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O papel profissional do professor que se pretende abordar neste capítulo, no sentido de verificar se nas escolas em que observamos aulas tal papel é percecionado, ou seja, se ser professor hoje é uma profissão possível (profissão porque e enquanto dotada de características distintivas), ou em contrário, o professor hoje continua a desempenhar um papel meramente funcional, sem poder, sendo um executante de um currículo prescrito em que a “norma” do estabelecimento de ensino “escola” constitui-se no regulador por excelência: apresentação de matéria; realização de testes; controlo dos comportamentos (Roldão, 1999, p. 14).

A identidade do professor associada ao seu padrão de profissionalidade docente, variável ao longo do tempo, com o consequente prestígio social, grande e não contestado, historicamente baseou-se durante muito tempo no domínio do saber inerente às disciplinas escolares que lecionava, por um lado, e por outro, por um poder que lhe advinha de ser o transmissor do saber (Roldão, 1998,pp. 79-87).

A natureza da “identidade do professor” está em mutação, não sendo de todo alheia a uma certa descrença pela escola atual, uma crise de legitimidade que segundo Canário resulta de “um público escolar cada vez mais diferenciado (1999, p. 17), e pelos seus protagonistas se quando comparado com o estatuto que lhes advinha do passado. O acesso ao conhecimento generalizou-se, na segunda metade do século XX. Como já referido para o caso português, emergindo na modernidade outras formas de o adquirir, mas numa escola “modelada” ao passado no sentido de ser considerada uma estrutura curricular e organizacional uniformista, não adaptada à modernidade (Roldão, 2013, p. 17).

Para Roldão “o exercício da função do professor mudou” (1998, pp. 79-87) mas no essencial, naquilo que caracteriza a profissão, a função essencial não mudou, pois a necessidade da existência social de professores resulta, para esta autora, da assunção implícita de que “ensinar significa fazer aprender” (idem, pp. 79-87).

Os pressupostos que contextualizam este exercício da função de professor são:

i. o professor define-se como um profissional da educação;

ii. qualquer profissionalidade incorpora a sua história e interage com quadros sociais dinâmicos e evolutivos;

iii. a profissionalidade implica a construção colectiva de uma cultura profissional que define a pertença do profissional ao grupo.

No plano sociológico, um profissional –ou a profissionalidade de uma atividade– define-se por um conjunto de caracterizadores, de que se destacam: uma função, um saber específico, o poder sobre a ação, bem como uma reflexividade. Para se caracterizar um professor como profissional da educação, numa ótica de profissionalidade, esta terá que ser contextualizada e analisada a forma como se operacionaliza.

Quanto a estas vertentes, o estatuto do professor foi, ou ainda será, difuso, constatando-se, no entanto, mudanças na “profissão professor”. Historicamente portador de ambiguidades no sentido de “representação social” (Roldão, idem, ibidem) na medida em que é associado, num determinado tempo a um estatuto de funcionário, de um técnico, ou mesmo de um missionário no sentido de que a sua missão esteve relacionada com uma vocação.

O ato de ensinar, no contexto da presente investigação, será analisado para situar de que forma se constitui ou não o aprendente como centro da aprendizagem, que, num contexto de pedagogia contemporânea, implicaria uma escola “centrada na aprendizagem”. Sendo o foco na aprendizagem esta pressupõe alunos e conhecimentos: um patamar comum de conhecimentos que seja adquirido por todos, pois só desta forma é inclusiva e promove o sucesso (Nóvoa, 2007, pp. 6; 8).

Assim, ensinar num ambiente de socioconstrutivismo, matriz que inspirou a estrutura modular das EP, como referiremos no capítulo seguinte, significará “facilitar a aprendizagem”, através de metodologias adequadas a cada contexto de modo a que todos os alunos possam adquirir e cumprir os objetivos de aprendizagem, devendo o professor ser o responsável pela construção dos saberes pedagógicos, construção esta feita “a partir das necessidades pedagógicas postas pelo real” (Bragagnollo, 2004, p. 20).

O ato de ensinar num contexto curricular em que a gestão da escola se corresponsabiliza, articulando o currículo central com a autonomia “permitida”, operacionalizando-o de uma forma contextualizada (o binómio curricular), através de projetos (“programas de ação orientados para o contexto”) será, em grande parte,

concretizada em projetos próprios de cada escola, desejavelmente adequados a cada grupo de alunos, no sentido de melhorar o nível e qualidade das aprendizagens curriculares pretendidas para todos.

(Roldão, 2015, pp. 9; 13)

A segunda vertente inerente à profissionalidade docente centra-se no reconhecimento do saber específico do professor, saber este, no contexto em que se

desenvolve a presente investigação, entendido como o que é requerido para saber ensinar, em rutura com o ensino tradicionalmente focado no professor considerado um transmissor do seu conhecimento enquadrado nas “matérias” a lecionar. Trata-se, pelo contrário, de um saber específico da profissão, que constituiriam o “saber educativo” (nos domínios científico, pedagógico e organizativo), saber este que segundo Canário também resulta de uma aprendizagem que os professores fazem na escola sendo este exercício do trabalho docente “o pólo decisivo do processo de produção da profissionalidade (Canário, 1999, p. 1).

Esta “função” e este “saber” serão fonte de poder, enquanto elemento decisor, uma vez que sustentam o domínio sobre a ação, podendo ou não alterá-la, podendo ser inovador, neste contexto em estrutura modular, podendo estabelecer, de acordo com os aprendentes, diversas formas de avaliar.

Ainda seguindo Roldão (1998, pp. 79-87) a profissionalidade docente implicará, se considerada de uma forma “não tradicional” uma reflexividade acerca da função a desempenhar, ou quando está a desempenhar, adequando estratégias à população-alvo, ou, no limite, a cada aluno, pois possui “saber” que lhe permitirá agir desta forma, com lucidez, escutando e estabelecendo “formas de metacognição com os alunos (comunicação sobre os processos de aprendizagem)” (Canário, 1999, p. 17), promovendo trabalho de cooperação entre os alunos (Nóvoa, 2007, p. 9).

A ação do professor, abordada numa dimensão curricular de organização do ensino, num sentido mais vasto, e menos tradicional (para além da planificação e da avaliação), exigirá por parte do profissional de ensino uma reflexividade de acordo com cada aprendente, numa escola massificada, no sentido de os orientar para a aprendizagem, ou seja, de “fazer aprender” a diversidade de crianças e de jovens que passaram a ter acesso à escola (Roldão, 2009, p. 25).

A mudança que se referiu, e que é possível colocar em prática em EP, dotadas de projetos curriculares inovadores, como referido, tem aplicabilidade no currículo pois pretende-se que todos aprendam, que haja “inclusividade”, que os aprendentes sejam motivados para uma autoaprendizagem e auto-regulação, que se desenvolvam projetos integradores de variados saberes.

Neste sentido o professor deverá promover, interiorizando, uma relação entre o seu desempenho e o currículo, relacionando o que pretende que todos aprendam (será um “gestor do processo curricular”), num centro de decisão educativa que é a escola e a comunidade educativa, sendo que para tal será necessário todo um trabalho colaborativo

entre pares (Roldão, 1998, pp. 79-87), e dinâmicas colaborativas em que os intervenientes assumam uma partilha de visões que consideram como sendo de natureza comum de modo a alcançarem objetivos comuns (Alarcão & Canha, 2013, pp. 40; 45; 50).

Por outro lado, Nóvoa (2009, p. 12) considera este trabalho colaborativo fazendo parte da profissionalidade docente, construída no interior da “pessoalidade do professor”, como “dimensão colectiva” de participação nos projetos educativos de escola, organizando-se na escola e para além desta, através de dinâmicas pedagógicas. Assim, o currículo considerado como “corpo de aprendizagens” a que todos devem ter acesso, num tempo e num contexto (Roldão, 2015, p. 9).

Perseguindo nesta linha colaborativa entre pares, integrada no próprio desenvolvimento das escolas em interação com o desenvolvimento dos seus profissionais, articulando-se o papel profissional do professor e sua relação com o currículo será necessário,

conceber o desenvolvimento institucional ou organizacional como um processo estratégico, que envolve a observação da vida da organização e a identificação e estudo de problemas ou questões com ela relacionados e tidos como cruciais, a subsequente planificação e implementação de modos de intervenção nessa realidade e o início de um novo ciclo de reflexão em que interagem observação da prática e intervenção sobre a prática.

(Alarcão e Canha, 2013, p. 55)

Nestes pressupostos, de um papel profissional do professor em mutação, e sua relação com o currículo, o aprendente beneficiará de uma aprendizagem melhor, mais consolidada, com maior abertura à mudança e em que todos conseguirão desempenhar os seus papéis numa sociedade em mutação acelerada, designadamente, a nível das tecnologias.