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Gestão João Henrique (2006-2008) e a Confraria Tucuju: protagonismo social, institucionalização da cultura fora do modelo do SNC

2003-2005 Articulação política

5 RESULTADO DA AVALIAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DO SNC NO MUNICIPIO DE MACAPÁ/AP

5.2. A implementação da política pública de cultura do Município na visão dos gestores e agentes institucionais.

5.2.1 Gestão João Henrique (2006-2008) e a Confraria Tucuju: protagonismo social, institucionalização da cultura fora do modelo do SNC

A gestão de João Henrique Pimentel,128 na Prefeitura Municipal de Macapá (PMM), deu-se por dois mandatos e ocorreu no período de 2001 a 2008. Para fins informativos, esta pesquisa abrange o período de 2006 a 2016, logo, o período investigado neste trabalho, sem deixar de considerar tomadas de decisões políticas anteriores ao período investigado, se focará mais especificamente em ações de sua gestão a partir de 2006 quando JH já estava em seu segundo mandato.

Na intenção de dar a conhecer com brevidade seu perfil, JH é macapaense/amapaense, engenheiro civil que teve seu estudo superior alcançado na Universidade Federal do Pará (UFPA) – como todo amapaense daquele período, pois não havia curso superior no estado. Formado, desempenhou suas funções profissionais inicialmente como engenheiro em empresa privada da construção civil e, no governo de João Alberto Capiberibe, foi Diretor de Obras da Secretaria de Estado da Infraestrutura (SEIF), posteriormente assumiu como secretário da pasta por dois anos. Saiu do cargo para concorrer à Prefeitura de Macapá pelo Partido Socialista (PSB) e foi eleito prefeito de Macapá em 2000, se reelegendo em 2004, no primeiro turno, para um segundo mandato, desta vez, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) com apoio

do ex-Presidente Lula. Quando prefeito, concorreu e foi premiado Prefeito Empreendedor do Amapá (Prêmio Sebrae). Foi vereador de Macapá no período de 2012 a 2016. Em 2017, pelo momento da entrevista para esta pesquisa, ocupava o cargo de secretário de Infraestrutura do Estado do Amapá. É considerado pelo campo cultural, em Macapá, como pessoa sensível à cultura, fã de Chico Buarque e, tendo espírito artístico voltado à música, ele mesmo se autodeclarou “sou músico prático”.

A entrevista com JH transcorreu de forma objetiva e, após explicarmos os objetivos da pesquisa, lhe indagamos se conhecia o Sistema Nacional de Cultura (SNC) e o Plano nacional de Cultura (PNC). Respondeu que sim, mas “muito pouco” e disse lembrar de debates em

2012 “mas não cheguei a me inteirar” (PIMENTEL, 2017, informação verbal)129.

Uma vez que o entrevistado afirmou não estar inteirado do SNC e do PNC e para adequar nossas perguntas a realidade vivenciada por ele, reformulamos a questão na pergunta oral que ficou assim: “na sua época não teve adesão do município ao sistema, mas houve implementação de dia-a-dia, de metas, de uma política que você fazia. Como é que se deu essa implementação na sua gestão, no campo da cultura?”.

O entrevistado pronunciou que

mesmo não sendo sistematizada, foi uma decisão política de fazer acontecer, porque é opção mesmo... eu poderia ter investido em outros serviços públicos, mas a gente entendia que investir na cultura, principalmente pela história da nossa cidade, era interessante. E não só a questão cultural, como também a questão do desenvolvimento (PIMENTEL,2017, informação verbal).

Ou, seja, JH entende a identidade macapaense com potencial capaz de agregar valor a vários setores, tal como turismo e a economia, promovendo o desenvolvimento, então tornou- a o “carro-chefe” (nas palavras dele) de sua gestão. Em seguida, JH complementou:

Olha, nós tomamos a decisão de estabelecer dentro da prefeitura um viés de que a cultura além de ser um entretenimento e preservar a nossa história, ela também representasse a questão do desenvolvimento do turismo local, fazendo essa interação, e com isso respeitando os nossos valores culturais locais. [...] Ou seja, além de valorizar a cultura também valorizar os artistas. E também estabelecer esse ângulo, entender que a cultura é um instrumento de desenvolvimento econômico (PIMENTEL, 2017, informação verbal).

129 PIMENTEL, João Henrique. Entrevista [mar. 2017]. Entrevistadora: Fátima Lucia Carrera Guedes. Macapá, 2017. 1 arquivo .mp3 (00:40:52).

Ainda instigada com as estratégias de JH para desenvolver a cultura, perguntamos: e “essa noção de estratégias de desenvolvimento vem de uma experiência na gestão pública ou da iniciativa privada?”, ao que JH respondeu:

Da formação mesmo. Eu sou um músico prático. Não sou um músico acadêmico. Então é da minha convivência perto das manifestações culturais...eu morei na Favela130, então, toda uma história de convivência vem desde a questão da relação com a igreja, do costume de escutar difusora, a rádio (PIMENTEL, 2017, informação verbal).

Prosseguimos e, diante da sua afirmativa de que nada fora sistematizado nos moldes do SNC, todas as demais questões semiestruturadas que havíamos anotado tomaram outro rumo: pedimos, então, que ele contasse mais do que aconteceu na sua gestão, tipo que ações foram implementadas, formas de implementá-las, prioridades e metas estabelecidas, e a primeira resposta dada por JH foi de cunho prático e tratou do patrimônio histórico, em especial do resgate histórico e revitalização do Largo dos Inocentes131 (Figura 13):

Eu acho que primeiro foi a questão do Plano Diretor que aprovamos em 2004, que dava sentido a vários aspectos urbanos da área cultural. E, uma das coisas principais era a preservação do Largo [...] na época, era o artigo 36, que trata de estratégias para a qualificação dos espaços urbanos do município do Macapá, e naquela época já fizemos isso, foi um dos primeiros atos. O fundamental foi a revitalização do Largo dos Inocentes, atrás da igreja de São José do Macapá132 (PIMENTEL, 2017, informação verbal).

130 Se referindo ao local de entorno do centro histórico de Macapá que, no passado, foi assim denominado. Para ser mais precisa, a rua seguinte ao lado do Largo dos Inocentes. Essa explicação se justifica porque existe um bairro de Macapá - onde os negros segregados pelo governo de Janari Nunes foram deslocados - que por muito tempo foi denominado Favela, hoje Santa Rita.

131 O nome foi dado após o resgate histórico feito para embasar a revitalização do mesmo; até então era denominado ‘Formigueiro’.

132 “É o monumento mais antigo da cidade, sua construção data do século XVIII. A inauguração da Igreja foi em 06 de março de 1761 [...]. Algumas modificações, na estrutura do prédio, foram realizadas após a chegada dos padres do PIME (Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras), em 1948.” (Disponível em:

<http://casteloroger.blogspot.com/2011/05/patrimonios-do-amapa-igreja-de-sao-jose.html>. Acesso em: 28 mai. 2019.) Foto: Acervo da Biblioteca Pública Municipal de Macapá/ post. do blog em 1 de maio de 2011)

Figura 13 - Largo dos Inocentes (Formigueiro).

Fonte: Nilson Montoril – Arambaé (Post. em 9 jan. 2012)133

A concepção de cultura-desenvolvimento de JH e, num determinado momento, a sua afirmativa “A cultura deve ser uma decisão política, pois a sustentabilidade de um povo está na cultura” (PIMENTEL, 2017, informação verbal) na entrevista nos levou a refletir, na análise de dados posteriormente, sobre um dos aspectos do paradigma do desenvolvimento sustentável, o desenvolvimento local enquanto processo endógeno de mudança, nos valemos do que afirma Buarque (2002) de que este:

leva ao dinamismo econômico a à melhoria da qualidade de vida da população em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos. Para ser consistente e sustentável, o desenvolvimento local deve mobilizar e explorar as potencialidades

locais e contribuir para elevar as oportunidades sociais e a viabilidade e competitividade da economia local; ao mesmo tempo, deve assegurar a conservação dos recursos naturais locais que são a base mesma das suas potencialidades e

condição para a qualidade de vida da população local. Esse empreendimento

endógeno demanda, normalmente um movimento de organização e mobilização da

sociedade local, explorando suas capacidades e potencialidades próprias, de modo a criar raízes efetivas na matriz socioeconômica e cultural da localidade. (BUARQUE, 2002, p. 25-26, grifo do autor).

Obviamente que o desenvolvimento local não se atém somente a esses aspectos, mas resulta de múltiplas ações que convergem e se complementam – com movimentos e reorganização nas outras dimensões da realidade, tais como as institucionais e a das relações sociais, por exemplo - dentro da dinâmica social de um território; assim como não se pode limitar pensar o desenvolvimento local apenas associado ao desenvolvimento endógeno e dissociado da importância da dinâmica econômica hegemônica da sociedade, pois, não está

133 Disponível em: < http://montorilaraujo.blogspot.com/2012/01/largo-dos-inocentes.html>. Acesso em: 28 mai. 2019.

isento do processo de desenvolvimento endógeno o aumento da renda e a geração de riquezas com agregação de valor locais, via atividades viáveis e competitivas – até para dar conta de concorrer nos mercados locais e regionais e, num maior alcance, nos mercados globais. O certo é que, segundo Buarque (2002), municípios com empreendimentos produtivos sem base local ou dependentes somente de recursos externos e com base de arrecadação fomentada apenas pelos fundos de participação não se podem dizer municípios com desenvolvimento local.

Não sabemos se, influenciado pelo projeto governamental – o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá – do qual JH fez parte – na gestão Capiberibe – ou, se por questões outras, essa decisão foi tomada e tomou assento na agenda pública do município. Mas, consideramos refletir o assunto a partir de Galindo e Abu-El-Haj (2017, p. 112):

Em seu segundo mandato, o prefeito passou à Câmara uma nova mensagem ao encaminhar o PPA do quadriênio 2006-2009, a qual menciona apenas que a participação popular na gestão da cidade deve ser enfatizada através da utilização de instrumentos, entre os quais órgãos colegiados de política urbana, debates, audiências e consultas públicas. Na estrutura do plano houve um detalhamento superficial da metodologia utilizada, informando que o PPA foi baseado no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Macapá; no Plano Estratégico da equipe gestora de 2005 e nas informações advindas da II Conferência da Cidade realizada em Macapá. Entretanto, a intencionalidade da gestão da participação social é identificada semanticamente em um dos eixos estratégicos (Desenvolvimento Humano e da Cidadania) e novamente traduzida em um dos 36 Programas apresentados no respectivo Plano (Programa Mobilização Social).

Ou seja, a preocupação com a cultura na gestão de JH teve na preservação do patrimônio histórico – especialmente no Plano Diretor como ferramenta de planejamento de estratégias que visavam qualificar os espaços urbanos do município de Macapá – o seu primeiro caminho inicial de abordagem. Trabalhar a interatividade entre cultura e o turismo – este último, por sua vez, para ser desenvolvido necessita lançar mão de uma infraestrutura adequada, da história local, da cultura local – e tê-los como instrumento de desenvolvimento econômico foi a decisão tomada nesta gestão.

Vemos, ainda, na citação acima, uma preocupação com a participação popular na gestão e com a cidadania no Planejamento Plurianual (PPA) em que essa é “enfatizada através da utilização de instrumentos, [...] entre os quais órgãos colegiados de política urbana, debates, audiências e consultas públicas” – embora não detalhadamente, como relata Galindo e Abu-El-Haj (2017).

Daí surge uma nova questão que, na nossa percepção, é uma das mais importantes numa uma avaliação de políticas públicas – no que diz respeito ao protagonismo social, a participação – e, particularmente, para as políticas de cultura que vem à cena a partir de 2003, com Gil, no Governo Lula. A oportunidade de a centralidade da cultura passar às mãos da sociedade é algo relevante e, em Macapá, tal feito constituiu o início do processo de democratização da cultura.

Entre 2005 e 2008, sob a gestão municipal de JH nasce a célula embrionária do que hoje tem-se no município em termos de política cultural. É o que consideramos como o período inaugural da institucionalização da política cultural em Macapá que, embora fora dos instrumentos previstos pelo SNC, nasce de uma parceria com uma entidade da sociedade civil organizada, a Confraria Tucuju.134

A pedra fundamental desse processo foi estabelecida com a decisão de resgate histórico da cidade, por JH, para embasar ações de revitalização do centro histórico e, tal responsabilidade foi delegada por ele à Confraria – “Essa revitalização foi feita pela Confraria Tucujú” (ver Figura 14), nas palavras de Pimentel (2017).

Figura 14 - Largo dos Inocentes revitalizado.

Fonte: Foto: http://casteloroger.blogspot.com.br/ (Post. em 01/07/2014)

A partir daí muitas outras realizações foram protagonizadas pela Confraria que desempenhou um importante papel no regate da história e valorização da cultura local. A

134 É uma entidade sem fins lucrativos (OSCIP) que atua na valorização da cultura, desde 1996, quando foi fundada e é “destinada à defesa e preservação dos fatos históricos, sociais e culturais do Amapá” (SUZUKI et

Confraria Tucuju teve na gestão de JH seu financiamento e usufruía de plena liberdade para “tocar” a cultura do município. Desse modo, muitos avanços ocorreram na diversidade de ações empreendidas os quais os resumimos no Quadro 7, inclusive, direcionadas a descobrir a identidade macapaense/amapaense, fato que culminou na descoberta e definição de traços culturais que foram legitimados pelo campo cultural e se tornaram uma espécie oficial de “a cara de Macapá”.

Quadro 7 - Resumo das ações na gestão de JH.