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4.2 ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO

4.2.1 Organização dos alunos em grupos

A organização das carteiras e dos grupos de alunos é uma atividade rotineira no cotidiano da sala de aula. Conforme identificado por Nunes (2004), “Embora as salas fossem arrumadas pelas serventes, entre os turnos, os professores pareciam gostar de arrumá-las de acordo com o jeito que achavam mais apropriado para a aula que iriam iniciar” (p. 126). A professora Ludmila relata que de acordo com o que está listado na rotina escolar as crianças sabem que devem se organizar de uma determinada forma e assim o fazem sem serem instruídas (roda de histórias e roda de conversa), como também acontece na sala da professora Marina (Zibetti, 2005).

As professoras do Núcleo Básico do CP costumam organizar as crianças em grupos de dois a quatro alunos, prática promovida por Freinet, desde 1930 que, segundo ele, estimula a cooperação, a iniciativa e a participação entre as crianças. Veremos como as professoras justificam esse modo de organização. Ludmila afirma que, no início do ano, quando ainda não conhecia as crianças, organizava a turma em grupos de quatro e permitia que escolhessem onde iriam sentar:

Eu organizava a sala em grupo de quatro alunos e um de cinco. Tinha dia que eu falava assim: “Podem sentar onde quiserem”. Nesse de sentar onde quiser eu começava a perceber quem se entrosava mais com quem (...) Em outros momentos, eu falava: “Vocês vão sentar na roda porque eu vou escolher quem eu quiser”. Eu comecei formando os grupos por afinidade e por funcionamento da sala. Paulo e João nunca puderam sentar juntos depois de quatro meses de aula. Hoje na minha sala eles sabem direitinho quem não pode sentar com quem. (Ludmila)

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Alguns dos precursores da Escola Nova foram Pestalozzi e Maria Montessori na Itália, Fröebel na Alemanha, Decroly e Celestin Freinet, na França, John Dewey e William Kilpatrick, nos Estados Unidos.

Assim como Ludmila, a professora Marina também iniciou o ano deixando livre a escolha de onde as crianças iriam se sentar (Salgueiro, 1998). A professora Marina dispôs as carteiras em grupos de quatro, oito e dezesseis alunos para garantir um trabalho coletivo. As intervenções da professora aconteceram dois meses depois do início das aulas e de forma indireta: ela esperou que os próprios alunos exteriorizassem sua insatisfação e depois propôs as trocas. Nemirovsky (2002) não aconselha permitir que os alunos escolham aleatoriamente com quem irão sentar frequentemente, pois essa prática permite que em certos momentos alguns alunos não sejam escolhidos pelos pares, levando o professor a “encaixá-los” nos grupos. Esse fato é atestado pela professora Laura: “Algumas crianças da sala não foram escolhidas por ninguém. Ninguém quer sentar com essas crianças. Eu coloquei cada uma em um grupo. Não funcionou. (...) Eu disse que não dá para contemplar o desejo de todos. Eu fiz o máximo”.

A proposta de organizar a sala de aula em grupos de alunos fundamenta-se nos seguintes argumentos:

a interação contribui para que os alunos possam tomar consciência do ponto de vista dos demais, para que aprendam a negociar, a renunciar a suas próprias posições, ou a postergar a satisfação de seus interesses pessoais em benefício de um interesse coletivo, (...) os alunos estabelecem uma série de laços inter-relacionados que conduzem a uma verdadeira construção conjunta: exploram, propõem, retificam, integram aquilo que diz o colega, regulam suas ações, apresentam argumentos a suas propostas para que o outro as entenda, etc.” (Martí apud Nemirovsky, 2002, p. 53).

A pesquisadora salienta que trabalho em grupo não se restringe ao fato dos alunos sentarem-se ao redor de uma mesa, mas no compartilhamento de um trabalho em comum. Essa dinâmica de reagrupamento dos alunos constitui um desafio para as professoras na medida em que novas perguntas são suscitadas: quem deve/precisa/pode trabalhar com quem? O que deverá ser trabalhado com e pelo grupo? Como os alunos trabalharão juntos? Que tipo de atividade é mais apropriada para cada grupo? A reflexão suscitada pelo reagrupamento de alunos é importante, pois pode motivar uma modificação na estruturação cognitiva das crianças (Teberosky apud Nemirovsky, 2002, p. 53) ou simplesmente ser motivo para desordem na sala.

Nemirovsky (2002) sugere utilizar diferentes critérios para selecionar os membros de cada grupo. Entre eles, destaca-se o agrupamento de acordo com o nível de dificuldade da tarefa. O professor pode agrupar os alunos “por similaridade de possibilidades” ou “reunir heterogeneidades extremas” ou poderá também adotar o critério de “proximidades relativas”. Um bom trabalho de diagnóstico e acompanhamento dos alunos deve ser realizado para que essa estratégia seja bem executada.

1) Reagrupamento segundo as “heterogeneidades extremas”.

Segundo Nemirovsky (2002), estes seriam os agrupamentos caracterizados pela heterogeneidade dos participantes quanto a conhecimentos prévios e capacidades já consolidadas. As professoras do Núcleo Básico do CP utilizam essa maneira de organização, como verificamos no fragmento de diálogo seguinte:

- Outros sentaram juntos para aprender o capricho com a colega. Ele não estava usando legal o caderno, usa de qualquer jeito e ela pode ensinar isso que é uma coisa que ela faz legal. Por outro lado, ele tem uma participação legal, é atento, o que outros podem aprender. Há coisas que você organiza em uma certa disposição (Fabiana).

- O Alexandre, que tem uma demanda maior, eu coloquei junto com o João que é muito esperto e muito amigo do Alexandre. Os dois são muito amigos (Laura).

- Eu organizei as duplas essa semana de modo que um sempre tem o que ajudar o outro e vice-versa. (...) Coloquei Carlos com a Laís, porque a Laís tem dificuldade em ensinar e o Carlos precisa de quem ajude. A Laís precisa entender que o Carlos precisa aprender a ajudar e precisa aprender a falar mais baixo. A Laís fala muito alto, enquanto o Carlos a gente quase não ouve a voz. Então eu associei nas duplas, ou tentei associar nas duplas tanto as questões cognitivas, quanto as questões de relacionamento, de respeito ao outro para ver se as duplas dão mais conta. Eu vi ontem algumas coisas funcionando em algumas duplas (...) Nos grupos de quatro, eu procurava colocar juntos um que já sabia ler, um ou dois mais ou menos e um que não sabia (Ludmila).

Fabiana apresenta argumentos para justificar porque colocou duas crianças para sentarem juntas e Laura e Ludmila endossam a fala da professora Fabiana por meio de outros exemplos. As estratégias das professoras para escolher as duplas ou grupos são aqui justificadas segundo as heterogeneidades extremas, ou seja, uma criança pode aprender com a outra. Segundo a professora Ludmila, essas aprendizagens não são somente cognitivas, mas podem ser relacionadas à questões de relacionamento e socialização, como exemplifica a professora Fabiana:

Tinha uma criança que a questão dela não era cognitiva, ela dá conta de tudo, ela faz, mas a questão dela é muito mais no nível da socialização, da afetividade, do que com o que ela aprende cognitivamente. Ele se acha o mais inteligente, o mais capaz e ridiculariza aqueles que não conseguem atender as questões cognitivas, os conteúdos da disciplina. Então eu coloquei o Henrique para sentar com a Sara.

2) Reagrupamento segundo as “proximidades relativas”.

Neste caso, o ritmo de aprendizagem das crianças é similar, o que possibilita que a professora atenda as crianças conjuntamente. As professoras não querem que um aluno copie do outro, que um seja um mero espectador da atividade.

As duplas que eu escolhi estão ótimas, porque eu posso dar uma atenção ao mesmo tempo para o Leandro e para o Pedro que têm as mesmas demandas. (Laura)

Por vezes, as professoras solicitam que certos grupos com crianças que apresentam dificuldades na atividade sentem perto dela para facilitar o atendimento.

E o Paulo e o Márcio que são os mais inquietos, na minha frente! (Laura)

Tem criança que a gente tem que estar do lado dela o tempo todo e isso é complicado para mim. (Ludmila)

A professora Marina também chama algumas crianças para sentarem nas primeiras fileiras (Zibetti, 2005). Professores suecos e irlandeses também optam por chamar à sua mesa ou sentar próximo a alunos que tenham dificuldades ou são barulhentos (Muller et al., 2007).

3) Reagrupamento segundo a “similaridade de possibilidades”.

Se o professor preparou uma aula, na qual o objetivo será consolidar certas capacidades, “pode ser válido constituir duplas ou trios com capacidades similares, até mesmo para propiciar diversidade de produções, avanços em hipóteses propostas e possibilidades de trocas e revisões entre grupos (Batista et al. 2004, p. 27). Nas palavras de Ludmila,

- Porque estar agrupado em quatro e não apenas com dois exige maior negociação. Até do espaço que você utiliza. Você precisa negociar com mais pessoas. Não pode negociar somente com a dupla. Tem que negociar com três. Fazer a atividade... a circulação de informações no grupo maior é mais enriquecedor do que com a dupla. Isso sem dúvida. E as crianças pequenas, a gente querendo ou não, elas trocam informações. Mesmo quando é cada um faz o seu, estando em grupo elas vão trocar informações, e isso é legal para elas.

Eu quero, neste ano, fazer mais atividades com grupos maiores. Grupos de pelo menos quatro. (Ludmila).

- Eu acho que a idéia é fazer uma alternância, alternar com intenção. Acho que em resumo é isso. (Tatiana)

Tatiana concorda e resume a fala das professoras: “O ideal é organizar as crianças segundo os objetivos da aula”.