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CAPÍTULO 2 – VOLTANDO O OLHAR PARA O CAMPO DE INVESTIGAÇÃO

2.2 A Pesquisa Qualitativa de Cunho Etnográfico

Nesta seção, apresento os princípios que norteiam a etnografia, que é a metodologia de pesquisa adotada para este trabalho.

A perspectiva etnográfica (Erickson, 1984 e 1986) foi considerada adequada para a pesquisa que gerou esta tese pelo fato de auxiliar na compreensão, de modo mais aprofundado, do que ocorria em uma escola inclusiva que conta com alunos surdos.

O sentido literal da palavra etnografia significa “escrever sobre as nações” – grafia vem do verbo grego ‘escrever’ e ‘etno’ tem sua origem também em um substantivo grego que indica ‘nação’ ou ‘tribo’. Cabe destacar que, para Erickson (1984: 52) é a unidade de análise ‘etno’ que é importante para o pesquisador, pois pode ser entendida como uma rede social que forma uma entidade corporativa na qual relações sociais sejam regidas por hábitos.

Para o autor (op. cit.), o que faz um estudo ser considerado etnográfico é o fato de ele tratar uma unidade social de qualquer tamanho como um todo, além de retratar eventos do ponto de vista de vários atores neles envolvidos. Nesse caso, uma escola, ou mesmo uma sala de aula, são unidades sociais que podem ser descritas etnograficamente. Nessa unidade de análise, a escola inclusiva, o pesquisador tem diante de si membros de uma sociedade complexa que têm direitos e deveres estabelecidos – professores, alunos e funcionários, todos têm papéis pré-definidos.

Assim, para a presente pesquisa, a etnografia mostrou-se ideal por permitir que os eventos e interações entre os diversos participantes, ocorridos nos diferentes ambientes da escola, fossem cuidadosamente observados. Isto porque, conforme apresentado por Erickson (op. cit.), ao adotar uma abordagem etnográfica, é necessário, em primeiro lugar, que o pesquisador tenha em mente a natureza arbitrária de comportamentos que parecem comuns. Muitos eventos que ocorrem no dia-a-dia parecem sem importância. Entretanto, o cotidiano, por vezes, nos cega e não vemos aspectos importantes que, sem uma investigação mais criteriosa, passam despercebidos. Para evitar essa situação, segundo o autor, o pesquisador deve tentar compreender as interpretações dos atores da pesquisa, tornando o que é familiar

estranho, questionando o convencional e examinando o óbvio. Para Erickson (2001:13),

“(...) parte da responsabilidade do pesquisador é ir além do que os sujeitos do grupo pesquisado entendem de maneira explícita, identificando os sentidos que estão fora do alcance da consciência desses atores, e revelando o currículo oculto de modo que ele possa ser visto de modo crítico por professores”.

Em segundo lugar, o pesquisador deve estar atento para o fato de que leva consigo, para o campo, seus questionamentos explícitos ou implícitos, preconceitos, pontos de vista, visão de mundo (op. cit.: 60). Isso quer dizer que nenhum pesquisador vai ‘puro’ ao campo, principalmente quando se encontra diante de pessoas que lhe parecem ‘estranhas’. Nesse ponto, o pesquisador pode ser pego em uma armadilha perigosa, pois ele pode se ver em uma unidade social que lhe parece familiar – a escola, mas diante de pessoas que não conhece e tampouco entende. E, inevitavelmente, suas dúvidas e visões de mundo vão sendo reveladas, mesmo que de modo inconsciente.

Para entender o sujeito/objeto de pesquisa, o pesquisador deve, então, tornar o estranho familiar, para que ele possa ser retraduzido no final (Erickson, 1986; Cavalcanti, 2000 e Amorim, 2001). Um dos desafios que me foi colocado como pesquisadora no presente trabalho foi o de entender esse outro – o surdo – no contexto da escola inclusiva, as interações que eles têm com os ouvintes e os porquês dos pontos de vista dos diversos participantes.

Winkin (1998:132) segue linha de pensamento similar, ao afirmar que os desafios da pesquisa etnográfica são aqueles que classifica como: (a) saber ver – que se traduz pela desconfiança que o pesquisador deve ter dos eventos que parecem familiares; (b) saber estar com os sujeitos da pesquisa, com o outro, com o diferente e, finalmente, (c) saber escrever.

identificar o significado das ações de acordo com os pontos de vista dos vários atores envolvidos no processo. Para o autor, esse tipo de pesquisa envolve: (a) participação intensiva no contexto escolhido; (b) gravação cuidadosa do que ocorre no ambiente através de notas de campo ou outras evidências documentadas (em minha pesquisa, registros e gravações em áudio), e (c) reflexão analítica dos registros documentados e relatos obtidos através de descrição detalhada, usando pontos de entrevistas e anotações.

Por sua vez, Van Lier (1990) advoga o uso da etnografia na pesquisa de sala de aula pelo fato de o nosso conhecimento atual do que ocorre nesse contexto ser extremamente limitado bem como de o aumento desse conhecimento mostrar-se relevante e válido. Porém, isso só pode ocorrer quando coletamos e interpretamos dados na própria sala de aula, isto é, no contexto onde eles ocorrem, contexto esse que não é simplesmente lingüístico ou cognitivo, mas essencialmente social.

Tendo por base a caracterização feita por Creswell (1994), Merriam (1988) define a pesquisa qualitativa como aquela que tem:

 foco no processo mais do que no resultado e produto;

 interesse no significado – na percepção que os indivíduos têm do mundo e sua experiência de mundo;

 interesse no sujeito de pesquisa e não no objeto;

 um pesquisador que participa do campo de pesquisa;

 um pesquisador que tem interesse no significado;

 um processo indutivo – o pesquisador constrói abstrações, conceitos, hipóteses e teorias a partir de detalhes.

Com base nesse elenco, posso afirmar que esta pesquisa se caracteriza como qualitativa, de cunho etnográfico.