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CAPÍTULO 4 – A ESCOLA INCLUSIVA: LUGAR DE CONSTRUÇÃO DE

4.2 As Identidades Surdas

Assim como não há uma única cultura surda, conforme apontado no Capítulo 3, a identidade do sujeito surdo é diversa. Fica evidente, desse modo, que podemos falar sobre múltiplas identidades surdas, tema abordado por vários autores, dentre os quais destaco Hall (1997) e Perlin (1998 e 2006).

Hall (op. cit.) acredita que em situações diferentes o sujeito assume posturas diferentes, pois as identidades não são unificadas e, em muitos casos, apresentam-se até de maneira contraditória. Tendo por base essa linha de Estudos Culturais, vejo a identidade, que está muito ligada ao conceito de representação, como aquelas características, definidas historicamente e não biologicamente, que se atribuem aos diversos grupos sociais. Segundo os estudos de Hall e da Silva, o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos e, dentro de nós, há identidades contraditórias. A identidade muda de acordo com o modo como o sujeito é interpelado.

Ao tratar especificamente de identidades surdas, Perlin (1998) segue a mesma linha de pensamento. Para a autora, as múltiplas identidades surdas resultam da formação discursiva às quais os surdos estiveram ou estão submetidos. À medida que sua formação discursiva se aproxima de questões da cultura surda, eles se identificam com essa cultura e maior é o fortalecimento da identidade surda. Por outro lado, quanto mais próxima da ideologia ouvintista, mais a formação discursiva dos surdos estará distante das questões culturais surdas, e menos fortalecida estará a identidade surda.

Ao discorrer sobre identidades surdas, Perlin (op. cit.: 26) enfatiza que elas não são todas iguais e identifica quatro tipos:

1. identidade surda – é politicamente estabelecida dentro de uma representação que contém mais diretamente a assimetria dessa identidade, já que o sujeito incorpora, em maior ou menor grau, essa representação em grau mais elevado; essa identidade é representada principalmente por líderes de movimentos surdos;

2. identidade surda híbrida – ocorre quando a pessoa nasce ouvinte e torna-se surda com o decorrer do tempo;

3. identidade surda flutuante – ocorre quando o sujeito não se identifica como surdo, seja pelo estereótipo, seja pelo conhecimento ou ainda por resistência a ascender ao conhecimento, e

4. identidade de transição – identifica o momento de transformação em que os surdos deixam a identidade flutuante e se projetam na identidade surda.

Para Perlin (2006:139), a identidade surda se constitui no interior da cultura surda e depende de um outro surdo. Não há uma identidade mestra, pois as identidades surdas se encontram em constantes mudanças. Elas não são puras, prontas ou homogêneas e não se pode dizer que pertençam a uma única cultura. Por isso, embora façamos referência à identidade do surdo, é preciso ter em mente, quando assim procedemos, que essa não é una, mas sempre plural e complexa.

A autora ressalta que um componente que é essencial para a constituição de uma identidade surda é a língua de sinais, que classifica como “uma das maiores produções culturais dos surdos” (idem: ibidem). De outra parte, Perlin destaca a preocupação de muitos surdos com as relações interculturais, como as que ocorrem nas escolas inclusivas, por considerarem que, com esses contatos, os sinais podem perder sua significância visual, não agrupar mais o fluxo significativo dos signos e se deteriorar (idem: ibidem).

Outros autores também entendem que a língua de sinais é um fator importante para a constituição das identidades surdas (Behares, 1999; Gesuelli, 2006; Monteiro, 2006, e Giordani, 2003).

Tendo como base a proposta de Schlesinger & Meadow (1972), Behares (1999:132) afirma que a comunidade de surdos se identifica essencialmente pela língua que usa - a língua de sinais, que tem o efeito unificador mais determinante nessa comunidade. Para o autor, essa língua comum dá ao grupo minoritário de surdos sentido de identidade corporativa e de solidariedade.

Também para Gesueli (2006), há uma relação forte entre língua e construção de identidade. A autora (op. cit.:280) enfatiza que a questão da língua de sinais está intimamente ligada à cultura surda que, por sua vez, remete à identidade de um sujeito que quase sempre (con)vive com duas comunidades – a surda e a ouvinte. Ao considerar a condição bilíngüe do surdo que transita entre a língua de sinais e o português escrito, e entendendo a língua de sinais como sua língua natural, a autora conclui que é nessa língua que ele se representa, expressa, constitui e constrói sua identidade.

Seguindo linha de pensamento semelhante, Monteiro (2006) enfatiza que, por muitos anos, os surdos não compreenderam a importância da comunicação por meio da língua de sinais para o processo de construção de sua identidade cultural, bem como para o desenvolvimento de sua cognição e linguagem.

A esse respeito, Giordani (2003), em um estudo realizado com surdos filhos de pais ouvintes, apresenta relatos de indivíduos que descobriram a surdez pela ausência da fala e viveram histórias muito semelhantes no caminho da descoberta da surdez como característica biológica à construção de identidade de sujeito surdo, no envolvimento com uma língua de significado, com uma cultura que narra sua vida e com a descoberta da alteridade surda.

Souza (2007), por outro lado, entende que a relação da pessoa com a surdez se remete mais apropriadamente à forma como cada um se relaciona identitariamente com a língua em que se tornou sujeito como efeito. Por exemplo: independente do grau de perda auditiva, seja ela moderada ou profunda, uma pessoa pode se declarar surda não no sentido de que não escuta nada – sua declaração pode revelar uma opção outra: a de que é parte de um grupo que escuta e ‘fala’ uma língua outra que não o português – a LIBRAS.

relacionada à língua de sinais, mas sim à presença de uma língua que lhe dê a possibilidade de se constituir no mundo como ‘falante’, isto é, à constituição de sua própria subjetividade pela linguagem e às implicações dessa ‘constituição’ nas suas relações sociais. Da perspectiva desses autores, a constituição de identidade de um surdo pode se dar também pela língua oral a partir do momento em que ele se apropria dessa língua e a molda para construir e marcar sua identidade.

Em relação a esse assunto, Santana e Bérgamo assim se posicionam:

“A identidade não pode ser vista como inerente às pessoas, mas sim como resultado de práticas discursivas e sociais em circunstâncias sócio-históricas particulares. (...) A identidade é, assim, constituída por diferentes papéis sociais que assumimos e que, vale salientar, não são homogêneos. (...). A constituição da identidade do sujeito está relacionada às práticas sociais e não a uma língua determinada.” (op. cit.:571- 2)

Por um lado, alguns autores advogam que a LIBRAS é uma língua de significado importante para o processo de construção de sua identidade dos surdos. Por outro, há autores que defendem que a constituição da identidade do surdo não ocorre exclusivamente por meio da língua de sinais, mas essencialmente pela língua que lhe dê a possibilidade de se constituir no mundo como falante. Nesse caso, a constituição de identidade de um surdo pode ocorrer também pelo português oral.

Todo esse debate oferece subsídios importantes para verificar, durante a discussão apresentada na próxima seção, se, nas construções de identidades surdas pelos sujeitos da pesquisa, identificam-se surdos militantes, surdos híbridos, surdos flutuantes, surdos em fase de transição, surdos que se identificam como usuários de língua de sinais, surdos que se identificam como falantes de português ou se outras categorias emergem.

4.3 A CONSTRUÇÃO DE REPRESENTAÇÕES E DE IDENTIDADES SURDAS NA