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Normas jurídicas, no caso do Estado, ou procedimentos tipificados, em relação aos demais agentes, que regem as relações entre os diversos sujeitos e objetos

2 POLÍTICAS PÚBLICAS, PRODUÇÃO CULTURAL E POLÍTICA CULTURAL

1. Normas jurídicas, no caso do Estado, ou procedimentos tipificados, em relação aos demais agentes, que regem as relações entre os diversos sujeitos e objetos

culturais; e 2. Intervenções diretas de ação cultural no processo cultural propriamente dito (construção de centros de cultura, apoio a manifestações culturais específicas, etc.)

Do ponto de vista da orientação adotada e das características das ações empreendidas, as políticas culturais tendem a apresentar-se seguindo duas lógicas: uma da oferta − apoio à arte para dar-lhe suporte em infraestrutura adequada e assim oferecê-la para consumo – e a outra pela lógica da demanda – aquelas políticas preocupadas com a formação e estímulo aos públicos. Ainda sob esse aspecto, Coelho (1997, p. 295) relata os tipos mais comuns:

as políticas culturais mais comumente se dizem monistas (políticas nacionalistas ou de enquadramento ideológico) e pluralistas, gradualistas ou revolucionárias (quando advogam o rompimento imediato e completo com a ordem antiga e a pronta instalação da nova ordem), rotineiras e inovadoras, elitistas ou populistas.

A política cultural que concebe os indivíduos e grupos enquanto sujeitos-objetos de sua história, não traz, imediatamente, a solução de problemas, mas primeiro constrói problemas a serem solucionados, segundo Coelho (1997, p. 14):

De fato, antes de apresentar soluções, a política cultural trata de construir problemas. As soluções devem ser buscadas pelos recipientes-sujeitos das políticas culturais, que têm seu papel a representar também no equacionamento do problema. A construção do problema é o passo necessário para resolvê-lo, e esse passo cabe à política cultural. Nada além disso. A política cultural assume sua expressão máxima na figura da ação cultural, entendida como a criação das condições para que os indivíduos e grupos criem seus próprios fins.

Andrade (2015, p. 716) chama a atenção para outro fator: a obtenção de uma visão macro por parte dos gestores de políticas culturais que, por sua vez, costumam dar a essas um “tom particularista e setorizado” da produção cultural. Ou seja, antes do gestor priorizar demandas setorizadas, deve ele reconhecer que a política cultural deve ser traçada como um projeto de desenvolvimento para o local ou país.

Para entrar no mérito das questões conceituais, Rubim (2008) discute primeiro as dificuldades e desafios que considera que devem ser superados com o objetivo de se construir um conceito. Então, considera dispersa, em vários sentidos, a bibliografia sobre políticas culturais no Brasil e diz que tal dispersão provem de três fatores: um é a diversificação das

áreas disciplinares e mesmo multidisciplinares – dificultando a pesquisa e sugerindo mais ousadia acadêmica para dar conta; segundo, é que a bibliografia trata de maneira desigual os diferentes momentos da história das políticas culturais nacionais – para alguns períodos os estudos são expressivos, enquanto outros períodos há carência de investigações; e, terceiro, é a questão da ausência de interpretações mais sistemáticas na compreensão da trajetória das políticas culturais. Essa análise de trajetória necessita de pressupostos teóricos (por sua vez dispersos e múltiplos) para a definição de um conceito sobre políticas culturais.

Dentre as múltiplas noções de políticas culturais está a de Nestor García Canclini que consideramos interessante no sentido desse autor admitir a necessidade de ampliação na maneira de conceber as políticas culturais ante a realidade atual, especialmente, de transnacionalização. Assim, assinala:

Los estudios recientes tienden a incluir bajo este concepto al conjunto de intervenciones realizadas por el estado, las instituciones civiles y los grupos comunitarios organizados a fin de orientar el desarrollo simbólico, satisfacer las necesidades culturales de la población y obtener consenso para un tipo de orden o de transformación social. Pero esta manera de caracterizar el ámbito de las políticas culturales necesita ser ampliada teniendo en cuenta el carácter transnacional de los procesos simbólicos y materiales en la actualidad

(CANCLINI, 2001, p. 65).47

Isaura Botelho (2016) ao tratar das dimensões da cultura e o lugar das políticas públicas, afirma que, para evitar equívocos no entendimento do que seja uma política pública de cultura, é necessário distinguir a “cultura no plano cotidiano” (p. 19) daquela “pertencente ao circuito institucionalizado” (p. 19). Respectivamente, a acepção antropológica – que corresponde à forma mais abrangente de cultura e é produzida pela interação social dos indivíduos que elaboram seus modos de vida (pensar e sentir, valores, identidades e diferenças, definem suas cotidianidades) e tem suas determinações simbólicas particulares e individuais “a partir de origens étnicas ou regionais, de campos profissionais ou culturais, de identidades de grupo ou geração” (IDEM, 2016, p. 21); e a acepção sociológica – corresponde a forma mais restrita e palpável da cultura que é produzida de maneira intencional, dentro de um universo de linguagens específicas (cadeia produtiva das diversas expressões artísticas e culturais que, geralmente, busca algum tipo de público) que, para se realizarem, dependem de

47 “Estudos recentes tendem a incluir no âmbito deste conceito o conjunto de intervenções por parte do Estado, instituições civis e grupos comunitários organizados para orientar o desenvolvimento simbólico, satisfazer as necessidades culturais da população e obter consenso para um tipo de ordem ou transformação social. Mas esta maneira de caracterizar o domínio das políticas culturais precisa ser ampliada, tendo em conta o caráter transnacional dos processos simbólicos e materiais na atualidade” (CANCLINI, 2001, p.65, tradução nossa).

um conjunto de institucionalidades que possam promover “a formação, o desenvolvimento ou aperfeiçoamento de talentos, bem como da existência de canais que permitam a difusão e a circulação das obras.” (BOTELHO, 2016, p. 22), sendo assim um universo constituído por profissionais e amadores, por instituições e demandas políticas e econômicas.

Ambas constituem dimensões com diferentes estratégias de ação, embora possam e devam ser articuladas entre si. Sendo a última dimensão a mais visível, se torna a matéria prima das políticas culturais uma vez que suas ações objetivas são passiveis de intervenção planejada para a solução de problemas.

Porém, sob uma relação de interdependência, as políticas culturais para se objetivarem dependem, por um lado, de organização e ativismo da dimensão antropológica penetrando na dimensão sociológica, ou seja, a sociedade civil se articulando e organizando-se em grupos, coletivos e outras formas associativas e cooperadas, apresentando suas pautas de demandas. Por outro lado, o setor governamental precisa ter definido sua atuação na política cultural e estratégias dispostas ao enfrentamento dos desafios advindos da dimensão antropológica. (BOTELHO, 2016).

Por fim, do ponto de vista ideológico, as políticas culturais são classificadas em três formas: a(s) política(s) do dirigismo que “compreendem subtipos como tradicionalismo patrimonialista e estatismo populista”; a(s) política(s) de liberalismo cultural, neste caso, “afirmam não defender modelos únicos de representação simbólica, nem entendem, necessariamente, que é dever do Estado promover a cultura e oferecer opções culturais à população”; e a(s) política(s) de democratização cultural que “baseiam-se no princípio de que a cultura é uma força social de interesse coletivo que não pode ficar à mercê das disposições ocasionais do mercado, devendo portanto ser apoiada de acordo com princípios consensuais”(COELHO, 1997, p. 298).

Tendo essas considerações em mente, supomos que o processo histórico esboçado, a seguir, receberá do leitor um olhar mais atento.