• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 – VOLTANDO O OLHAR PARA O CAMPO DE INVESTIGAÇÃO

2.2.1 O Caráter Inclusivo da Escola Pesquisada

2.1.1.10 Das Condições para Reflexão sobre as Necessidades Especiais

Também está previsto, na referida Resolução, o oferecimento de:

(...) condições para reflexão e elaboração teórica da educação inclusiva, com protagonismo dos professores, articulando experiência e conhecimento com as necessidades/possibilidades surgidas na relação pedagógica, inclusive por meio de colaboração com instituições de ensino superior e de pesquisa.

Pelo menos em uma ocasião, soube que uma pesquisadora apresentou uma palestra aos professores da instituição sobre inclusão. Segundo a Professora Vera, foi somente com base nessa palestra que ela passou a entender que os surdos “nunca iriam escrever uma sentença como os ouvintes, com preposição e tudo mais.” 21

2.1.1.11 Do Ensino de LIBRAS para Ouvintes

Em seu Artigo 14, § 1º, inciso V, o Decreto nº 5.626 reza a obrigatoriedade de as instituições federais de ensino “apoiarem, na comunidade escolar, o uso e a difusão de

Libras entre professores, alunos, funcionários, direção da escola e familiares, inclusive

por meio da oferta de cursos”. Tal obrigatoriedade é estabelecida tendo em vista a

necessidade de garantir o atendimento educacional especializado e o acesso das pessoas surdas à comunicação, informação e educação nos processos seletivos, às

21

atividades e conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, da educação infantil à superior.

Apesar de ser uma língua utilizada em vários ambientes da escola – nas salas de aula, na Sala de Recursos e nos espaços de recreação – a LIBRAS não era ensinada nem como L1 aos surdos, nem como L2 para ouvintes, como já informei. Assim, seria impensável supor que fosse ensinada ao corpo docente e funcional bem como aos familiares dos alunos. Há de se observar que são raros os professores que possuem habilitação ou certificação no ensino de LIBRAS, o que torna raro o oferecimento de cursos. Ademais cabe apontar que, via de regra, grande parte do pessoal escolar continua a considerar que aprender esta língua ‘estrangeira’ configuraria uma sobrecarga de trabalho e que tal não se justificaria face ao pequeno número de alunos surdos que afluem à escola regular. Desconhecem ou querem desconhecer estas pessoas o crescimento acelerado do número de alunos surdos no sistema regular de ensino, a partir do momento em que passou a vigorar a legislação que determina a sua inclusão nas salas de aula regulares.

Sem deixar de lado a caracterização da instituição observada, foco principal desta seção, a argumentação apresentada sobre os pontos criticados também não podia deixar de ser feita. É necessário refletirmos sobre questões que ainda não estão bem estruturadas tais como as atribuições de responsabilidades da escola e do Governo e sobre a formação e definição de papéis dos profissionais. A organização da escola estudada baseia-se em uma legislação que tem pontos a serem melhorados. Os itens apontados já vêm sendo alvo de críticas por parte de vários pesquisadores e demandam ações para que, gradualmente, as falhas neles existentes possam ser sanadas.

Mesmo assim, vejo, por um lado, que, se implementadas, as medidas propostas irão beneficiar os surdos nas escolas. Por outro lado, apesar de reconhecer boa intenção nas determinações que constam nos documentos legais analisados, considero que a

implementação dessas ações não ocorrerá com facilidade por exigirem tempo, docentes qualificados para formar os profissionais necessários, bem como recursos financeiros substanciais. Acredito que ainda há um longo caminho a ser percorrido até a materialização dessas ações, que podem se traduzir em uma escola inclusiva, onde haverá surdos e ouvintes estudando com a ajuda de intérpretes de língua de sinais, em que a LIBRAS será ensinada como L1 para surdos e L2 para ouvintes e o português escrito ensinado como L2 para surdos e L1 para ouvintes em ambientes bilíngües. Portanto, vejo as ações indicadas na legislação como importantes, pois elas nos oferecem o norte a ser tomado para começar a trilhar o caminho em direção à inclusão.

A leitura que faço dos recursos que a legislação indica é retratada na Figura 2. Do projeto pedagógico da escola devem constar algumas medidas de inclusão, sendo importante lembrar, também, que há ações a serem tomadas que são responsabilidade do Governo. Essas últimas são representadas, na figura, fora dos ‘muros da escola’:

Fig. 2 – Recursos internos e externos para a efetiva inclusão de surdos na escola regular. Cursos de licenciatura com disciplinas em educação especial e LIBRAS. Cursos universitários que formem professores especializados. Cursos universitários que formem intérpretes de LIBRAS.

professor da sala comum salas de recursos classes bilíngües

capacitado

professor especializado ensino de LIBRAS como L1

alunos surdos nas e Português escrito como L2

várias salas de aula para surdos

ensino de LIBRAS como L2

intérprete de LIBRAS para ouvintes

professor itinerante professor de LIBRAS

Avaliações Adequadas. Condições para reflexão sobre necessidades especiais.

Erickson (1984:59) afirma que a escola está localizada em um espaço geográfico- demográfico limitado e tem em seu interior relações de direitos e obrigações. Mas a instituição está também ligada, por uma rede de comunicação, direitos e obrigações, a unidades sociais maiores – o sistema escolar e os governos municipais, estaduais ou federais. Se quisermos que a inclusão não continue sendo o que, ao menos na grande maioria das escolas, é hoje – a simples presença física dos alunos com necessidades especiais nas salas de aula – todos devem cumprir o papel que lhes cabe.

Com base na discussão que acabei de empreender, concluo que, no projeto pedagógico da escola em que realizei a pesquisa, há medidas de inclusão de alunos surdos que são traduzidas pelas seguintes ações:

a) distribuição desses alunos nas várias salas de aula regulares;

b) desenvolvimento de atividades de reforço na Sala de Recursos, que é dirigida por uma pedagoga especialista, sendo esse serviço estendido a alunos de outras instituições, e

c) oferecimento, aos professores da sala de aula comum, de palestras sobre inclusão.

Levando-se em consideração o teor dos dois documentos que focalizamos com maior ênfase nessa discussão, percebo que, nessa instituição, a inclusão dos surdos não se consubstancia somente na presença física de alunos não ouvintes nas salas de aula – há, também, um trabalho de reforço, orientação e apoio que é desenvolvido na Sala de Recursos, que reverbera nas salas de aula e nos demais ambientes da escola. Na verdade, as atividades de inclusão são todas orientadas pelas pedagogas, em especial pela pedagoga Maria, mas esse trabalho só ocorre por haver vontade política direcionada a promover inclusão por parte do corpo administrativo e docente da instituição.

Pelas críticas que são apresentadas na literatura, conforme exposto no Capítulo 1, apreendemos que ainda são pouquíssimas as instituições públicas que, como essa, contam com o trabalho de profissionais especializados que estão em constante processo de qualificação/requalificação para atender às necessidades de salas onde haja diversidade lingüística e cultural ocasionada pela presença de alunos ouvintes falantes de português como L1, surdos oralizados falantes de português como L1, surdos não oralizados usuários de língua de sinais como L1.

Como pôde ser verificado, trata-se de uma escola que contempla muitos dos itens exigidos pela legislação. Mesmo assim, não posso deixar de reiterar que ela não conta com: (a) serviços de tradutores-intérpretes de LIBRAS, b) ensino de língua de sinais como L1 para surdos não usuários do português oral; (c) ensino de língua de sinais como L2 para ouvintes; (d) ensino de português na modalidade escrita, como L2, para surdos não usuários do português oral, e (e) presença de um professor surdo, embora esta não esteja prevista na legislação.

Nos capítulos que seguem a este, verifico se a estrutura defendida pelos formuladores da legislação nacional:

a) estimula a socialização entre os alunos surdos e ouvintes;

b) influencia o modo como a surdez e a língua de sinais são representadas nesse contexto;

c) influencia a construção de identidades surdas feitas pela professora, pelos alunos ouvintes e pelos próprios alunos surdos