos, só é observável tardiamente, sobretudo entre 1977 e 1990 (Johnson e Carrilho Ribeiro);

ii. nos conteúdos, é predominante, verificando-se entre 1918 e 1990 (Bobbitt e Carrilho Ribeiro);

iii. nos processos, mais tardiamente, mas antes da ênfase nos objetivos, entre 1957 e 1998 (Smith, Stanel and Shores e Wils et al.);

iv. nos contextos, de igual forma de um modo recente, entre 1975 e 2002 (Lawton e Young).

(Gaspar & Roldão, 2007, pp. 19; 25)

Por outro lado as posições quanto ao currículo podem situar-se na relação currículo-ensino (ou instrução) ou na dualidade currículo-processo.

Na perspetiva dualista currículo-ensino, para Bruner (1999, p. 50) a “mestria cognitiva ou intelectual é recompensadora” e assume que tal se verificará quando o aprendente reconhecer na aprendizagem um papel cumulativo, de enriquecimento acrescido. Acerca do papel do professor, nestes modelos de cariz mais tecnológico, refere que:

em educação, não nos interessa saber como aprendem os sujeitos, para conhecer em maior profundidade o referido processo (coisa que cabe aos modelos explicativos, conceptuais, racionais), mas para que, a partir deste conhecimento, possamos intervir sobre a aprendizagem com maiores garantias de eficácia (modelos tecnológicos: „modelos para‟).

(Cit. in Zabalza, 1997, p. 86)

Numa outra perspetiva dualista, mas agora numa ótica do currículo-processo, numa visão dinâmica construtiva e não apenas técnica, o currículo é olhado como uma reconstrução do conhecimento e experiência, sistematicamente desenvolvidos na escola de forma a que o estudante se aproprie de conhecimento e de experiência (Gaspar & Roldão, idem, p. 22).

Destas reflexões, acerca de definições de currículo, é possível identificar diferentes conceitos de currículo: de uma ideia de plano (eixo estruturante do currículo), ao inovador eixo projeto.

O eixo estruturante plano contempla um enfoque principal nas ênfases já enunciadas, e sistematizadas, de forma a corporizarem os seguintes conceitos de currículo:

i. conjunto de resultados de aprendizagem; ii. conjunto de conhecimentos;

iii. processos de aprendizagem;

iv. contextos (meios, materiais, ou ambientes onde se realizará a aprendizagem).

(Gaspar & Roldão, pp. 26; 28)

Ao conceito de currículo como processo estão associados sobretudo “processos de aprendizagem”, sendo o currículo um processo interacional cuja mediação do

professor passa por um questionamento e pensamento reflexivo, transpondo o conteúdo para a situação de aprendizagem (mediação), enquanto a função do docente estará associada ao desenvolvimento de características pessoais, à promoção de relações sociais, ao possibilitar de vivências efetivas, ao motivar e ao ancorar a aprendizagem.

Uma abordagem integradora do currículo está intimamente relacionada com o desenvolvimento curricular. Da sua importância como “unidade” de estudo resultaram as especializações que visam dar contributo para uma compreensão mais abrangente do tema, mesmo que para se atingir tal limiar de compreensão tenham surgido especializações: a teoria curricular; a história do currículo; a inovação curricular; a investigação curricular; o desenvolvimento curricular (Gaspar & Roldão, 2007, p. 30).

No conceito de currículo, para Formosinho, estão subjacentes tomadas de decisão acerca dos objetivos, acerca dos conteúdos, acerca da avaliação, pelo que será redutor assimilar o conceito de currículo a um mero cumprimento dos programas. Estas decisões, no contexto de um currículo encarado de um modo tradicional, poderão ser tomadas a nível das disciplinas (conhecimentos e as atividades realizadas no decurso das aulas, que valorizam a componente académica do currículo), ou a nível das atividades educativas programadas pela escola (nas aulas ou não, que valorizam, entre outras, as componentes culturais e sociais do currículo escolar) (Formosinho in Machado & Gonçalves, pp. 9; 43).

O desenvolvimento curricular “em situação” tem em consideração aspetos, elementos situacionais”, em especial relacionados com condições pessoais, sociais e culturais das crianças e jovens que tiveram oportunidade de acesso à escolarização (os aprendentes), no contexto da escolarização de massas. Neste contexto de ensino e de aprendizagem realça-se a importância das organizações onde este trabalho é produzido, bem como as interações produzidas nesta “situação”.

Ao enunciar esta contextualização, o eixo currículo como projeto surge com atualidade ao considerar-se como um conceito integrador dos conceitos de currículo e de um desenvolvimento curricular “em situação” porque, por um lado, embora no plano da operacionalização técnica, continue a ser correlacionado com o conceito de currículo

plano, por outro desenvolve-se na ação na ótica de adequação às situações particulares

que vão surgindo. A contextualização referida existe porque se verifica no contexto diário da organização onde é desenvolvido o trabalho escolar nos seus diferentes planos: escola, docente/s e aula, interações entre pares, relação com instrumentos de trabalho e estudo. (Gaspar & Roldão, 2007, pp. 119-120).

2.3. Visões de currículo – influência de teorias técnicas, teorias práticas e teorias