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A imagem do carnaval é construída por meio de máscaras, adereços divertidos, fantasias... Antes de iniciarmos essa aventura carnavalesca, discorreremos brevemente sobre o texto visual e sobre a produção de imagens.

Para falar de texto verbo-visual, é necessário desfazermos alguns mitos que cercam a produção de imagem. Um deles diz respeito a seu caráter representativo. Para o senso comum, a imagem é recuperada como aquele texto que irá facilitar a compreensão de algum tema, conteúdo (entendeu ou quer que eu desenhe?); ou ainda, sobretudo nos dias de hoje, como registro incontestável de um acontecimento (vamos aguardar as imagens da câmera). Desse modo, passamos a creditar à imagem uma representação universal e generalizadora, na qual todos que a veem, indiscutivelmente, obterão a mesma compreensão.

Em contrapartida, a imagem inserida como um texto visual, não pode ser percebida apenas como um apêndice para ilustrar textos verbais que a antecedem ou a acompanham. Além disso, todos os elementos que compõem esse tipo de texto estão configurados de modo a autorizar compreensões diversas a depender do contexto em que está inserido, de que sujeitos o leem, com que enquadramento é apresentado... Sendo assim, as imagens produzidas e que se compõem como texto visual ou verbo-visual exigem uma análise tão criteriosa quanto os demais textos que costumamos analisar.

Nesse sentido, a imagem, embora represente objetos reais, “não é a própria coisa: sua função é, portanto, evocar, querer dizer outra coisa que não ela própria, utilizando o processo da semelhança. Se a imagem é percebida como representação, isso quer dizer que a imagem é percebida como signo” (JOLY, 2012, p. 39).

O equívoco de considerar a imagem como a própria coisa está atrelado à semelhança entre elas. Sobre isso, a autora afirma que

é possível constatar que o problema da imagem é, de fato, o da semelhança, tanto que os temores que suscita provêm precisamente de suas variações: a imagem pode se tornar perigosa tanto por excesso quanto por falta de semelhança. Semelhança demais provocaria confusão entre imagem e objeto representado. Semelhança de menos, uma ilegibilidade perturbadora e inútil. (JOLY, 2012, p. 39)

As duas situações devem ser analisadas cuidadosamente. O que se pode dizer de uma imagem que é “naturalmente” legível devido à semelhança com o objeto

referenciado? Para responder a essa pergunta, é preciso desmistificar mais uma concepção acerca da produção de imagens.

O homem produziu imagens no mundo inteiro, desde a pré-história até os nossos dias. Esse fato fez com que os seres humanos pensassem serem capazes de interpretar qualquer tipo de imagem independentemente de seu contexto histórico e cultural. É sabido que existem esquemas mentais e representativos universais comuns a todos os homens, mas isso não significa que a compreensão de imagens seja universal.

Essa crença representa a confusão entre percepção e interpretação. A percepção de elementos da imagem é imediata e superficial e não apreende a profundidade dos elementos no contexto em que eles estão inseridos. Por outro lado, a interpretação da imagem está associada ao reconhecimento de significações particulares que envolvem esses elementos, ao contexto de surgimento da imagem, às expectativas e conhecimentos de quem a produziu e de para quem ela é destinada. Sendo assim, para o autor, a percepção e interpretação, além de duas operações mentais complementares, não ocorrem de modo simultâneo no momento da leitura de determinada imagem.

É preciso considerar que mesmo a percepção necessita de um aprendizado. A leitura de imagem, mesmo das mais “realistas”, ensina-nos a diferenciar os detalhes das imagens e da realidade que ela supostamente deveria representar. Aspectos como

a falta de profundidade e a bidimensionalidade da maioria das imagens, a alteração das cores (ainda maior com o preto e branco), a mudança de dimensões, a ausência de movimento, de cheiros, de temperatura etc. são igualmente diferenças, e a própria imagem é o resultado de tantas transposições que apenas um aprendizado, e precoce, permite ‘reconhecer’ um equivalente da realidade, integrando, por um lado, as regras de transformação, e, por outro, ‘esquecendo’ as diferenças (JOLY, 2012, p. 43).

Como vemos, portanto, analisar textos de natureza imagética constitui-se como um trabalho complexo que reside na decifração de significados pelos quais perpassa uma “aparente naturalidade”, que ora facilita ora confunde a compreensão justamente devido a essa característica.

Levando em consideração que, como texto, os elementos visuais respondem a um projeto de dizer, a proximidade entre objeto e sua representação imagética podem apresentar um distanciamento aparentemente confuso, mas que ganha significados em determinadas propostas. Quando recuperamos os gêneros humorísticos, como charge,

tirinhas, memes e gifts, muitas vezes a representação de pessoas, cenários e objetos de modo geral são voluntariamente deformados, misturados a elementos aparentemente desconexos, contribuindo para a construção do humor.

De acordo com esses aspectos, podemos concluir que o texto visual não está para o verbal como um simples complemento, um adorno, ou uma ilustração. Ele acontece no texto, fala, argumenta, retoma pontos de vistas. Assim, ainda que simule, represente ou retome um acontecimento, a imagem não é o próprio acontecimento, mas um ponto de vista sobre ele, revestido de valores, intenções, reflexões e refrações (VOLÓCHINOV, 2017, p. 91-94).

A partir da discussão construída até então, apresentaremos alguns métodos propostos por Joly (2012) para análise de imagens. O primeiro diz respeito à presença/ausência de elementos no texto visual. Os elementos da imagem não são definidos apenas por sua presença, mas também pela ausência dos demais elementos que estão associados a ele. Sendo assim, ao analisar uma imagem devemos compreender os motivos para a seleção de cores, traços, estilo, diagramação; porém, essa avaliação deve- se dar sempre a partir da pergunta: por que este e não outro?

Toda essa configuração de elementos considera o segundo método, o qual aponta para uma produção orientada para um leitor. Assim, o projeto de quem produz a imagem se desenvolve a partir de quem é esse leitor, quais as suas expectativas e como posso alcançar o meu objetivo nessa relação entre produtor e leitor.

Dando continuidade, a autora sugere o método que compreende a imagem como intercessão. Para compreendê-la dessa forma, é necessário ampliar as possibilidades do texto visual como capaz de reconstruir nossa compreensão acerca de modelos já consolidados em nossa memória. Logo, toda imagem, seja ela retrato fiel de um determinado objeto ou não, possui o potencial de proporcionar uma nova forma de encarar elementos já conhecidos por seu público. Portanto, um ângulo específico, uma cor inesperada, um traço diferenciado são elementos que contribuem para um novo olhar significativo sobre o objeto.

No último método, a autora fala sobre expectativas, contextos e acerca das diferentes possibilidades de leitura criadas conforme o contexto e recepção de produção. Nesse sentido, o texto visual, como já apontamos, não é apenas um componente secundário para a compreensão do enunciado. Em muitos casos, conforme veremos, os elementos visuais são essenciais para a compreensão não apenas do estilo representativo dos gêneros mais utilizados pelos jovens, mas também apontam para situações de sala de

aula ocorridas antes da produção do enunciado ou ainda remetem ao seu histórico como estudante e cursante da disciplina de Língua Portuguesa e suas variações.

Atentamos para o fato de que, avaliando todas essas estratégias anunciadas pela autora, constatamos o diálogo entre a possibilidade de análise apresentada e a teoria bakhtiniana, a qual comporta o perfil do destinatário a quem a produção é direcionado, os elementos selecionados para a arquitetura do texto, as relações construídas antes durante e depois da produção como constituintes do enunciado, não apenas elementos exteriores, conforme já apontamos anteriormente.

Ademais, considerando as possibilidades dos gêneros que lançam mão dos elementos visuais, tais como cores, traços, destaques, sobre/contraposições de imagens, é no texto visual que, muitas vezes, encontramos material para confirmar a linguagem da praça pública, uma linguagem não apenas informal mas típica do embate, confrontando ou ironizando discursos advindos do texto verbal, consolidando, também, o riso, a ironia, o deboche.

Portanto, nas análises dos enunciados selecionados para esta pesquisa subjazem essa compreensão sobre produção de enunciado e, particularmente, sobre a construção do texto visual. Na próxima sessão, iniciaremos pelos enunciados organizados no grupo Concepção de Linguagem, denominados, respectivamente, de A porra da cortina é azul, Demoníaca mas de Jesus e Escrito em grego. Seguiremos com o grupo Cronotopo da sala de aula, ao qual pertencem Conto do Facebook, O pôr-do-sol e a indiferença e Pelo resto da vida. Finalizaremos com o grupo Punição do corpo, o qual compreende os enunciados Criatura adestrada, O corpo exausto, O corpo grotesco e Toma mais trabalho.

Ressaltamos ainda que a presença ou não de identificação do autor do enunciado seguiu a autorização presente no termo de consentimento em anexo.

6 ENFIM, A PRAÇA