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Fazer uma retrospectiva do percurso histórico das políticas públicas no Brasil é, em parte, conhecer acepções e ideários que embalaram e embalam cada momento da intervenção do Estado, do passado ao presente, não apenas como história cronológica amontoada de fatos, mas especialmente para detectar e apreender sua repercussão e sua tipicidade incorporada à política cultural ainda hoje. Como diz Connerton (1993, p. 2):

podemos observar que a nossa experiência do presente depende em grande medida do nosso conhecimento do passado. Entendemos o mundo presente num contexto que se liga causalmente a acontecimentos e a objectos do passado e que, portanto, toma como referência acontecimentos e objectos que não estamos a viver no presente. E viveremos o nosso presente de forma diferente de acordo com os diferentes passados com que podemos relacioná-lo.

Renato Ortiz (1999), no tocante à cultura brasileira, também mostra a importância de conhecer o passado na tentativa de localizar os embriões da atual “sociedade de massa” – que, por sua vez, teve sua formação a partir dos anos 1940 e 50 – e que vive num contínuo desejo de se modernizar sem que suas estruturas para tal se encontrem “no lugar”.

Neste capitulo, que é basicamente de mapeamento das ações do Estado no campo cultural, a partir dos anos 30, serão referenciadas apenas aquelas ações que foram pauta na agenda pública e que nos parecem implicar necessidade de maior consideração e contribuição a este estudo.

A opção de partirmos dos anos 30, do século XX, se embasa e justifica por dois aspectos: primeiro porque estes anos trazem alterações políticas, econômicas e culturais significativas. Em segundo, porque, conforme Rubim (2008), até esse período a República brasileira, oligárquica, do final do século XIX até os anos 30, também não teve condições de orquestrar um ambiente propício para engendrar efetivas políticas culturais nacionais.

O que houve foi apenas, em alguns estados, a realização de ações culturais pontuais, mais especificamente com preocupações na área de patrimônio e tal ação não pode ser considerada como uma efetiva política cultural.

Contudo, foi em meio às limitações dessa velha república em ruínas, do aparecimento das classes média e da proletária no cenário político, de uma burguesia emergente disputando espaço político com as oligarquias e uma “Revolução” (a de 30) realizando uma transição pelo alto e sem grandes rupturas, que Rubim (2008), em seu artigo Políticas culturais no

Brasil: trajetória e contemporaneidade, nos informa que a política cultural brasileira teve sua inauguração.

Inauguração essa marcada por duas reais circunstancias institucionais, uma em nível municipal e outra em nível federal/ministerial que são, respectivamente, Mário de Andrade, no Departamento de Cultura da Prefeitura da cidade de São Paulo, de 1935 a 1938, e a implantação do Ministério da Educação e Saúde, ainda em 1930, especialmente quando esse teve à frente, de 1934 até 1945, Gustavo Capanema. Os feitos de ambos apresentaremos no transcorrer do capítulo.

O primeiro, Mário de Andrade, é marcante porque independente das críticas que recebeu sobre os aspectos de sua visão iluminista elitista de cultura e a desatenção com o analfabetismo no país, ele transcendeu as fronteiras paulistanas com suas práticas e ideários contrapostos a toda a “triste tradição” da política brasileira. Dentre suas contribuições inovadoras na política cultural estão: 1) promover uma intervenção estatal sistemática com inclusão de diferentes áreas da cultura; 2) pensar a cultura como algo “tão vital como o pão”; 3) ter uma definição ampla de cultura, ultrapassando as belas artes, mas abarcando-a e incluindo as culturas populares e outras formas; 4) assumir o patrimônio tanto como material, tangível e possuído pelas elites, quanto também como imaterial, intangível e conexo aos diferentes estratos da sociedade; 5) patrocinar, à revelia do costume e fora do eixo dinâmico e da jurisdição administrativa do país, duas missões etnográficas às regiões amazônica e nordestina para pesquisar suas populações – por ter percebido como sendo possuidoras de significativos acervos culturais (RUBIM, 2008).

O segundo, Gustavo Capanema, apesar de “esteticamente modernista e politicamente conservador”, assim como fazendo parte da ditadura do Estado Novo, de Vargas, em 1937, não se furtou em acolher muitos intelectuais e artistas progressistas e prosseguiu intervindo culturalmente numa atuação paradoxal na qual, de um lado, se via uma ação “negativa”– opressão, repressão e censura próprias de qualquer ditadura –, de outro, a forma “afirmativa” – formulando práticas, legislações e (novas) instituições (RUBIM, 2008).

3.1 A política cultural do Estado brasileiro, 1934-1988

Como dito, não caberá ao estudo o aprofundamento ao mapeamento das ações do Estado, mas abordá-la inicialmente de forma sintética em seus momentos enfáticos para, em seguida, comentá-las. Para tal, utilizaremos uma síntese da Evolução da Agenda Pública Brasileira (Quadro 5) apresentada por Marcus André Melo (1999), em um artigo denominado

As sete vidas da Agenda Pública Brasileira48, no qual o autor, explorando analiticamente a trajetória histórica brasileira, percebe nela sete momentos – que vão da Primeira Era Vargas até o Governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) – e aponta, a cada momento, características particulares; isto é, o princípio organizador e os efeitos esperados dessas políticas.

Entretanto, para consolidar nossa intenção de demonstrar historicamente a agenda da política pública brasileira e, concomitante, da política cultural dentro daquela agenda, adaptamos o referido quadro com mais uma coluna à direita, na qual constam as ações promovidas e alguns efeitos obtidos no campo da cultura, resumidamente, em cada período histórico, tendo por referências bibliográficas principais o Centro de Pesquisa e

Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC)49 da Fundação Getúlio

Vargas, as pesquisas de Lia Calabre50, Maria Amélia Bulhões et al.51, Antônio Rubim52 e outros referenciais no estudo das políticas culturais, complementando assim o referido quadro.

Ressaltamos que o mesmo quadro “Evolução da agenda pública brasileira”, de Melo (1999), é exposto com a finalidade de termos uma referência histórica, em síntese, logo no início deste segundo capítulo e, por questão de ausência de referências, desse autor, sobre o governo de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff nesse mesmo Quadro 5, apresentamos esses dois governos com considerações mais recentes assentadas nas bibliografias especializadas sobre o assunto, na sequência.

48In: RICO, Elisabeth Melo (org) Avaliação de políticas públicas sociais: uma questão em debate. São Paulo: Cortez, 1999.

49O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV) é a Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas. Criado em 1973, tem o objetivo de abrigar conjuntos documentais relevantes para a história recente do País, desenvolver pesquisas eem sua área de atuação e promover cursos de graduação e pós-graduação. (FGV/CPDOC, 2016). Disponível em: < http://cpdoc.fgv.br/sobre> Acesso em: 11 jun. 2016.

50 Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (2002). Pesquisadora Titular e chefe do Setor de Estudos de Política Cultural da Fundação Casa de Rui Barbosa (2003-2014). Atual Presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa. Disponível em: http://www.escavador.com/sobre/5824899/lia-calabre-de-azevedo Acesso em: 11 jun. 2016.

51É pós-doutora pela Universidade de Paris I, Sorbone e na Universidade Politécnica de Valença Professora titular e pesquisadora do PPG em Artes Visuais da UFRGS, atuante na linha de pesquisa Relações Sistêmicas da Arte (BULHÕES et al., 2014, p. 7).

52Professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências e do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA. Pesquisador do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura da UFBA. Pesquisador do CNPq. Pesquisador de Políticas Culturais. Foi secretário de Cultura do Estado da Bahia entre 2011 e 2014. Disponível em: <http://www.producaoculturalba.net/wp-content/uploads/2013/06/ALBINO- RUBIM.pdf.pdf> Acesso em 13 jun. 2016.

Quadro 5 - Evolução da agenda pública brasileira53 PRINCIPIO ORGANI- ZADOR DAS POLÍTICAS CULTURAIS EFEITO ESPERADO DAS POLÍTICAS

AÇÕES PROMOVIDAS E EFEITOS