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4.2 ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO

4.2.2 Deslocamento para outros espaços

Uma situação que instiga as professoras a elaborar, utilizar e trocar experiências é a reorganização dos alunos em outros espaços escolares que não seja a sala de aula: a biblioteca, a sala de informática, o refeitório, o pátio; ou ainda saídas da escola para passeios e excursões. O deslocamento de alunos é, por si só, um momento que contribui para definir o sucesso ou fracasso da próxima atividade. Caso o deslocamento seja realizado de forma conturbada, pode gerar brigas ou agitação entre os alunos, o que prejudicará o desenvolvimento da atividade para o qual estavam sendo encaminhados. Para que esses fatos não aconteçam ou aconteçam de forma mais branda as professoras optam em “rotinizar” esse deslocamento.

Enfileirar as crianças é uma estratégia utilizada na maioria das escolas para organizar o deslocamento de alunos. A professora Taíssa questiona a necessidade de se andar em filas quando se está transitando de um espaço para o outro. Segundo ela, as crianças chegam à escola com concepções introjetadas sobre o processo de escolarização. Exemplos dessas concepções são: as crianças precisam andar em filas, repetem “Boa tarde” com a mesma entonação de voz etc. Taíssa relata que, no primeiro ano escolar, inicia uma “desestabilização” desses conceitos referentes à escola por meio de questionamentos: “Por que andamos em fila”? “Quando andamos na rua andamos em fila”? Para ela em certos lugares há necessidade de se formar filas: no banco, na fila da merenda; mas quando as crianças estão se deslocando de um espaço para o outro a fila é desnecessária.

Assim como a professora Taíssa que almeja uma progressiva conscientização dos seus alunos sobre as práticas escolares, a professora Marina (Salgueiro, 1998) também valoriza a reflexão com seus alunos: “¿por qué hacemos lo qué hacemos?” (p. 171). Dessa maneira

tanto a professora Marina quanto a professora Taíssa trabalham de forma a construir sentido para as práticas cotidianas escolares e este é seu argumento:

Acho que a escola é um espaço que pode ser mais humanizador. (...) No início é aquela loucura, porque eles vão correndo para a fila, mas eu inicio um trabalho de desconfigurar a ordem, eu desestabilizo a ordem, de romper isso com eles e isso gera um cansaço muito grande. No início eu falo: (...) “Para a gente se deslocar daqui para a biblioteca, precisa ter fila? Não precisa, porque a gente pode sair daqui e ir caminhando”. À medida que eu vou fazendo essas discussões e desestabilizando essa representação de ordem que eles têm, vem a total desordem e que é normal. Eles vêm muito enquadrados. Na hora que eu desestabilizo eu tenho que estar ali também para dar um novo referencial para os meninos senão eu vou perder esse papel de formadora. (Taíssa)

Já a professora Lúcia entende que a fila, em alguns momentos, pode ser uma oportunidade para trabalhar conceitos matemáticos. Ela propõe que as crianças organizem-se em ordem crescente ou decrescente de tamanho. Professoras inglesas utilizam o tempo durante o qual as crianças estão se organizando em filas para fazer perguntas mentais de aritmética (Muller et al., 2007). Maria acha que a fila é importante quando as crianças estão saindo do espaço escolar para que sejam contadas, mas relata como organiza as crianças para deslocamento de um espaço para outro:

- Agora eu acho andar em fila muito pouco sociável. Um atrás do outro. No primeiro semestre deste ano a gente deslocou para a FaE. Até nos falaram: vai com os meninos em fila. É lógico que não tinha como ir em fila até lá, não é? Estabelecemos outras regras, que é não me ultrapassar, ficar atrás de mim, ao lado, para controlar melhor. Outra regra, não ultrapassar, andar somente atrás. É claro que eles passavam na minha frente, passa um, passa dois, passa três. Na hora que passavam seis, precisávamos parar para voltar. “Volta para trás!” E lógico que eles vão passando! Tem que andar em um passo médio para esperar os lentos, então os rápidos... Particularmente eu não gosto de andar enfileirado não, tipo militar. (Maria)

- Eu também tenho alguns problemas, alguns conflitos em relação à fila, expressão máxima do controle dos corpos, os meninos terem que andar atrás, enfileirado, mas eu acho também, que eu tento fazer de outra forma e se eu perceber que as crianças não deram conta de se organizarem, ou não deram conta de agir autonomamente... Andar de formiga, não correr pela escola, eu estou sempre falando isso e eu vejo que eles não têm atendido. Então eu decidi que eles não têm que andar um atrás do outro, mas andar atrás de mim. (Fabiana)

Tanto Maria como Fabiana apresentam recursos que podem ser utilizados como alternativa à organização das crianças em filas: solicitam que as crianças andem atrás ou ao lado da professora sem “ultrapassar”, que as crianças andem como formigas, não corram.... Segundo elas o uso das filas não é interessante porque é pouco sociável, lembra tempos militares, controle dos corpos... Professoras da Finlândia optam por organizar as crianças

em duplas para o deslocamento na escola (Muller et al., 2007). Já a professora Lúcia utiliza outra estratégia:

Estou relaxando um pouco também nessa questão deles estarem atrás. Às vezes eu estou preferindo eles na frente a uma distância que eu já combino com eles. Quando alguém está longe eu só falo: “Fulano, você está longe de mim”. Porque justamente atrás é onde eu não estou vendo (...) Eu comecei a tentar dar conta de que eles fiquem próximos, atrás, do lado, na frente, porém próximos e rompendo um pouco com essa questão da fila indiana.

Salgueiro (1998) constata a importância dada pela professora Marina ao deslocamento das crianças no espaço escolar. Esse momento é utilizado para trabalhar a autonomia e responsabilidade das crianças. Marina prepara seus alunos para transitar de um espaço para outro em grupos de quatro alunos, sendo que um aluno será o responsável por aquele grupo. Tal prática facilita uma progressiva apropriação do espaço social pelos alunos de maneira segura e sem conflitos. Fomentar a autonomia e responsabilidade é um objetivo comum tanto para Marina quanto para as professoras do Núcleo Básico do CP quando não adotam a prática da fila sem questioná-la e situá-la socialmente. Para Paulo Freire, “uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiência respeitosa da liberdade” (2002, p. 121).