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6.1 CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM

6.1.1 A porra da cortina azul: o destronamento da análise literária

Figura 02: A porra da cortina azul

Fonte: Dados da pesquisa

Começaremos a análise do primeiro enunciado, intitulado por meio da linguagem da praça pública, convidada pela festividade de Wagner, aluno do curso de Eletrotécnica (turno vespertino). O enunciado apresenta, no plano superior, uma tirinha de Calvin, personagem do cartunista americano Bill Watterson e um dos integrantes da tirinha “Calvin e Haroldo”.

A escolha deste personagem é relevante para a intenção carnavalesca do texto, tendo em vista que Calvin é famoso por seus questionamentos ácidos e comportamentos transgressivos, os quais costumam deixar seus pais enfurecidos e brindar o leitor com críticas inteligentes e inesperadas, considerando, sobretudo, o fato de o personagem ser apenas uma criança.

Outro fator importante para a escolha da tirinha é o ambiente onde Calvin se encontra, aparentemente uma sala de aula, representada pela cadeira e mesa comuns a esse ambiente, como também a postura do personagem voltada para a frente, como se estivesse, na posição de aluno, assistindo a uma aula.

A tirinha é acompanhada por um texto verbal cujo conteúdo contrapõe duas compreensões possíveis para a “A cortina é azul”, analisada hipoteticamente em uma aula de Literatura. Abaixo da tirinha do Calvin, há dois círculos, um à direita do leitor e o outro à sua esquerda, os quais apresentam, respectivamente as frases o que o seu professor de literatura acha que o autor quis dizer e O que o autor quis dizer. As possibilidades de interpretação em destaque são apresentadas sob dois pontos de vista distintos: o do professor e o do autor da frase. É importante destacar inicialmente a desconfiança que paira sobre a interpretação do professor, admitida por meio do verbo achar. O verbo em questão sinaliza para a compreensão de que não há uma certeza do professor sobre o as possibilidades de leitura proporcionadas pelo texto analisado em sua aula.

Mais abaixo, temos o seguinte texto: o que o seu professor pensou: “A cortina azul representa a depressão e a falta de vontade dele de seguir adiante”. O que o autor quis dizer: “A porra da cortina era azul”. A partir disso, é possível perceber, primeiramente, que a interpretação do profissional da área de Literatura é associada a uma ação aleatória, principalmente, quando é utilizado o verbo pensou para fazer referência a sua compreensão acerca da hipotética cortina. Nessa situação, conforme o enunciado, o autor quer dizer apenas o que pode ser lido de imediato na frase. Porém o professor amplia as possibilidades de leitura, procurando relacionar a escolha da cor azul da cortina aos sentimentos de quem a produziu. A resistência e a chateação do aluno diante da interpretação do professor pode ser percebida no trecho A porra da cortina é azul, uma vez que a expressão porra inserida na frase, representante de vocabulário chulo, sinaliza para esse posicionamento.

Tal como na praça pública medieval, essa linguagem valorada como grosseira consagra-se como uma violação explícita e uma recusa deliberada às convenções verbais representativas de bons modos, cortesia ou respeito da hierarquia. Nesse sentido, a linguagem da praça é uma linguagem franca, sem amarras às regras convencionadas no espaço em que os gêneros escolares transitam. Além disso, neste enunciado, a principal representação da linguagem da praça, o então adjetivo porra, representa o ápice do destronamento gradual da autoridade do professor de Literatura, questionado desde o

princípio, na tirinha escolhida como parte do enunciado, e confirmando-se nos elementos verbais já apontados e nos elementos visuais que serão abordados a partir de agora.

Apesar de o ambiente apresentado na tirinha tratar-se, claramente, de uma sala de aula, a imagem não apresenta o espaço por inteiro. Assim, compreendemos que o foco desse texto visual está em Calvin e na sua condição de aluno. Devido a isso, o corpo de Calvin é representado como um corpo controlado e limitado. Não apenas por se encontrar entre uma cadeira e uma mesa, mas também porque situa-se no cronotopo da sala de aula, no qual já está habituado a permanecer sentado e voltado para a frente, onde, geralmente, permanece a autoridade maior da sala de aula. Nessa postura, Calvin permanece no primeiro quadro, embora sua expressão já apresente sinais de cansaço (coluna curvada, mãos segurando a cabeça, cotovelos na mesa, olhos entreabertos).

Os quadros seguintes confirmam a indisposição do personagem para interagir com a aula. No segundo quadro, ele curva ainda mais sua coluna, cruza os braços sobre a mesa, deita sua cabeça sobre eles e, aparentemente, dorme. No terceiro quadro, Calvin, impacientemente, olha para trás, ignorando mais uma vez o acontecimento à sua frente. Por fim, no quarto e último quadro, o personagem dorme mais uma vez, porém, diferentemente do segundo quadro, em que o personagem adormece, movido pelo cansaço ou pelo tédio, agora o sono parece movido pela desistência. Isso pode ser percebido pelo modo ainda mais relaxado em que o corpo é representado (cabeça colada na mesa, um braço solto fora da mesa e outro apoiando a cabeça).

O corpo cansado, entediado e desistente é a representação contrária ao que se espera de um corpo escolarizado (LOURO, 2013, p. 21). A autora define a expressão afirmando que

Um corpo escolarizado é capaz de ficar sentado por muitas horas e tem, provavelmente, a habilidade para expressar gestos ou comportamentos indicativos de interesse e de atenção, mesmo que falsos. Um corpo disciplinado pela escola é treinado no silêncio e em determinado modelo de fala; concebe e usa o tempo e o espaço de forma particular. Mãos, olhos e ouvidos estão adestrados para tarefas intelectuais, mas possivelmente desatentos ou desajeitados para outras tantas. (LOURO, 2013, p. 21).

Nesse contexto, o envolvimento do aluno com o acontecimento da aula perdem sua prioridade para uma aparente concentração, em situações nas quais se torna mais válido o comportamento adequado do que discutir os motivos da indiferença ou não

adequação desses corpos. Louro ainda observa o comportamento dos sujeitos considerados movidos por uma inclinação inata, quando, na verdade, essa inclinação seria um produto “da mais meticulosa, continuada e intensa vigilância, bem como do mais diligente investimento” (LOURO, 2013, p. 17). O objetivo desse investimento é a produção de um sujeito civilizado dentro e fora da sala de aula.

Portanto, Calvin desafia o comportamento ideal para a sala de aula. Tendo em vista que o personagem pode significar a representação de Wagner, podemos concluir também que o diarista tira proveito da permissividade do diário e da linguagem da praça pública para expor sua indiferença para com a sala de aula e as aulas de Literatura. Entretanto, é importante destacar que essa indiferença não é inata. Ela advém de um contexto que abarca as experiências do aluno com a disciplina em questão, conforme podemos observar no texto verbal do enunciado.

Claramente, a concepção de leitura do texto literário apresentada pelo aluno é a concepção centrada no autor do texto. Diante disso, surge a importância de descobrir exatamente o que o autor quis dizer acerca do texto lido. Outra concepção, atrelada a esta primeira, é a de que o professor possui uma autoridade, quase que religiosa, para afirmar categoricamente o que o autor quis dizer, em vez de apontar para algumas possibilidades de leitura, já que o texto literário pode ser polissêmico.

Essa compreensão dialoga com a teoria sobre leitura a qual prioriza o código e sua decifração. Assim, a resposta para o texto está apenas na “extração” da decodificação das letras e palavras e posterior compreensão do significado do conteúdo apontado por esse mesmo código. Neste caso, “o domínio do código é a condição básica para a efetivação da leitura, já que feita a decodificação o leitor terá aprendido o conteúdo do texto (COSSON, 2009, p. 39).

A alusão a essa teoria relativiza a imagem do professor. A apresentação de sua figura serve, portanto, ao questionamento ao riso. Portanto, ainda que sua autoridade seja resgatada, ela é envolvida pela estratégia carnavalesca do destronamento, realizando “a consagração do mundo às avessas” (BAKHTIN, 2010c, p. 142). Para tanto, as categorias carnavalescas surgem como elementos facilitadores da representação desse mundo. Uma delas seria o livre contato familiar representado pela aproximação entre professor e aluno, pois este se reveste de autoridade para afirmar o que “o autor quis dizer” e, consequentemente, para sinalizar rumo ao que considera uma possível aula de Literatura ideal – mais simples, mais objetiva, mais clara...

Essa categoria associa-se também às mésalliances carnavalescas, isto é, à inversão temporária de lugares sociais entre o sujeito representativo de autoridade e o sujeito representativo de subordinação. No enunciado, a aproximação entre aluno e professor permite, por um momento, que os papéis sociais se invertam e o aluno dite o que deve ser feito nas aulas de Literatura.

Outra categoria é a profanação, representada pelo jogo com símbolos de poder. Na produção de Wagner, analogicamente, essa categoria condiz com o rebaixamento das discussões literárias ao plano da praça, onde não se é necessário ter alguma formação para analisar um texto literário, basta ser capaz de decodificar minimamente uma frase. Assim, enquanto o professor procura fazer relações mais aprofundadas e inacessíveis, o aluno prende-se ao que está dito explicitamente no texto.

Há também nessa condição uma autorização, própria da praça pública, voltada para a oficialização de um discurso não oficial, um ponto de vista não autorizado (BAKHTIN, 2013, p. 228), capaz de oferecer ao mundo (neste caso, ao mundo da literatura) uma visão particular e ao mesmo tempo hostil às abordagens oficiais. Na praça do diário, a tradicional análise literária deixa seu lugar de importância para ser interpretada como um ato desnecessariamente complexo e arbitrário.

Isso significa que a ambivalência e o riso constroem-se no enunciado em questão por meio da ridicularização de uma prática pedagógica, a qual só pode ocorrer por meio da reafirmação da autoridade do objeto ridicularizado. Essa estratégia comprova que o riso carnavalesco compreende necessariamente morte e renascimento. Isto é, não há como promover o destronamento desse papel social ocupado pelo professor sem recuperar esse lugar de quem possui autorização para compreender os textos lidos em sala.

Por fim, não podemos deixar de citar a constante negação às disciplinas da área de Ciências Humanas por parte dos alunos do curso de Eletrotécnica. Devido às exigências do curso, os alunos voltam-se com muito mais afinco e aceitação para as disciplinas de cálculos, tratando, muitas vezes, as disciplinas ligadas a leitura e interpretação de texto como desnecessárias ao curso no qual estão matriculados. Essa resistência, entretanto, é infundada, pois, como já vimos, a proposta de ensino integrado consiste em um ensino voltado não apenas para as necessidades do mercado de trabalho, mas à formação de um cidadão apto a vivenciar as diversas situações cotidianas.

Compreendemos, portanto, as aulas de Literatura e as possibilidades de leitura suscitadas pela leitura do texto literário como um dos elementos impactantes na vida do aluno leitor e do aluno cidadão. Ao mesmo tempo, reconhecemos a distância construída

também pela própria escola entre a leitura e os pretensos leitores. Embora não seja nosso objetivo discutir esse distanciamento com profundidade, destacamos A porra da cortina azul como uma tentativa de afirmação de uma identidade contrária a esse cidadão leitor de literatura. Logo,

[...] reconhecendo que a educação é, em muitos casos, um processo em que se realiza o projeto que o educador tem sobre o educando, também é o lugar em que o educando resiste a esse projeto, afirmando sua alteridade, afirmando como alguém que não se acomoda aos projetos que possamos ter sobre ele, como alguém que não aceita a medida de nosso saber e de nosso poder, como alguém que coloca em questão o modo como nós definimos o que ele é, o que quer e do que necessita, como alguém que não se deixa reduzir a nossos objetivos e que não se submete a nossas técnicas. (LARROSA, 2017, p. 22)

Ao construir o enunciado, Wagner se reconhece como sujeito distanciado e resistente não somente a uma concepção de leitura como também a um projeto de torná- lo aluno leitor, ainda que estudante do curso técnico em Eletrotécnica. Essa resistência a um projeto muito bem definido e aparentemente acabado também pode ser encontrada no próximo enunciado, conforme veremos a seguir.

6. 1. 2 Demoníaca mas de jesus: o outro lado da Matrix

Figura 03: Demoníaca mas de jesus

Fonte: Dados da pesquisa

Fonte: Dados da pesquisa.

O enunciado analisado agora foi produzido pela aluna Andresa, aluna do curso de Informática, e apresenta como objeto do discurso as relações entre professora e aluna. O texto é construído por meio de duas colagens, as quais possibilitam a organização de dois cenários distintos: uma sala de aula e uma imagem da professora sorrindo e olhando para o leitor. A sala é vista pela parte dos fundos, de onde é possível visualizar um panorama do espaço no momento em que ocorre a aula de Língua Portuguesa. Esse enquadramento possibilita também a visualização da professora de frente e da única aluna presente de costas.

A evidência para a relação entre as duas personagens é representada por meio da presença de apenas uma aluna em sala diante da professora. Outro ponto relevante é o destaque visual nos desenhos dessas personagens e de seus respectivos balões de fala, desenhados com caneta de cores preta e vermelha, contrastando com o restante do desenho feito a lápis (cadeiras, mesas e quadro).

A posição das personagens também apresenta-se como fator relevante. As duas imagens da professora são desenhadas à direita da imagem, em tamanho maior do que o tamanho do desenho da aluna, e sempre voltadas para a frente. Por outro lado, a personagem representativa da aluna aparece à esquerda, de costas, aparentemente isolada e deslocada da interação ocorrida no momento da aula. Essa configuração confirma a alocação do corpo como representativo do papel dos sujeitos em determinado cronotopo e motivado também por sua configuração. Esse papel não é apenas determinado pelas regras que regem esse cronotopo. Representa também o modo como o sujeito percebe a si mesmo e o outro no tempo e espaço vivenciado.

Além da solidão da discente, o seu balão de fala, diferentemente do balão da professora, é ligado à personagem por meio de círculos, um clássico indicativo de que esta fala não foi pronunciada, mas faz parte do pensamento da personagem. Outra característica diferenciadora desses dois balões são os seus contornos: ondulado, no caso do balão de pensamento, e retilíneo, no caso do balão de fala. Nessa situação em que somente a professora detém o turno de fala, o enunciado valoriza a voz do professor e, de certa forma, silencia a voz da aluna. Apesar disso, a quantidade de círculos que interligam a esta última a seu pensamento mantém o seu balão quase à altura da imagem da professora, fator que garante-lhe uma posição de destaque na arquitetura do enunciado. Simultaneamente, os círculos distanciam o pensamento da personagem a quem ele é atribuído.

Os textos verbais presentes nessa primeira cena correspondem à fala da professora e ao pensamento da aluna, que são, respectivamente: Gente, pq as pílulas eram azul e vermelha??? e Porque será que o céu é azul? Será q isso quer dizer algo? Sobre a fala da professora, temos a referência a uma das cenas clássicas do filme Matrix, exibido na época para a turma da produtora do diário ora analisado. Na referida cena, o personagem Morpheus, (vivido pelo ator Laurence Fishburne) apresenta duas pílulas a Neo (Keanu Reeves), uma azul e outra vermelha. A decisão de Neo quanto às pílulas é essencial para que ele seja introduzido na matriz e, consequentemente, tenha acesso a informações secretas sobre o mundo paralelo ao nosso e a toda ideia de programação desse mundo colocada pelo enredo da trama. As pílulas, portanto, foram um dos elementos da obra analisados em sala de aula, o que nos autoriza a compreensão de que o enunciado do diário faz referência justamente a elas.

Podemos afirmar que, no diário, a pergunta da professora é também, tal como na cena do filme, um desafio e uma alternativa para o sujeito questionado adentrar em um mundo novo ou permanecer em sua ignorância/ilusão. A pergunta é seguida por três interrogações, representando comportamentos de insistência, de empolgação, de imposição, ou até mesmo de indignação da profissional que espera a resposta pronta dos alunos ao questionamento colocado no momento. Além disso, a docente utiliza o vocativo Gente, voltando-se para um destinatário coletivo, contradizendo-se à presença solitária da aluna na cena.

Diante disso, temos a primeira barreira: a ausência de quem responda a esse questionamento, tendo em vista que a única aluna presente em sala encontra-se perdida em seus pensamentos, questionando-se sobre algo que está associado ao tema levantado pela professora, mas que, ao mesmo tempo, se distancia da obra analisada. Ao trazer o questionamento sobre a cor do céu, elemento participante do cotidiano de pessoas comuns, a aluna ignora parcialmente a obra Matrix, ao retomar a questão e debochar da possibilidade de haver um sentido nas cores das pílulas presentes no filme.

Esse distanciamento/aproximação é ambivalência e compreende mais uma tensão. Além disso, confirma a solidão da personagem na cena, pois trata-se de uma fala não verbalizada, mas pensada. Ademais, o céu aparece como um elemento de fuga, partindo da compreensão de que ele aproxima as temáticas, enquanto é utilizado para combater a pergunta sinalizando para a sua inutilidade. Em outras palavras, se o céu é azul e continua lá, independente de sabermos o porquê de sua cor, por que precisamos saber a razão das cores das pílulas deste filme?

A partir disso, compreendemos que o recuo da aluna na imagem é o isolamento na própria sala de aula, quando os alunos decidem não responder aos questionamentos do professor — ainda que este se imponha por meio de três interrogações — ou sentam um pouco mais distante dessa figura de autoridade no espaço da sala de aula, como uma forma de esquivar desse tipo de situação. No entanto, mesmo nesse distanciamento, a resposta surge, ainda que em pensamento. O fato é que ela não surge de qualquer modo. Configura- se por meio da linguagem da praça pública, proporcionando uma quebra na rotina convencional de sala de aula, invertendo as prioridades e rebatendo os discursos de oficialidade.

Logo, o pensamento é potencializado, ainda que não verbalizado na cena, pois sua verbalização ocorre no enunciado verbo-visual e é justamente ele que dispersa o foco da aula e destrona a importância conferida pela professora à obra Matrix e um de seus elementos figurativos mais importantes para a compreensão da narrativa fílmica.

À frente do cenário da aula, a imagem da professora apresenta dois adereços representativos do imaginário cristão: chifres e asas. Abaixo dessa imagem, a frase 99% demoníaca, mas aquele 1% é de Jesus e tem compaixão. A frase faz menção à canção do artista Wesley Safadão, cuja letra diz: Tô namorando todo mundo/ 99% anjo, perfeito/ mas aquele 1% é vagabundo. Na canção, Wesley retrata a dualidade de um homem respeitoso, atencioso e romântico com todas as mulheres com quem se relaciona amorosamente. Embora sejam qualidades apreciáveis, de modo geral, para um homem, o eu-lírico apresenta isso como um “defeito”, considerando que ele se relaciona com várias mulheres ao mesmo tempo e, provavelmente, todas acreditem que são únicas em sua vida. O tom da música é o de deboche, como se o homem reconhecesse esse seu lado ruim, porém não pudesse evitá-lo. Portanto, a dualidade consiste em alguém que representa o parceiro ideal em vários aspectos, isto é em 99% de sua personalidade, mas que, por não conseguir estar apenas com uma mulher, também é composto por esse 1% de vagabundo. Assim, a ambivalência entre o bem e o mal é atribuída à professora por meio da junção de elementos que representam esses dois lados: chifre, auréolas, asas de anjo, nuvem, cor vermelha no chifre e no coração, sorriso da personagem, expressões demoníaca, de Jesus e compaixão. A presença dessa imagem localizada à direita e abaixo da cena da sala de aula analisada anteriormente adquire um caráter de apresentação da personagem professora. Essa apresentação orienta para uma justificativa que ameniza a atitude da professora na cena acima, uma vez que aponta para um caráter demoníaco convivendo com o lado sagrado. Além disso, responsabiliza a característica demoníaca

pelas atitudes da profissional, atitudes essas ligadas à possível imposição de perguntas confusas/inconvenientes ou que exijam uma reflexão mais aprofundada, que vá além da superficialidade.

Destacando uma de nossas categorias, o enunciado provoca o riso devido, primeiramente, ao destronamento da análise figurativa de um filme aclamado pela crítica e selecionado pela professora, figura de autoridade. Em segundo lugar, esse destronamento só é possível por meio da ambivalência, resgatada pela menção às pílulas e estendida à divagação da aluna e à personalidade da professora. Outrossim, a