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7. RESULTADOS

7.2. Apresentação dos resultados segundo categorias e subcategorias de

7.2.4. Categoria 4: Reconhecimento no trabalho

Entre os entrevistados há um sentimento de falta de reconhecimento tanto pela ausência de planos de carreira e de diferença salarial para os profissionais de saúde que aceitaram acumular a função de autoridade sanitária quanto pela ausência de reconhecimento identitário, de valorização do seu trabalho e do esforço empreendido para realizá-lo. Para esses profissionais, seu trabalho carece de efetivo apoio institucional.

7.2.4.1. Reconhecimento financeiro

Esses profissionais, que na maioria acumulam as funções de assistência e vigilância, acreditam que deveriam ganhar mais do que os profissionais que se dedicam apenas às atividades de assistência. Justificam sua posição dizendo que o trabalho das autoridades sanitárias em VST tem um efeito multiplicador e atinge a um número muito maior de trabalhadores.

Como a responsabilidade de ser autoridade sanitária é assumida sem remuneração adicional, alguns profissionais consideram que os colegas que se recusaram a assumir essa função e permaneceram apenas na assistência estão levando vantagem e sentem-se injustiçados:

[...] no mundo do trabalho, ninguém faz mais se não ganha mais e nas instituições isso fica velado. Quem é autoridade sanitária, não é a mesma coisa de quem é técnico, quem faz vigilância deve ganhar

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mais, não judicialmente lá pelo processo, mas dentro da carreira. (Entrevista 2)

As pessoas que não fazem vigilância têm mais vantagens [...] é fácil falar que não quer, não quer ficar com nenhum problema, continua no mesmo lugar, ganhando a mesma coisa. [...] autoridade sanitária tem que ganhar mais, porque está tendo mais responsabilidade. (Entrevista 11)

Segundo esses profissionais, a remuneração atual é tida como insuficiente, inadequada e desproporcional à responsabilidade e aos riscos inerentes à atividade desempenhada.

Há o peso da responsabilidade ao assumir processos administrativos e os ritos que dele fazem parte, inclusive com a aplicação de sanções, como multas e interdições. As autoridades sanitárias precisam ser capazes de responder à altura a textos elaborados por profissionais de diferentes áreas, entre eles advogados, engenheiros, médicos, entre outros, sem qualquer assessoria:

[...] a função de autoridade sanitária é um acúmulo, uma responsabilidade profissional, e não temos a remuneração de acordo, além disso, tem a questão do risco e da segurança da gente. (Entrevista 12)

A ausência de um plano de carreira e de um salário específico compromete a possibilidade de dedicação exclusiva dos profissionais à essa função na qual convivem profissionais com 40, 30 e 20 horas semanais de trabalho. Para alguns, a atividade de VST demanda um volume e uma profundidade de trabalho que exigiria uma dedicação integral dos profissionais e a dedicação parcial de alguns comprometeria o andamento dos trabalhos:

[...] entendo que você tem que ter uma carreira, tem que ter um salário, uma dedicação. Profissional de quatro horas não dá certo, não dá para chegar em uma vigilância e dizer: Olha, preciso ir porque tenho filho para pegar na escola e tenho outro bico, não dá, vigilância séria não se faz nesse nível, então a gente brinca que faz e está tudo certo. (Entrevista 7)

7.2.4.2. Reconhecimento indentitário - o sentido do trabalho e a valorização do trabalho realizado

Em suas falas, alguns profissionais parecem se sentir quase como “heróis” por estarem no desempenho de ações de VST. Eles parecem se sentir impelidos a

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continuar nas atividades de autoridade sanitária por questões ideológicas e por julgar a VST imprescindível. Outros parecem temer que sua empreitada esteja além de sua capacidade de enfrentamento. Suas falas estão permeadas pelo cansaço, desânimo, sensação de injustiça e de não reconhecimento pelo esforço empreendido:

A gente tem que ter reconhecimento senão a paixão acaba, é como casamento. [...] Eu gosto do que faço, é a única razão que eu tenho, por que senão...[...] Tem tantas políticas desfavoráveis que eu me pergunto o que estou fazendo aqui ainda. (Entrevista 11)

Minha qualidade de vida está no pé e além disso tenho essa carga de trabalho a mais e mais responsabilidade. (Entrevista 12)

Essa contradição entre o desejo de seguir realizando as VST e o de desistir parece ser mais uma fonte de sofrimento e frustração. Os entrevistados afirmam que não se sentem devidamente reconhecidos em seus esforços, nem pela chefia imediata, nem pelos colegas ou, ainda pelas instâncias superiores.

Há um duplo sentimento: o de subutilização, para o desenvolvimento da política de vigilância, e o de hiperutilização, quando precisam fazer ações para as quais não tem preparo.

A sensação de subutilização está presente na fala de profissionais que acreditam ter muito a contribuir para a consolidação dessa área de saber. Eles sentem que seu conhecimento vem sendo desperdiçado pela PMSP que não institui meios para a difusão desse saber e para a troca de experiências:

[...] eu tenho sido muito mal aproveitado na prefeitura, eu teria condições de dar conhecimentos gerais da experiência que eu tenho, poderia passar para o pessoal da prefeitura, mas não tenho conseguido fazer [...] não é difícil pensar que outras pessoas também vão aposentar e levar embora todos os seus conhecimentos, é realmente uma tristeza. (Entrevista 5)

Esses profissionais acreditam que poderiam contribuir também no planejamento e na avaliação das ações desenvolvidas em VST, mas não percebem espaço para essa participação.

[...] é necessário que as pessoas que conhecem desta matéria estejam em comunhão, estejam metendo a boca no mundo, dentro da prefeitura, para conseguir fazer alguma coisa. (Entrevista 5) [...] a participação do Centro de Referência nas discussões da RENAST tem sido nula, não consegue propor, não consegue

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indicar, não consegue verbalizar, nem quais são as necessidades, quais proposições. (Entrevista 7)

As oficinas de trabalho desenvolvidas na COVISA, durante o ano de 2010, com o intuito de elaborar um programa de VST no SUS para o Município de São Paulo, foram apontadas por alguns como uma iniciativa positiva e que deram aos entrevistados a sensação de que seu conhecimento e opiniões estavam sendo considerados pelas instâncias superiores. Mas paira nas falas uma incerteza quanto à continuidade dos trabalhos aí iniciados:

[...] a oficina foi essa grande oportunidade. (Entrevista 2)

[...] um dos aspectos da oficina é pensar como aprofundar a vigilância num modelo um pouco diferente do que é feito hoje, aproveitando o conhecimento que as pessoas têm. (Entrevista 10) [...] se eu não tivesse nessa oficina, acho que já ia ter desistido, porque é uma fase que a gente não está tendo reconhecimento [...] eu acho que isso trouxe uma nova energia pra gente, eu senti isso do pessoal aqui também, acho que deu uma revigorada nas pessoas, porque estava num ponto muito ruim [...] foi uma oportunidade das pessoas se conhecerem e pensarem em trabalhos em conjunto. Por muitos anos as coisas eram feitas muito no local, criaram até uma inimizade entre as pessoas dos diferentes CRST [...] hoje a gente vê que as pessoas são parceiras. (Entrevista11)

No entanto, essas oficinas também foram reveladoras de aspectos negativos, como a falta de preparo de alguns técnicos para realizar as VST, o que reforça a necessidade de que os saberes construídos pelos profissionais mais experientes seja reconhecido e compartilhado:

[...] temos notado nas oficinas o quanto que tem pessoas que estão ali, não só pessoas que tem chegado há pouco tempo e que simplesmente não sabem do que estão falando e estão ali só cumprindo a obrigação de participar de uma reunião e que desconhecem coisas básicas como a Portaria 3.120, qual é o papel de vigilância, sobre o que significa ter um trabalhador incluído nisso ou não, sobre qual é a diferença entre fator de risco, risco de trabalho, e que simplesmente a gente não entende como faz vigilância. A oficina de intervenção foi bem, como é que eu posso te dizer, decepcionante, assustadora, reveladora. (Entrevista 2)

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Aparecem, nas entrevistas, observações quanto à falta de reposição do quadro de profissionais afastados por doença ou transferidos para outras unidades da PMSP. A isso se soma a constatação da aproximação da aposentadoria de grande parte dos profissionais das equipes atuais, o que expõe um receio em relação a uma possível descontinuidade do trabalho desenvolvido ao longo de mais de 20 anos:

[...] temos outro problema, um corpo de técnicos que está começando a entrar em processo de aposentadoria [...] temos que ter formação de novos técnicos. (Entrevista 3)

[...] a maioria deles estão quase no bico do corvo [...]não há nada que demonstre que a prefeitura tem interesse em formar pessoas e muito menos de adquirir os conhecimentos acumulados por aquelas pessoas que têm trilhado esses rumos durante essas ultimas décadas, que são poucos, tudo indica que vai se perder, a não ser que algum milagre aconteça. (Entrevistado 5)

É uma situação assim que agente não gosta de pensar senão começa dar uma certa angústia. (Entrevista 13)

O não reconhecimento do valor do trabalho também foi associado a desarticulação das ações desenvolvidas pelos diferentes CRST e pela COVISA. Esse é um problema significativo que pode inclusive comprometer as ações realizadas. Foram relatadas situações nas quais mais de um CRST e equipes da COVISA estavam simultaneamente investigando uma mesma empresa, sem que um estivesse sabendo da atuação do outro. Isso é sentido como um desrespeito com o trabalho e com os profissionais que os desenvolvem. Para os entrevistados, o ideal seria que tais intervenções fossem realizadas de maneira integrada. No entanto, nem sempre isso acontece:

[...] aconteceu uma coisa complicada, a gente chegou em uma empresa que já tinha um processo no nosso CRST e eles falaram que veio gente da COVISA. A gente não sabe quem. Em COVISA eles nem sabiam que nós estamos fazendo vigilância lá [...] acho que esse problema de comunicação é péssimo, podia ter queimado a gente (Entrevista 10).

Os processos desenvolvidos com o Ministério Público do Trabalho são apontados por alguns como um espaço onde há reconhecimento do trabalho desenvolvido:

[...] onde me sinto respeitada enquanto profissional é no Ministério Público do Trabalho [...] nas audiências os procuradores tratam a

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gente diferente de como a gente é tratada na nossa própria secretaria [...] já vi procurador falando para a empresa: O que elas estão falando é o que vai acontecer, vocês ainda tem que agradecer que vocês estão tendo uma assessoria de graça. São coisas que a chefia da gente não valoriza, muito menos a coordenação de saúde da região [...] algumas vigilâncias têm uma qualidade diferente, e até melhor, quando a gente tá junto do Ministério. (Entrevista 10)

Por outro lado, há profissionais que acreditam que eram mais respeitados quando desenvolviam ações com o Ministério Público do Estado de São Paulo e que nas atuais ações com o Ministério Público do Trabalho a relação mudou para pior:

[...] não faço questão de trabalhar com o ministério público, eles só nos exploram e depois eles fazem os acordos. Isso que é o pior, a gente relata os ambientes de trabalho e eles depois chamam as empresas e fazem acordos. Quais acordos nós não sabemos [...] os antigos promotores do Ministério Público Estadual nos chamavam para as audiências e para estabelecer os acordos, os atuais procuradores do Ministério Público do Trabalho nem sempre fazem isso. (Entrevista 5)