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5 INTERAÇÕES

5.1 ORGANIZAÇÃO DAS INTERAÇÕES EM SALA DE AULA

5.1.3 Organizar a fala das crianças

Morin (2000) nos questiona se a escola, precisamente a sala de aula não poderia tornar-se concretamente um laboratório de vida democrática. Segundo o autor esta seria uma democracia limitada por vários motivos: o professor não seria eleito por seus alunos; a desigualdade de princípio entre os que sabem e os que aprendem não poderia ser extinta e a necessária autodisciplina coletiva não poderia eliminar a disciplina imposta. A autodisciplina coletiva estaria, de acordo com o autor, relacionada às rotinas e combinados elaborados com a turma, de maneira que o professor não precisaria explicitar regras de interação a todo momento. Dois fatores, no entanto, demonstram que é possível tornar a sala de aula um ambiente mais democrático: a autoridade do professor não é incondicional e regras de questionamento das decisões consideradas arbitrárias poderiam ser instauradas. Ainda nas palavras do autor: “Sobretudo, a sala de aula deve ser um local de aprendizagem do debate argumentado, das regras necessárias à discussão, da tomada de consciência das necessidades e dos procedimentos” (Morin, 2000, p. 112).

As professoras do Núcleo Básico do CP manifestaram-se sobre a aprendizagem destas regras necessárias para discussão durante as reuniões para coleta de dados. Uma sala de aula de uma escola que tem como proposta a participação democrática de professores e alunos nas decisões tem como um dos pilares a necessidade de ouvir as crianças. Se a detentora da verdade não é a professora faz-se necessário organizar a comunicação entre as crianças e a professora. Dessa maneira, outro integrante fundamental da interação em sala de aula é a organização da participação das crianças, seja em discussões sobre o conteúdo escolar, seja em decisões coletivas.

Essa necessidade mostra-se mais premente quando consideramos o público escolar de crianças de seis a oito anos. Poucas dessas crianças tiveram uma “concorrência” tão acirrada com outras crianças pela atenção de um adulto (25 crianças para cada professora). Os estudantes demoram a acostumar-se com essa concorrência. Faz-se necessário uma organização muito clara dessa participação em sala, para que uma abertura para a participação dos alunos não seja transformado em balbúrdia. Perrenoud (2001) questiona: como a tomada de palavra poderia ser organizada sem esterilizar as trocas entre os alunos e sem acabar com a espontaneidade e o prazer? A professora Maria solicita que as crianças

levantem a mão para pedir a palavra e reforça o comportamento positivo dos que assim o fazem:

- Uma estratégia que eu uso, é que eu só vou ouvir e compartilhar com a turma quem esperar a vez. Um aluno levanta a mão, então fala fulano, ele fala e eu falo “gente olha que legal que fulano falou”. Desse modo eles acham melhor esperar mesmo. No meio da atividade... (Maria)

- É difícil para os meninos... participação, porque você consegue inicialmente um silêncio para começar a falar, mas na hora que eles participam, na hora que você propõe uma pergunta, eles... É importante organizar essa participação, nem sempre eles têm essa consciência de que cada um fala de uma vez, enquanto um fala os outros escutam... Essa consciência ela vai... a consciência é na medida que a gente fala: “olha, você está falando junto com o colega, não está dando para ouvir”, ou “você está falando junto comigo”, tem aqueles mais participativos que você faz uma pergunta e já estão respondendo, querem responder... (Fabiana)

- Inclusive tem os que querem falar quando todo mundo quer falar e a gente quer que cada um fale de uma vez. Tem uns que querem falar na frente de todo mundo e toda hora. É difícil para eles compreenderem que cada um tem o direito de participar. (Cecília)

As professoras Fabiana e Cecília concordam com Maria e aprofundam a idéia. A consciência de que precisam falar um de cada vez é criada a partir das intervenções da professora. As professoras salientam os diferentes perfis de crianças: aquelas que querem falar o tempo todo, responderem a todas as perguntas, como aquelas que preferem não se manifestar. Essas diferenças precisam ser administradas para que todos possam participar. Normalmente as professoras negociam com as crianças: quando quiserem falar precisam ficar no lugar, levantar as mãos e aguardar serem chamadas pela professora. Nunes (2004) também constatou este combinado nas observações que realizou: “Teresa procura manter a disciplina da turma ressaltando que só vai atender o aluno que levantar a mão para falar; um aluno se aproxima dela e ela diz: ‘eu nem vou ouvir’” (p. 128). Cecília observa que para algumas crianças, esperar quem tem mais dificuldade no assunto em debate falar também requer aprendizagem: “(...) aquilo é tão espontâneo para quem já domina que ele simplesmente fala e não consegue esperar o tempo da outra criança”.

Assim como as professoras do Centro Pedagógico, Sarah e Conor, professores da Irlanda, afirmam que, para facilitar a gestão de um grande grupo de alunos e criar uma boa atmosfera de trabalho, eles insistem que os alunos façam perguntas sentados nos lugares, levantem as mãos e aguardem sua vez de falar quando a discussão é aberta para toda a sala (Muller et al., 2007).

Já a professora Marina (Salgueiro, 1998) faz uma mesma pergunta para todos os alunos; ela ouve a opinião de todos em vez de solicitar que os alunos levantem as mãos para falarem. Quando um aluno afirma que não sabe a resposta, ela oferece um tempo para que o aluno pense e depois retorna ao mesmo aluno para ouvi-lo. A mesma postura adota a professora Luísa (Ambrosetti, 2006). A pesquisadora observou que a professora estimula a reflexão das crianças para que encontrem o próprio caminho para a solução das questões. A professora não oferece as respostas, “mas incentiva, questiona, orienta, até que a criança encontre a solução, num processo em que o próprio percurso cognitivo vai sendo percebido pelo aluno” (p.95).

Salgueiro (1998) percebe, na sala de aula da professora Marina, um clima descontraído durante as atividades coletivas: os estudantes podem conversar, trocar idéias e caminhar pela sala livremente. “Marina valora estas interacciones pues para ella, los/as alumnos/as

aprenden bastante interactuando entre ellos/as y aportan cosas que yo desde fuera no las hubiera podido aportar” (Salgueiro, 1998, p. 181). A partir das intervenções da professora

Marina outras regras para a participação em sala de aula são elaboradas: esperar por sua vez de falar, evitar dizer que não sabe, pensar para dar a resposta, incorporar a fala dos colegas na própria fala, justificar a própria resposta, quando há dúvidas perguntar à professora, reconhecer quando estiver equivocado e mudar de opinião, pensar antes de contestar, não interromper os trabalhos coletivos, etc.

A professora Maria salienta que durante as discussões da classe as crianças de seis e sete anos são mais interessadas em se expressarem do que no próprio conteúdo da discussão, por vezes repetindo o que o colega acabou de falar. “No primeiro ano é complicado porque eles não têm uma noção de diálogo coletivo. Eles têm a noção de expressar. Eu não estresso com eles porque para eles o que está em jogo ali é o que eles vão falar, não é o coletivo”. Já no terceiro ano ela exige que as crianças ouçam o que o colega falou para não repetir a mesma coisa. A professora Marina (Salgueiro, 1998) também adota esta postura de orientar seus alunos a incorporar a fala do colega antes de responder. Marina organiza a participação de seus alunos segundo a ordem dos assentos, de modo que todos participem. Outro critério que ela utiliza é que não basta responder, é necessário justificar sua resposta, o que demanda certo nível de reflexão por parte do aluno.

Gauthier e colaboradores (2006) reiteram que em pequenos grupos a prática de solicitar a participação de cada estudante em ordem é funcional, mas em grupos grandes tal prática pode se tornar cansativa: “geralmente é mais eficaz selecionar certos alunos ou solicitar voluntários do que sistematicamente solicitar que cada um responda às perguntas” (p. 223). Segundo os mesmos pesquisadores para uma participação mais reflexiva é bom que o professor dê um tempo de três a cinco segundos para que o aluno pense em sua resposta. Tanto Salgueiro (1998) quanto Gauthier e colaboradores (2006) afirmam que quando o aluno não sabe a resposta o professor deve insistir para que ele responda; seja dando mais tempo para pensar, dando dicas ou fazendo outros questionamentos que ajudem o aluno a pensar.