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Categoria 3: Papel do agente: educação e/ou fiscalização

7. RESULTADOS

7.2. Apresentação dos resultados segundo categorias e subcategorias de

7.2.3. Categoria 3: Papel do agente: educação e/ou fiscalização

Para a maioria dos entrevistados ainda é difícil assimilar os aspectos fiscalizador e punitivo inerentes à função de autoridade sanitária. Surge o questionamento sobre qual é seu real papel:

[...] é difícil saber quem nós somos, ter a nossa identidade clara [...] não temos muito essa postura de fiscal assumida dentro de nós. (Entrevista 12)

Para vários deles, o fato de terem atuado por muito tempo na área de assistência ou como “assistentes técnicos” dos Ministérios fez com que se desenvolvesse nas VST uma forma própria de relação com o processo de promoção de saúde. Eles apontam a experiência acumulada na área de assistência nos CRST como fundante de sua prática de vigilância. Ela confere características próprias à sua

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forma de atuação. Isso torna ainda mais difícil para eles a assimilação do papel fiscalizador, pois as posturas exigidas são diferentes:

[...] a nossa atuação é diferenciada, mesclando a assistência e a vigilância e, quando eu falo assistência, é entendendo a dinâmica do que é promover saúde e fazer atendimento dentro do programa de saúde do trabalhador [...] você também está fazendo o olhar da vigilância e da prevenção, nós sempre fizemos isso diferente das outras áreas de vigilância, da vigilância sanitária. (Entrevista 2) Isto é muito delicado, eu entendo que os técnicos não estão preparados para esse papel e ai vem conflitos tremendos nessa trajetória. (Entrevista 7)

Nosso objetivo é corrigir o que está errado, transformar o trabalho e não ficar penalizando o empresário. (Entrevista 8)

Eles relatam que vivem um conflito, pois acreditam que seu papel no processo de intervenção deve ter um caráter educativo e preventivo, mas, na atual conjuntura, também precisam ter um caráter fiscalizador e até mesmo auditor. Há um desejo de poder unir o papel educativo e o fiscalizador, porém, seria isso possível? Para eles, conciliar esses diferentes papéis é uma questão frequente:

É uma questão pra gente discutir, eu tenho dificuldade de dizer como a gente vai ser educador e orientador, pra realmente mudar questões que tem a ver com condições e organizações do trabalho e a saúde do trabalhador e, ao mesmo tempo, ser uma autoridade que pode multar e interditar imediatamente. [...] Esse papel fiscalizador em alguns momentos é bom, mas em outros atrapalha. (Entrevista 10)

Os entrevistados afirmam que sua intenção é uma mudança qualitativa das condições de trabalho e que não basta haver um enfoque restrito a postos de trabalho e questões ambientais. Para eles, é imprescindível intervir na organização e nos processos de trabalho. Mas se questionam sobre como fazê-lo sob o papel de agente fiscalizador.

Nesse sentido, as experiências vividas com os ministérios públicos são apontadas como os espaços em que o papel educativo estava facilitado pelo contexto no qual os profissionais dos CRST não tinham o “poder de polícia” e, portanto, a relação estabelecida com trabalhadores e empresários era outra.

Para a maioria dos entrevistados, o papel de “fiscalizador” pode estar trazendo um maior distanciamento entre a autoridade sanitária e os trabalhadores, fato criticado por eles. Esse distanciamento estaria comprometendo a qualidade do

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trabalho que realizam e os distanciando também de exercer seu papel educador e transformador:

Hoje com a complexidade que se têm na forma de organização do processo de trabalho, você não consegue objetivamente evidenciar todos os riscos, então é obrigatório detalhá-los por meio do saber, da percepção e da vivência do trabalhador, não existe outra forma porque a gente não tem bola de cristal. (Entrevista 7)

Alguns entrevistados afirmam que o caráter transformador das ações de VST só se dará quando a população trabalhadora for tocada por esse trabalho, algo que não se dará por meio de intervenções pontuais:

Essas pessoas levariam essa necessidade de não se submeter, de não aceitar, de questionar, de perguntar por que, de procurar a lei, de procurar realmente o amparo social pra não sofrer. [...] Como trabalhar essas pessoas no coletivo? Como conseguir reverter essa situação de submissão em que elas se encontram? Isso eu acho que seria o caráter transformador. (Entrevista 1)

O papel de alguém que irá intervir na empresa não mudou, mas o fato de as sanções se darem imediatamente, a partir da figura da autoridade sanitária deixa os conflitos de interesse mais explícitos. Ao se posicionarem como “agentes fiscalizadores”, a relação toma um cunho intimidador:

Uma questão muito séria é a gente entrar como agente fiscalizador [...] até o próprio avental que a gente usa intimida as pessoas (Entrevista 10).

Segundo os entrevistados, trabalhadores e empresários os recebem com apreensão e é um desafio estabelecer uma relação de confiança, imprescindível na construção de um processo participativo de mudanças. A relação que se dá entre trabalhadores e empresários e o agente representante da PMSP, que entra na empresa sem ter sido convidado, é sempre delicada:

[...] A gente penaliza quando é necessário, mas não é nossa intenção primordial. Nosso objetivo é diminuir o risco para a saúde do trabalhador. [...] Ninguém faz sozinho uma inspeção. [...] No mínimo duas pessoas. [...] Se você for sozinho, corre o risco de uma tentativa de suborno e aí você precisa de uma testemunha senão vai ficar palavra contra palavra. (Entrevista 8)

Para os entrevistados, a relação estabelecida com os representantes da empresa é essencial para se conseguir mudanças e, talvez, até mais importante do que o “poder de polícia” decorrente da função de autoridade sanitária. A experiência

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parece lhes mostrar que não é o fato de ter o poder de interpor penalidades que vai mudar a postura da empresa diante das situações:

Talvez crie um pouco mais de receio na empresa essa questão de que você pode realmente punir, mas ainda depende muito de como a gente entra na empresa [...] quando a empresa não quer mudar, ela não vai mudar. (Entrevista 10)

[...] é muito importante a parte educacional, as pessoas não acreditam muito nisso, mas a gente aqui acredita na parte de informação, tem muita empresa interessada, lógico que tem as empresas que não estão nem ai. Essa educação é para o trabalhador, o empresário [...] (Entrevista 11)

Também como contradição entre o papel educativo e o fiscalizador, na fala dos entrevistados, aparece outra forma de entender o papel das autoridades sanitárias nas intervenções, o de auditar. Nessa posição, eles não devem estar presos à realização de medições e avaliações quantitativas das condições de trabalho, mas dar conta de compreender o todo e priorizar os aspectos que mais demandam uma intervenção:

O papel do técnico do Centro de Referência é auditar procedimentos do outro, se a estratégica do monitoramento e a análise ergonômica do ponto de vista técnico estão adequadas ou não, se é compatível com aquela realidade, é esse o nosso papel. (Entrevista 7)

A contradição entre assumir um papel educativo ou o de um fiscalizador também aparece na fala de alguns entrevistados que apontam a necessidade de que a COVISA e os CRST participem mais efetivamente de parcerias para a construção de normas específicas para a Saúde do Trabalhador, a criação e a modificação de legislações pertinentes à área:

Não falo de fazer a legislação, mas tentar modificar algumas e criar novas, pelo menos dar o pontapé inicial para que alguém que faça as leis fique estimulado a fazer. [...] a nova lei de marmoraria surgiu a partir da pressão dos técnicos, nós identificamos os problemas e as doenças, coisas que o sindicato patronal negava. Houve uma mudança, agora todas as marmorarias serão obrigadas a umidificar o processo. Umidificando com certeza vai diminuir o número de casos de silicose. (Entrevista 8)

Alguns entrevistados comentam que as Normas Regulamentadoras de Segurança e Medicina do Trabalho do Ministério do Trabalho não são um instrumento específico da Saúde e que é preciso criar instrumentos particulares para as ações em Saúde do Trabalhador. Acreditam que não se pode esperar que essas

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normas sejam redigidas isoladamente pelo Ministério do Trabalho ou pelo da Previdência Social e que cabe à Saúde se dedicar a esse tema em parceria com os demais Ministérios:

[...] nossa visão vai além de normas regulamentadoras, ela vem pra entender como se dão os processos do trabalho, de produção, quais são os riscos à saúde dos trabalhadores, vai além do que está proposto pelo Ministério do Trabalho, se a gente não entender isso, a gente fica ensimesmada em norma regulamentadora e esse não é um instrumento da Saúde [...],a Saúde têm um caminho a percorrer que é diverso do caminho do Ministério do Trabalho, da Previdência, têm encargos muito sérios, têm que normatizar, inclusive pra saúde do trabalhador, não podemos esperar isso da Previdência e do Trabalho. (Entrevista 7)