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A prática de Vigilância em Saúde do Trabalhador na Prefeitura

5. CONFIGURAÇÃO DO CAMPO

5.4. A prática de Vigilância em Saúde do Trabalhador na Prefeitura

TRABALHADOR NA PREFEITURA MUNICPAL DE SÃO

PAULO NOS DIAS ATUAIS

É um enorme desafio para a VST de São Paulo suprir a demanda de uma cidade com seu tamanho e complexidade. Sua população residente, segundo o Censo do IBGE (IBGE, 2010a; 2010b) alcançou a marca de 11.244.369 pessoas em 2010, ocupando uma área de 1.523,28 km2, sem considerar a região metropolitana da qual provem parte dos trabalhadores da cidade. Segundo o CEMPRE do IBGE, em 2008,

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Alguns projetos iniciados nos últimos 20 anos tiveram como foco setores como: supermercados, marmorarias, shopping center, fast-food, teleatendimento, metrô, rádio e TV, entre outros.

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a cidade de São Paulo contava com 520.533 unidades industriais e 5.241.615 pessoas ocupadas somente nesse setor (IBGE, 2008). Apesar da expansão de serviços de ST promovida pela RENAST, na cidade de São Paulo mantém-se até hoje a mesma quantidade de CRST da época de sua criação, ou seja, início dos anos 90. São um total de cinco serviços distribuídos na Freguesia do Ó, Lapa, Ipiranga (que continua sendo conhecido como CRST Mooca, mesmo após a mudança de endereço), Santo Amaro e Sé. Desativado há muito tempo, atualmente está novamente em fase implantação o CRST da zona leste da cidade.

O quadro de profissionais dos CRST, ainda escasso52, vem se configurando ao longo do tempo e, mesmo partindo de uma conformação inicial semelhante, seguiram rumos particulares. Essas equipes se consolidaram em função das mudanças de propostas políticas para a saúde do município53; das características de cada coordenador de serviço e das peculiaridades de cada território. As diferenças de cada um dos serviços podem ser notadas na diversidade de formação profissional e nos diferentes aportes teóricos e práticos de seus técnicos.

Essas diferenças favorecem distintas condutas mesmo no interior de um mesmo CRST. Contribuem para essa situação também o caráter dinâmico das ações de VST, o momento histórico em que as ações ocorrem e a falta de oportunidade para trocas de experiências entre os profissionais que formam as equipes de VST.

Deve-se reconhecer que a VST é conceitualmente formada dentro dos CRST, a partir das experiências de trabalho, das práticas, das diferentes formações de suas

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A RENAST determina que os serviços de Saúde do Trabalhador regionais (CEREST/CRST) devem dispor apenas de 4 profissionais de nível médio*, sendo ao menos 2 auxiliares de enfermagem; 6 profissionais de nível universitário**, sendo ao menos 2 médicos (20 horas semanais) e 1 enfermeiro (40 horas semanais). Mesmo com equipes que se diferenciam dessa configuração, os CRST do município de São Paulo ainda consideram seu quadro de recursos humanos insuficiente para dar conta da demanda.

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Com a implantação do PAS (Plano de Atendimento à Saúde), durante a gestão de Paulo Maluf, de certa forma foi desestruturado o Sistema Municipal de Saúde então em vigor. Muitos profissionais, que discordavam desse Plano e não aderiram a ele, buscaram vagas nos CRST e passaram a integrar tais equipes. Os CRST não foram incorporados ao PAS em parte por estarem ligados a um Programa específico, o de Saúde do Trabalhador, e não diretamente à rede básica de saúde. A manutenção desses serviços em paralelo ao PAS deveu-se também à pressão do Controle Social e, principalmente, pela existência do convênio estabelecido com o MP-ESP. Vários dos profissionais que se transferiram para os CRST não tinham qualquer formação, experiência profissional ou afinidade com a área da Saúde do Trabalhador e buscavam apenas um local que os acolhesse, superlotando os quadros do CRST. Após a extinção do PAS, alguns profissionais, já integrados às atividades dos CRST, permaneceram. Como a maioria deles buscou outros locais de trabalho, ocorreu um grande esvaziamento de recursos humanos.

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equipes multiprofissionais e dos diversos referenciais teóricos que sempre permearam seu dia a dia. Seus conceitos, princípios e instrumentos estão ainda em construção e em constante transformação.

As práticas de VST nos CRST incluíram, durante os últimos 20 anos, a observação dos locais de trabalho (inclusive com o uso de recursos audiovisuais como filmagem e fotografia) e estratégias para enriquecer a compreensão das condições de trabalho e de sua dimensão organizacional. Entre as diferentes abordagens, podemos destacar: análises baseadas em conceitos da ergonômica; a realização de entrevistas com os trabalhadores; as pesquisas com técnicas como as da pesquisa-ação e dos grupos focais; a aplicação de questionários elaborados para cada demanda específica; e a análise documental. As intervenções foram fundamentadas, principalmente, nas seguintes práticas: estudo inicial da situação; vigilância nos locais de trabalho; análise dos dados obtidos; construção de propostas de adequação e divulgação dos resultados junto a todos os atores envolvidos no processo, em especial os trabalhadores das empresas avaliadas. Sempre que possível foi adotada a noção de problema a partir da percepção e conhecimento do trabalhador, propondo a modificação não apenas das condições de trabalho, mas também da relação do trabalhador com seu contexto de trabalho. Lamentavelmente nem sempre foi realizada a avaliação sistemática dos resultados obtidos a partir dessas intervenções.

Faltam indicadores para avaliar o impacto de suas ações de VST. Esse fato pode contribuir para a invisibilidade dos esforços dos profissionais que nela atuam. Isso se reflete nos trabalhadores que executam as VST, pois eles não têm clareza dos sucessos e insucessos de seu trabalho54. Esse vazio deixado pela incerteza sobre os frutos de seu trabalho, a falta de reconhecimento institucional e até mesmo de alguns

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Bowen e Ford constatam diferenças na avaliação da efetividade e da eficiência das operações, na elaboração da estratégia de produção e na definição dos processos de produção entre a produção de bens tangíveis e serviços intangíveis. Descrevem a diferença entre organizações de serviços e manufaturas como "uma organização que produz alguma coisa que pode ser percebida, sentida e experimentada," em contraposição a "uma organização que produz alguma coisa que pode ser vista, tocada e segurada." (Bowen, Ford, apud Silva MT, Lancman S, Alonso CMC, 2009). Bowen J, Ford RC. Managing Services Organizations: Does have a thing make a difference? J Manage. 2002; 28(3): 447-69.

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pares podem ser fontes de sofrimento, desmotivação e ansiedade para os que executam as VST.

Segundo Lancman e Ghirardi (2002), o espaço de trabalho é um espaço de confronto entre o social e o indivíduo, com suas crenças, valores e concepções. É, também, permeado pelas condições concretas para sua realização, sua organização e diferentes formas de concebê-lo. Será sempre gerador de algum grau de sofrimento e conflito. A possibilidade de que o indivíduo contribua, com seu conhecimento e com sua inteligência, na construção de um trabalho melhor, permite a superação e a transformação do sofrimento em prazer e a possibilidade de colaborar, tanto do ponto de vista simbólico quanto profissional, para o avanço do próprio trabalho. Essa transformação depende da valorização que surge do olhar do outro: “Quando o reconhecimento do trabalho não existe, a desvalorização consequente atinge outros espaços da vida cotidiana dos trabalhadores, contaminando o tempo do não trabalho” (Lancman e Ghirardi, 2002, p.46).

Spedo (1998) apontava instituições (Delegacia Regional do Trabalho - DRT à época) que continuavam desenvolvendo apenas ações de fiscalização sobre as empresas, a partir de denúncias e demandas pontuais, sem qualquer aproximação com a Vigilância em Saúde. Num sentido diferente, em acordo com as diretrizes do Ministério da Saúde para as VST, os CRST do município de São Paulo buscaram, desde sua criação, desenvolver ações que não sejam apenas pontuais e nem restritas a inspeções com caráter de policiamento55 e normatização. Entretanto, segundo Machado (1996), elas demonstram apenas uma eficácia pontual.

Para os profissionais dos CRST atuantes em VST, o credenciamento como AS foi um ganho, pois lhes deu maior poder legal de intervenção, por outro lado, colocou-os em um difícil papel, diferente do até então ocupado, exigindo que assumam o poder de polícia e impondo um ritmo e uma demanda que pode conduzir a prática de ações pontuais e imediatistas.

Essa dificuldade em atender às exigências e demandas que a função de AS lhes acarreta, com os diferentes ritos, regras e prazos que dela fazem parte, lhes abre

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Apesar dos CRST pensarem as ações de VST para além da mera aplicação de sanções vinculadas às leis e normas, as negociações para transformações no trabalho ainda estão, em certos casos, muito atreladas aos aspectos punitivos impostos às empresas (Vilela, 2003).

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a cada dia um novo desafio no sentido de desenvolver ações de VST não meramente fiscalizadoras, mas em toda a abrangência desse conceito.

Para lidar com os ritos administrativos decorrentes de sua nova função, as autoridades sanitárias receberam um breve treinamento em um curso sobre processos administrativos. A COVISA também promoveu, em 2009, um curso intitulado “Manuseio de Processos Administrativos”, com duração de 4 horas. Sentindo que as dúvidas sobre esses procedimentos eram muitas, no ano de 2010, a COVISA disponibilizou para todas as autoridades sanitárias um novo curso, com duração de três dias. No início de 2011, esse treinamento foi repetido para um novo grupo de AS. Os cursos não foram específicos para as VST e, portanto, muitas das dúvidas nele discutidas eram pertinentes apenas para as ações de Vigilância de Alimentos e Zoonoses, ficando distante de atender as necessidades e expectativas das AS atuantes em VST.

Apesar de alguns profissionais dos CRST já estarem investidos do poder de AS desde 2003, eles só assumiram os ritos administrativos relativos aos processos decorrentes das atividades de AS a partir de 2008, quando o Decreto Nº 50.079, de 07/10/2008, equiparou os CRST às demais instâncias responsáveis pela Vigilância Sanitária no município, quais sejam: a COVISA e as SUVIS. Até então, os CRST não estavam oficialmente credenciados para exercer os ritos administrativos decorrentes dessa função. Assim, todos os ritos - autos de infração, autos de penalidade - eram feitos pelos profissionais das SUVIS da região de abrangência dos CRST em parceria com os técnicos dos CRST, que colaboravam com sua experiência técnica no que se refere a ST. Em alguns CRST, ainda em 2011, esses ritos não estavam incorporados à rotina de VST.

Assumir os ritos administrativos, além de ser algo novo, é ainda um terreno nebuloso para a maioria dos profissionais que atuam em VST nos CRST. Eles estão habituados com formas e procedimentos distintos, adotados desde o início dos anos 90, como o desenvolvimento de processos de vigilância que considerem a participação dos trabalhadores e que implicam em ações que se estendem por um período maior que a mera verificação do cumprimento legal, ou seja, atender aos

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prazos impostos pelos ritos administrativos pode se tornar um entrave para ações mais abrangentes.

Em 2010, sentindo a necessidade de sistematizar e instrumentalizar as ações de VST desenvolvidas no município e de elaborar um “Programa de Vigilância em Saúde do Trabalhador no SUS para o Município de São Paulo” (PVST/SP)56, a Coordenação de Vigilância em Saúde (COVISA), da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de São Paulo, por meio da sua Gerência de Saúde Ambiental (GVISAM), Subgerência de Vigilância em Saúde do Trabalhador, apoiou um processo de construção coletiva, que envolveu as equipes de Vigilância em Saúde do Trabalhador da COVISA, de todos os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CRST) da cidade de São Paulo e das SUVIS. Na discussão técnica e troca de experiências intra e interinstitucionais, houve a participação de colaboradores de várias instituições, de universidades e de organizações da sociedade civil. Esse processo contou com a realização de uma série de oficinas de trabalho, numa metodologia participativa, e foi um espaço privilegiado de integração e de troca de experiências, possibilitando a aproximação desses diferentes atores que desenvolvem no seu dia a dia ações de VST (São Paulo, Cidade, COVISA, 2010d57).

Essa aproximação deixou transparente a multiplicidade de condutas adotadas por cada um dos serviços e algumas incongruências e contradições. Também mostrou que, entre os trabalhadores que atuam em VST, há aqueles com longos anos de experiência e rica bagagem teórico-prática e outros não tão preparados, evidenciando a lacuna deixada pela falta de oferecimento, por parte da PMSP, de formação e reciclagem sistemática voltada para as VST e para a própria ST. Mesmo entre os profissionais que compõe o quadro da COVISA e do CRST, essa defasagem instrumental é percebida, sendo ainda mais acentuada entre os profissionais das SUVIS, habituados a outras práticas de vigilância58 que, até pouco tempo, não incluíam as questões relativas à ST.

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A esse Programa, se seguirá um Plano de Ação, que deverá, após ser aprovado pela gestão da PMSP e pelo controle social, facilitar o acesso dos CRST e de COVISA à verba da RENAST.

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São Paulo (Cidade) COVISA, Versão preliminar do Programa de Vigilância em Saúde do Trabalhador no SUS para o Município de São Paulo, 19/dez/2010. 2010d.

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Antes de 2003, as ações de Vigilância em Saúde no Município de São Paulo compreendiam apenas a Vigilância Sanitária do comércio varejista de alimento, atrelada à Secretaria Municipal de

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Assim como a ST tem, entre suas ações, a promoção, a prevenção e a assistência, entre outras áreas de abrangência, também a VST é norteada por diferentes eixos. Nessas oficinas, foram definidos quatro eixos de VST a serem desenvolvidos e diretrizes e propostas de ações estratégicas para a implementação da VST na cidade de São Paulo foram elaboradas para cada um deles: para os eixos I, “informação, decisão e ação”, e II, ‘intervenção nos processos, condições e ambientes de trabalho”, desenvolver propostas que atuem sobre os determinantes sociais do processo saúde/doença/trabalho; para o eixo III, “educação, comunicação e promoção da saúde em VST”, o desenvolvimento de estratégias que promovam uma mudança cultural no que se refere à saúde-trabalho; e para o eixo IV, “controle social e suas interfaces”, garantir a fundamental participação social para uma efetiva transformação das condições de vida e trabalho.59

A realização das oficinas contribuiu para a revisão do referencial teórico, de princípios norteadores, de diretrizes, estratégias, metas e indicadores e, até mesmo, da composição e formação do corpo de profissionais que devem atuar em VST de modo a garantir ações de promoção à saúde dos trabalhadores.

Porém aparece como preocupação no PVST/SP o atual distanciamento entre a área de Atenção Básica e a de VST60. Seria importante que a Atenção Básica participasse ativamente das discussões técnicas e de gestão da VST, uma vez que os CRST estão subordinados administrativamente a ela, no entanto, essa aproximação ainda não ocorre na prática.

No decorrer dos trabalhos nas oficinas, ficou claro que é preciso consolidar e difundir o conhecimento acumulado pelos profissionais da VST para instrumentalizar

Abastecimento, e a Vigilância Epidemiológica, de responsabilidade da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), por meio dos Núcleos de Epidemiologia, Pesquisa e Informação (NEPI), hoje denominados SUVIS, sendo que o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) já existia, porém com outras funções. (São Paulo, Cidade, 2010d).

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A participação do controle social é um princípio básico das diretrizes e pilares da Vigilância em Saúde (Pinheiro, 1996). Foi graças à presença desses atores que, em tempos politicamente difíceis, os CRST se mantiveram operantes e garantiram sua prática nas VST. O enfraquecimento da representação sindical e o desvio da atenção das questões relacionadas à saúde para causas como a manutenção do emprego e os ganhos salariais distanciaram, em muitos casos, os sindicatos, outrora mais presentes nas ações de VST desenvolvidas pelos CRST. Esse distanciamento é considerado como negativo por vários trabalhadores dos CRST que atuam em VST, e uma reaproximação é vista como necessária.

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as ações de intervenção. Foi apontada a necessidade de sistematizar procedimentos de trabalhos e estabelecer protocolos de conduta técnica das autoridades sanitárias em acordo com os pressupostos da VST. Foi proposta a criação de um “Núcleo Técnico” permanente, com encontros regulares e representatividade regional, tendo como principal atribuição o monitoramento e a formulação de propostas para o fortalecimento do PVST. Foi, ainda, proposta a criação de um “Fórum de Vigilância em Saúde do Trabalhador” envolvendo COVISA, SUVIS, CRST e representantes dos trabalhadores e demais atores sociais para planejar as ações de VST.

O desenvolvimento de trabalhos integrados entre COVISA, CRST e SUVIS segue avançando, mas é ainda um campo em construção. Essa integração, principalmente no que se refere à SUVIS e ao CRST, tem claras diferenças regionais, mostrando-se mais avançada em algumas regiões da cidade que em outras e apresentando diferenças significativas dentro de uma mesma região no que se refere à integração do CRST regional com as diferentes SUVIS que compõe sua área de abrangência (anexo E).

A proposta é que o futuro PVST/SP sirva de norteador para as ações de VST no município. Fica, contudo, a indagação sobre a viabilidade das prescrições contidas nesse documento diante da realidade de trabalho do dia a dia dos profissionais que atuam em VST. É preciso lembrar que as equipes são pequenas, os recursos escassos, a demanda gigantesca, e ainda, desordenada. Isso sem falar nas dificuldades que essas AS enfrentam para compatibilizar tais proposições com o cumprimento dos ritos administrativos previstos no CSM.

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