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1.2 SABERES DOCENTES

1.2.2 A pluralidade e heterogeneidade dos saberes docentes

Para Tardif (2000), os saberes docentes são ecléticos e sincréticos. O docente necessita recorrer a diversas teorias, concepções e técnicas ao elaborar e utilizar os seus saberes. Esse aspecto é justificado pelo fato que professores trabalham para atingir diversos objetivos simultaneamente: “objetivos emocionais ligados à motivação dos alunos, objetivos sociais ligados à disciplina e à gestão da turma, objetivos cognitivos ligados à aprendizagem da matéria ensinada, objetivos coletivos ligados ao projeto educacional da escola” (Tardif, 2000, p. 15). Os saberes docentes tornam-se significativos e úteis na ação e são plurais e heterogêneos, pois provêm de diversas fontes, como especificado na tabela abaixo:

Tabela 1: Os saberes dos professores

Saberes dos professores Fontes sociais de

Aquisição

Modos de integração no trabalho docente Saberes sociais dos

Professores.

Família, ambiente da vida, a educação no sentido lato.

Pela história de vida e pela socialização primária. Saberes provenientes da

formação escolar anterior.

A escola primária e secundária, os estudos pós- secundários não especializados,

etc.

Pela formação e pela socialização pré-

profissionais.

Saberes provenientes da formação profissional para o

magistério.

Os estabelecimentos de formação de professores, os

estágios, os cursos de reciclagem, etc.

Pela formação e pela socialização nas instituições de formação de

professores. Saberes provenientes dos

programas e livros didáticos usados no trabalho.

Na utilização das “ferramentas” dos professores: programas, livros didáticos, cadernos de

exercícios, fichas, etc.

Pela utilização das “ferramentas” de trabalho,

sua adaptação às tarefas.

Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula e

na escola.

A prática do ofício na escola e na sala de aula, a experiência dos pares, etc.

Pela prática do trabalho e pela socialização

profissional.

Fonte: Tardif, 2002, p. 63.

Shulman (1986) realiza outra classificação para os saberes docentes, importante para esta pesquisa por seus apontamentos sobre a maneira como os saberes docentes se manifestam. Seus estudos introduzem no campo de pesquisa educacional o trabalho conhecido como

knowledge base; um corpo de compreensões, conhecimentos, habilidades e disposições de

que um professor necessita para atuar numa dada situação de ensino. Graças às suas pesquisas, a temática dos saberes dos docentes na pesquisa educacional ganhou desataque, potencializada pelo retorno do foco ao professor como sujeito das ações.

No artigo “Those who understand: The Knowledge Growth in Teaching”, publicado em 1986, Shulman distingue três categorias de conhecimentos presentes no desenvolvimento cognitivo do professor. São eles: “Subject matter content knowledge” – Conhecimento

sobre a matéria ensinada; “Pedagogical content knowledge” – Conhecimento didático da matéria e “Curricular Knowledge” – Conhecimento curricular. Shulman explicitou e detalhou essas três formas de conhecimento, mas reconheceu a existência de outras:

Existem outras categorias importantes de conhecimento, como por exemplo: as diferenças individuais entre os alunos, os métodos de organização e gestão da sala de aula, a História e Filosofia da Educação e a administração escolar para citar apenas algumas. Cada uma dessas categorias poderão ser subdivididas e exprimíveis por meio das formas de conhecimento. (Shulman, 1986, p. 10) [Tradução nossa].

Essas formas de conhecimento se manifestariam de três maneiras: por meio do conhecimento proposicional, do conhecimento de caso e do conhecimento estratégico. O conhecimento proposicional, de caráter assertivo se manifesta por intermédio dos princípios, das máximas e normas. Os princípios seriam fatos empiricamente ou filosoficamente discutidos e nesta pesquisa são representados pelos resultados de pesquisas empíricas que atuarão como um contraponto às falas das professoras do Núcleo Básico do CP.

As máximas derivam da experiência prática, são “idéias que nunca foram confirmadas por pesquisa e seriam em princípio difíceis de demonstração (...) representam a sabedoria acumulada da prática e em muitos casos são guias tão importantes para a prática como a teoria ou princípios empíricos” (1986, p. 11). As máximas são conselhos, proposições sobre e para a prática pedagógica e podem ser identificadas nas falas das professoras do Núcleo Básico do CP. Por fim Shulman (1986) define a terceira manifestação do conhecimento proposicional, as normas, que são valores, o compromisso dos professores com a justiça, como por exemplo, a preocupação dos professores em não humilhar um aluno diante dos seus pares. Essa manifestação do conhecimento dos professores também transparece nas falas das professoras do Núcleo Básico do CP:

Quando eu olho para a aquela criança vejo que ela está se sentindo réu em meio àquela discussão... Isso me incomoda porque o coletivo não é para passar uma idéia de julgamento para a criança, mas para fazer ela e todos os outros refletirem sobre aquela situação. Então é o cuidado no tratamento da agressividade. Em certas situações eu prefiro não evidenciar, prefiro chamar a criança, conversar com ela e trabalhar aquele valor em um outro momento. (Lúcia)

A segunda manifestação dos saberes docentes segundo Shulman (1986) seria o conhecimento de caso, “conhecimento de eventos específicos, bem-documentados e

ricamente descritos” (p.11), relacionados ao ensino e à aprendizagem, que complementam o conhecimento proposicional. Segundo o pesquisador o conhecimento proposicional aliado ao estudo de casos contribuem para o desenvolvimento e a formação do conhecimento estratégico. O conhecimento estratégico entra em ação quando professores confrontam situações e problemas teóricos, práticos ou de natureza moral. Shulman (1986) associa o conhecimento estratégico à capacidade de julgar dos docentes. Nesta pesquisa percebemos o conhecimento estratégico em ação nas discussões das situações-problema realizadas pelas professoras do Núcleo Básico do CP.

O gráfico abaixo permite uma melhor visualização das contribuições de cada pesquisador para esse campo de pesquisas.

Figura 1: “Classificações tipológicas e particularidades das pesquisas de Gauthier, Tardif e Shulman”

Centro da discussão

Todos se dedicam a investigar a mobilização dos saberes nas ações dos professores .

Professores são sujeitos com histórias de vida pessoal e profissional, produtores e mobilizadores de saberes no exercício de sua prática.

Classificação tipológica

Gauthier

Epistemologia da prática Profissional dos professores

Ênfase nos saberes experienciais

Tardif Shulman

Saber Disciplinar

Saber Curricular

Saber da Formação profissional (Ciências da Educação)

Saber da Experiência

Saber Disciplinar

Saber Curricular

Saber das Ciências da Educação

Saber da Tradição Pedagógica Saber da Experiência

Saber da Ação Pedagógica

Conhecimento do conteúdo da matéria ensinada

Conhecimento Curricular

Conhecimento pedagógico da matéria

“Ofício feito de saberes” Constituir Teoria Geral

da Pedagogia

Gauthier Tardif Shulman

Conhecimento que os professores têm dos conteúdos de ensino

e o modo como estes se transformam no ensino