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5 INTERAÇÕES

6.1 RITMOS DIFERENCIADOS

6.1.2 Atividades para a sala toda

Segundo as professoras do Núcleo Básico do CP, nem todas as atividades podem ser diferenciadas. Quando a atividade é planejada para toda a sala é necessário planejar com antecedência estratégias para trabalhar com os ritmos diferenciados dos alunos. Em situações como cópia do quadro, jogos, desafios matemáticos, entre outros, é possível que todos os estudantes participem da mesma atividade, mas ainda haverá desafios para a professora e alunos, como veremos a seguir.

As professoras concordam que uma atividade complicada de conduzir com a turma toda é aquela na qual os alunos realizam uma cópia do quadro. Uma situação corriqueira em outros níveis de ensino e extremamente desafiante para as professoras dos anos iniciais. Quem pontuou a questão da cópia do quadro foi a professora Maria. Segundo a professora, há crianças que lêem o que está no quadro e respondem oralmente com facilidade, mas não conseguem copiar; já outros têm facilidade para realizar a cópia, mas demoram para compreender a questão proposta. “Então isso gera uma tensão de espera. Às vezes, eu dou uma outra atividade, mas ao mesmo tempo eu quero discutir com eles o que está lá no quadro e o menino está envolvido em outra coisa já. Como que você retoma? Aí fica sem copiar?”

Fabiana concorda com Maria: a cópia do quadro não é uma tarefa simples e sim complexa. As crianças dos anos iniciais apresentam dificuldade na transposição de um portador de texto (o quadro-negro) para o outro (o caderno). Segundo Fabiana, a professora deve estar atenta para explicitar essas diferenças aos alunos e exemplifica que o que é escrito como uma lista no quadro algumas crianças interpretam que deverá ser copiado como um texto corrido no caderno e vice-versa. Às vezes, a professora salta a linha no quadro sem que a linha no caderno tenha terminado e a criança imita a professora e salta a linha do caderno, ou o contrário. Ludmila relata que, no primeiro ano, costumava escrever de modo centralizado no quadro de modo a contribuir para a visualização de todos os alunos, até perceber que as crianças estavam todas copiando no meio do caderno, deixando grandes margens de um lado e de outro.

Para Ludmila as perguntas dos alunos demonstram a ela se eles estão acompanhando ou não: “Professora, aqui onde você colocou o ponto eu posso na minha linha continuar na frente ou eu posso passar para a linha de baixo”? Já Fabiana sinaliza que “a compreensão da criança daquele texto vai fazer com que a cópia dela acompanhe as características do gênero”, ou seja, trabalhar a cópia de um texto do quadro envolve trabalhar também as características daquele gênero textual. Para ela, isso significa que é necessário fazer perguntas para a sala como: “Que texto que é esse? É uma lista? É uma história? Como que a gente vai organizar? Eu posso, neste texto, deixar esse espaço em branco?”. A professora Fabiana trabalhou as diferenças de organização do texto no dicionário e em uma história para assegurar uma cópia do quadro contextualizada. “Estou vendo que a cópia é uma complexidade. Não é uma coisa simples. A localização, onde que eu parei, onde que eu estou, onde que eu parei”. Fabiana utiliza também giz colorido para as crianças poderem acompanhar visualmente com mais facilidade.

Para Ludmila e Tatiana, o professor não deve preparar somente atividades diferenciadas. O planejamento de atividades para serem realizadas por toda a turma requer, segundo Lúcia, criatividade, tempo, conhecimento dos alunos e comprometimento com o desenvolvimento da turma: “Eu acho que a gente tem que ter esse cuidado com essa questão dos ritmos. Não preocupar só em dar coisas diferentes, ou nessa questão de metas, mas preocupar com aqueles momentos onde todos vão fazer as mesmas atividades“.

É muito difícil e extenuante para a professora atender todas as dúvidas e demandas das crianças, durante a realização de uma atividade, até mesmo porque as crianças estão aprendendo o que é esperar. Uma forma de garantir um trabalho mais tranqüilo é deixar o mais claro possível as orientações iniciais para a turma, mas até, nesse momento, certos cuidados precisam ser tomados, como relata a professora Fabiana:

Por exemplo, trabalhar com diferentes níveis em uma atividade comum. Se você está numa atividade que demanda uma explicação prévia, o que você faz? Você tenta garantir que todos entendam aquilo que é para fazer. E mesmo você fazendo isso, explicando e depois pegando de volta, você vê que têm crianças que não compreenderam apesar da explicação, apesar da maior parte das crianças terem entendido e quando você faz essa tomada é no coletivo, quem faz são os mais participativos, que normalmente compreendem mais rápido. Aqueles que, às vezes, não compreenderam estão diluídos ali no grupo e você não sabe que ele não entendeu ainda. Você só vai saber que ele não entendeu a partir do momento que você iniciou a atividade e você vê que ele está alheio, copiando o outro, eles arrumam umas estratégias. Aqueles dedicados que querem fazer, copiam o que o colega está fazendo,

aqueles que não entenderam e não querem entender, “chutam o balde”, vão correr na sala, virar estrela. Você tem essa dificuldade que é trabalhar em uma mesma tarefa com uma idéia de que aquilo foi garantido com todo mundo e, às vezes, não foi.

Como observamos no relato da professora, dúvidas e demandas individuais surgem durante o desenrolar da atividade, sendo impossíveis de serem atendidas ao mesmo tempo. Uma maneira que as professoras encontram para colaborar na gestão das atividades para a sala toda é solicitando que uma criança que terminou a atividade ajude outra que está tendo dificuldade. “Quando pediam a um aluno para auxiliar outro, os primeiros professores preocupados com uma diferenciação integrada encontravam-se na situação de bombeiros que tivessem um único caminhão para apagar doze incêndios nos quatro cantos da cidade”. (Perrenoud, 2000, p. 36). Embora o autor pareça se referir ao passado: “os primeiros professores”, este é na verdade um procedimento atual em sala de aula. Algumas ponderações durante as discussões foram realizadas quanto a essa solicitação:

- Mas olha só Cecília, a mesma coisa que eu vou dizer para você, eu digo para mim. Mas a gente trabalha com a mesma atividade para o grupo todo sabendo que o grupo é diferente, isso é a nossa grande contradição. (Taíssa)

- Mas isso é uma grande questão. Um dia na semana eu vou fazer atividades diferenciadas. Eu vou organizar as crianças em grupo e para casas também. Agora todos os dias na sala eu não consigo. (Cecília)

(...)

- Muitas vezes... O menino pode se envolver com a mesma atividade e ter produções diferentes, só que a gente tem crianças que a competência deles é muito diferente, o que é muito difícil. Muitas vezes, eu mais não dou conta do que eu estou falando, que é proporcionar atividades diferenciadas para o grupo (...) Em algumas vezes, eu consigo diversificar atividades, mas têm outras estratégias que são bacanas. Eu acho que é você buscar aquela criança que tem essa habilidade mais desenvolvida em relação àquilo que você está trabalhando, aprendi isso com a Lourdes. A Lourdes faz isso fantasticamente bem, os meninos se tornam gestores. Isso é uma coisa legal. (Taíssa)

Para Tardif (2007), as diferenças, as reações individuais são exigências inerentes que definem a natureza da tarefa docente. O autor parece concordar com a fala da professora Taíssa ao afirmar que mesmo trabalhando com coletividades, os professores não podem tratar os indivíduos que compõem essas coletividades como elementos de uma série homogênea de objetos. As variações individuais, sobretudo com os alunos em dificuldades, devem influenciar a organização e o planejamento do trabalho.

Após afirmar que é preciso trabalhar com atividades diferentes, já que o grupo atendido é diferente, a professora Cecília apresenta sua dificuldade, ela não consegue preparar atividades diferenciadas para todos os dias. A professora Taíssa, longe de afirmar uma superioridade, por ser professora experiente, afirma que também tem dificuldades: “Muitas das vezes, eu mais não dou conta do que dou conta do que eu estou falando, que é proporcionar atividades diferenciadas para o grupo” e ainda oferece uma alternativa para a professora Cecília, que segundo ela, aprendeu com outra professora do CP: transformar alguns alunos da sala em gestores. Continuando o diálogo acima:

- É uma coisa que eu aprendi aqui no CP, que clareou para mim, principalmente observando a prática da Taíssa, é ver com mais naturalidade as diferenças das crianças (...) Isso facilita, eu vejo na turma do segundo ano amarelo que eles respeitam isso. Eles sabem que determinado colega tem mais dificuldade para copiar sim e isso não é um drama e nem motivo para humilhar o colega, fazer gracinha e tal. Isso é uma coisa que eu não via na outra escola onde eu trabalhava. (Maria)

- Isso é bacana! (Taíssa)

- Uma coisa muito importante principalmente para as aulas de Matemática, é ensinar os meninos a ensinar. Porque senão eles respondem tudo. Eu acho bonitinho porque eles falam comigo: “Eu não estou falando a resposta, eu estou ajudando, eu fiz desse jeito, eu perguntei para ele, mas olha fulano...” Porque senão eles chegam e falam: “Aqui é 6, aqui é 8...” Isso não é ensinar, até atrapalha, não está sendo colega ou amigo do outro, não está ajudando o outro. (Maria)

Maria justifica o uso dessa estratégia exemplificando com o seu testemunho do que acontece na sala de aula da professora Taíssa, mas pondera que é necessário ensinar a criança a ensinar, senão ajudar o colega transforma-se em responder por ele. É certo que essa estratégia tem um ponto fraco que quem está fazendo a intervenção é uma criança e não a professora, mas, parafraseando Perrenoud (2000), essa situação parece com a de um bombeiro que tem um único caminhão para apagar doze incêndios nos quatro cantos da cidade.