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Política Cultural: a intervenção do poder público no campo da cultura

2 POLÍTICAS PÚBLICAS, PRODUÇÃO CULTURAL E POLÍTICA CULTURAL

6) Partidos Políticos[ ] os partidos políticos eram fundamentais no processo político Actualmente, esta posição é relativizada, porquanto, aceitando-se embora,

2.3 Política Cultural: a intervenção do poder público no campo da cultura

Relação antiga é a da política versus cultura. Mas estudiosos sugerem que há uma nova perspectiva sobre as políticas culturais contemporâneas: inicialmente a cultura submeteu-se à política e, hoje, é o inverso, a política está para desenvolver a cultura, ou seja, a cultura vem como finalidade e a política como meio para esse fim, assim ressalta Urfalino (2015), apesar de ser este ainda um tema controverso.

Em seu livro A invenção da política cultural, Philippe Urfalino (2015) faz uma análise da política cultural francesa com seus fundamentos ideológicos e administrativos, com base em documentos, entrevistas e bibliografias sobre o período, de modo que assim contribui sobremaneira para com o entendimento sobre as bases da cultura enquanto campo passível de intervenção política.

Urfalino (2015) relata que a maioria dos estudiosos de política cultural reconhece o século XX como o do nascimento das políticas culturais, apesar de discordarem, entre eles, do momento exato desse nascimento. Então, quanto à invenção contemporânea das políticas culturais, segundo Rubim (2012, p. 14) existem

três experimentos que [...] podem se constituir em inaugurais: as iniciativas político- culturais da Segunda República Espanhola nos anos trinta do século passado; a

instituição do Arts Council na Inglaterra, na década de quarenta, e a criação do Ministério dos Assuntos Culturais, na França, em 1959.

Porém, entre os três eventos, conforme Urfalino (2015) e Rubim (2012), há uma tendência maior em assumir este último como o exemplo mais bem-acabado – senão no mundo, pelo menos no ocidente – de institucionalização de uma política cultural, que teve André Malraux à frente. Tanto o americano Hermann Lebonics (1999), em seu livro Mona Lisa’s Escort: André Malraux and the Reinvention of French Culture, quanto Philippe Urfalino (2015) corroboram a esse favor.

Além de considerada a ‘invenção da política cultural’ em moldes atuais, a contribuição de Malraux e seu Ministério deu-se no sentido de ter moldado “os modelos iniciais e paradigmáticos de políticas culturais, com os quais ainda hoje gestores e estudiosos lidam” (RUBIM, 2012, p. 15), como, por exemplo, a questão da democratização cultural – considerada o primeiro modelo de política cultural – e o exemplo das Casas de Cultura como pontos de acesso popular à cultura na França.

Ambos os exemplos inspiraram o mundo e, no caso do Brasil, estão representados de forma inaugural nas gestões “Cidadania Cultural”, de Marilena Chauí, na Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e, em nível nacional, a partir de Gilberto Gil, no MinC, com os Pontos e Pontões de Cultura no Brasil afora.

Inventadas as políticas culturais, a inserção dessas políticas com relevância na agenda pública internacional adveio não somente do exemplo francês, mas principalmente da

atividade desenvolvida no campo da cultura pela Unesco,45 desde pelo menos 1980, através de

um “número respeitável de instrumentos de normatização e de ferramentas demonstrativas,

como estatísticas culturais, inventários, mapeamentos de recursos culturais”.46

Cientes de que a relação entre cultura e desenvolvimento é – ou deveria ser – indissociável, se aceita que a mesma seja uma pauta presente no interior das políticas culturais e, nesse debate, a Unesco tem se feito presente.

45 “A UNESCO é a única agência das Nações Unidas encarregada da cultura. O texto da sua constituição (1946) lhe confia o duplo mandato de promover uma "salutar diversidade de culturas" e o “trânsito livre de ideias em palavras e imagens” (Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/politicas5/-

/asset_publisher/WORBGxCla6bB/content/entendendo-a-convencao-da-diversidade/10913>. Acesso em: 25 nov. 2016).

46 BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Programa IV Cultura. Delegação Permanente Junto a Unesco. Disponível em: <http://brasunesco.itamaraty.gov.br/pt-br/cultura.xml>. Acesso em: 4 nov. 2016

Para Werthein (2003, p. 13),

A evolução do pensamento da UNESCO sobre a cultura tem sido uma bela construção no campo das ideias que, ao longo do tempo, veio agregando complexidade ao entendimento do processo cultural e ampliando progressivamente as nossas responsabilidades.

Nos anos de 1980, precisamente na Conferência Mundial do México de 1982, os conceitos de cultura e de desenvolvimento foram expressos com tamanha proximidade entre si que, para Werthein (2003, p. 13), “um leitor menos atento poderia facilmente permutar um pelo outro, sem prejuízo dos seus conteúdos”. Toda essa movimentação nos debates da referida conferência trouxe como resultado o estabelecimento da Década Mundial para o Desenvolvimento Cultural, que ocorreu de 1988 a 1997 (WERTHEIN, 2003).

Em se tratando de inauguração da política cultural no Brasil, essa existe institucionalizada desde a instituição do Estado Novo, na década de 30, apesar do formato das suas iniciativas terem sido de caráter fechado e elitista – contrapostos aos paradigmas franceses de Malraux –, do ponto de vista da participação popular, como já dissemos anteriormente.

Ao tratar de tal inauguração, é importante enfatizar que, apesar da influência do ministério de Malraux e seu arcabouço de fundamentações assentado em práticas democráticas terem marcado presença nas gestões de Marilena Chauí e Gilberto Gil, essa presença não foi inaugural. Rubim (2008) aponta que o marco inaugural das políticas culturais brasileiras ocorreu anteriormente, na década de 1930, no contexto de domínio ainda da construção do Estado nacional e o autor atribui tal feito a duas gestões: a de Mário de Andrade, na sua passagem (vanguardista) pelo Departamento de Cultura da Prefeitura da cidade de São Paulo (1935-1938), e à implantação do Ministério da Educação e Saúde, em 1930, que contou especificamente com a presença (paradoxal e inovadora) de Gustavo Capanema à frente desse ministério, de 1934 até 1945.

Observa-se outro aspecto, ainda, que é a ideia de cultura como “bem” e essa não é inédita no ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição de 1946, conhecida como Constituição da República Populista, ao determinar em seu artigo 174 que “O amparo à cultura é dever do Estado”, revela que o paternalismo pós-Estado Novo também pretendia ocupar-se da cultura enquanto objeto de intervenção estatal.

Na Constituição Federal atual, a concepção de cultura se expande a partir do conceito antropológico e nas gestões do governo federal a partir de 2004, onde se definem dimensões de atuação para nortear as ações institucionais.

Entretanto, antes de tratarmos desse processo de intervenção estatal em cada período, cabe-nos definir o que seja uma política cultural. Para tal definição, iniciemos pela proposta de Teixeira Coelho (1997), em seu Dicionário Crítico de Política Cultural:

[...] a política cultural é entendida habitualmente como programa de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento de suas representações simbólicas. Sob este entendimento imediato, a política cultural apresenta-se assim como o conjunto de iniciativas, tomadas por esses agentes, visando promover a produção, a distribuição e o uso da cultura, a preservação e divulgação do patrimônio histórico e o ordenamento do aparelho burocrático por elas responsável. (COELHO, 1997, p. 292)

Cientes de que uma política cultural é fundada com objetivo(s), faz-se providente saber que quem viabiliza, na prática, a política cultural é a ação cultural: “Conjunto de procedimentos, envolvendo recursos humanos e materiais, que visam pôr em prática os objetivos de uma determinada política cultural” (COELHO, 1997, p. 31).

Andrade (2015, p. 715, grifo do autor), que considera a cultura como um “conceito amplo”, diz que, apesar disso, convencionou-se como “política cultural as diretrizes mais direcionadas para a produção artística” e, ainda, que há debates controversos e polêmicos sobre ‘o que’ pertence ao universo cultural, por exemplo: uns alegam que a produção cientifica se inclui nas políticas de cultura e outros afirmam que, para tal, existem as políticas que são próprias da área científica ou do ensino. Particular e especulativamente supomos que a produção científica pode e deve ter assento nos dois universos, uma vez que ambos resultam, direta ou indiretamente, das relações interativas da cultura.

Há quem defenda que, na política cultural, deveriam estar inseridos “os chamados setores criativos, como a moda, por exemplo, com fortes interesses empresariais e de mercado” (ANDRADE, 2015, p. 715) e, assim, os debates seguem.

Á parte as controvérsias, o certo é que o pano de fundo da política cultural não deixa de ser a atual etapa avançada do capitalismo na qual as mais diversas atividades humanas são colocadas sob seu domínio e, nesse contexto, estão o Estado e o 'criador’. Nessa relação, conforme IDEM (2015, p. 715) “A ação estatal dá-se [...] ora aprisionando os criadores aos interesses políticos e sociais dos poderosos, ora desenvolvendo-se em franco conflito com os criadores”.

As intervenções do Estado, para Coelho (1997, p. 292, grifo nosso) assumem a forma de:

1. Normas jurídicas, no caso do Estado, ou procedimentos tipificados, em relação