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CAPÍTULO 1 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:

1.7 A prática docente como elemento da prática pedagógica

Ao longo das pesquisas e estudos na área da educação muito se tem discutido sobre prática docente e prática pedagógica8. Comumente elas vêm carregadas com sentidos que parecem sinônimos, ou seja, a prática docente se apresenta nas formulações teóricas tendo o mesmo significado da prática pedagógica.

Dessa forma, percebe-se que os dois conceitos são vinculados à ação do professor. Há então uma simbiose epistemológica e as fronteiras dos sentidos são transpostas ocorrendo um prejuízo para a definição desses conceitos. Os estudos parecem desconsiderar ou fazem uma síntese total dos referidos conceitos num hibridismo que apaga as diferenças fundantes entre eles. Zabala (apud SOUZA, 2006), por exemplo, quando conceitua sobre as decisões que o professor precisa tomar em sua ação se refere a isso como a resolução dos problemas na prática pedagógica. Ele propõe, portanto, que a prática pedagógica se alude à ação do professor na sala de aula.

As diferenças a que se está remetendo dizem respeito, sobretudo, ao alcance da prática docente e da prática pedagógica. A prática pedagógica se configura por ser mais ampla que a prática docente, incorporando esta última como um de seus elementos. Assim, a também chamada práxis pedagógica (SOUZA, 2006) congrega uma ação institucional coletivizada e sistematizada e não se reduz às ações do professor.

8 Ver a análise de Souza (2006).

A prática ou práxis pedagógica abrange, por conseguinte, a prática docente, a discente, a gestora e a epistemológica. Ela é a síntese desses elementos assumidos coletivamente e institucionalmente na perspectiva de atingir os objetivos da educação propostos pela instituição formadora. E por ser coletiva e a síntese de outras práticas, não pode ser reduzida a uma delas sem que com isso haja prejuízo para sua definição, perdendo deste modo a inscrição de seu sentido.

A práxis pedagógica pode ser então definida nas palavras de Souza (2006, p. 11) como o resultado de “interconexões das práticas de diversos sujeitos que constituem as instituições formadoras”, com o objetivo de construção de conhecimentos para a formação dos sujeitos.

Sendo assim, ao ser identificada como um dos elementos da prática pedagógica, a prática docente se refere à ação do professor, uma ação que envolve a sala de aula, o acompanhamento do processo de ensino-aprendizagem e a avaliação no sentido de contribuir para a ressignificação do fazer docente. Esse é o conceito que a prática docente abarca; desejar que ela seja mais que isso seria retirar sua especificidade.

Pensando desse modo, a prática docente estaria incluída na prática (ou práxis) pedagógica, mas não alcançaria todos os meandros da prática pedagógica, esta que por sua vez, como já se disse, se refere à inter-relação de práticas de diversos sujeitos num contexto de formação.

Contudo, esse conceito a ser aqui trabalhado não é consensual. Para Franco (2012), a prática pedagógica estaria inscrita na intencionalidade ao atendimento do que é esperado pela sociedade em termos de educação. Portanto, seu sentido não seria a de relação entre diversas práticas nos processos educativos realizados por instituições formadoras, assim como pensa Souza (2006); seria referente a uma ação intencional. Claro que para este autor, a prática pedagógica também é carregada de intencionalidade, mas uma intencionalidade coletiva da instituição formadora que conforma a “síntese dos sujeitos e das estruturas que a constituem” (SOUZA, 2006, p. 15).

Franco entende, ainda, que nem toda prática docente é prática pedagógica. Nessa perspectiva seria possível a existência de uma prática docente desprovida de prática pedagógica, quando a primeira não promovesse o diálogo entre a sociedade e a sala de aula, quando fosse avulsa e pouco embasada na reflexão. Assim, somente quando fosse reflexiva a prática docente se transformaria em prática pedagógica, então “pode-se dizer que as práticas docentes não se transformam de dentro das salas de aula para fora, mas ao contrário: pelas práticas pedagógicas, as práticas docentes podem ser transformadas, para melhor ou para pior” (FRANCO, 2012, p. 159).

A possibilidade de uma prática docente sem prática pedagógica demonstra que há uma polissemia discursiva que possibilita uma diversidade de dizeres sobre esses dois elementos, evidenciando como eles vêm sendo tratados teoricamente. Contudo, inscrevemos nossa pesquisa na compreensão de que a prática docente só se efetiva numa ação coletiva, vinculando- se às outras práticas, ou seja, no entendimento de que o fazer do professor não é um fazer sozinho, ele se insere na dinâmica da instituição. Acreditar numa prática docente que não esteja abarcada pela prática pedagógica seria individualizar o trabalho do professor.

Outra questão que se pode discutir, nas formulações de Franco, é sobre a vinculação que esta estabelece entre prática docente, pedagógica e reflexiva. Nos sentidos que produzimos em nossa investigação, tanto a prática docente como a pedagógica precisam ser reflexivas para se constituírem como práticas transformadoras da realidade. Só a reflexão não vai tornar a prática docente uma prática pedagógica e isso porque ambas as práticas possuem especificidades, práticas que embora se interpenetrem têm o seu papel definido.

Partimos, então, do pressuposto de que a reflexão é uma dimensão que precisa estar presente tanto na prática docente como na pedagógica, mas que podem existir práticas com diferentes níveis de reflexão. Acreditamos, deste modo, que um estágio supervisionado fundamentado na perspectiva da prática reflexiva pode contribuir para um fazer docente que não seja destituído de teoria, mas que tenha a teoria como instrumentalizadora da prática e que ainda consiga construir novo conhecimento teórico.

É nesse contexto que deve emergir a prática reflexiva do futuro professor, destacando que a reflexão deve propiciar a leitura crítica da realidade vivenciada, conduzindo o futuro profissional a uma ação criativa, o que somente poderá se dar em um trabalho coletivo, que toma a própria reflexão como ponto de partida para a construção de questionamentos e intervenções pedagógicas, pautado, sempre, no conhecimento por ele construído e internalizado ao longo de sua formação (ULHÔA, 2007, p. 35, BDTD da Capes).

Entretanto, é preciso considerar junto com a Análise de Discurso que “as palavras não têm [...], um sentido próprio, preso a sua literalidade” (ORLANDI, 2010, p. 44). Nessa perspectiva é possível compreender o motivo das noções de práticas docente e pedagógica poderem carregar em muitos estudos a mesma significação. Contudo, isso não descarta a possibilidade de se fazer no presente estudo a especificação do que se inscreveria em cada uma dessas práticas. É por essa razão que é reservado o direito de na formação discursiva aqui construída demarcar as fronteiras entre os conceitos, onde a prática docente diria respeito ao

fazer do professor se constituindo como um dos elementos da prática pedagógica, que por sua vez abarcaria outras práticas numa ação institucionalizada e coletiva.

1.8 A prática docente reflexiva: o professor como produtor de conhecimento

A teoria da reflexividade vem ganhando força nas produções acadêmicas das últimas décadas, entretanto ela encontra suas bases nas produções de John Dewey9 já no início do século XX. Com este autor, tem princípio o que é comumente chamado de epistemologia da prática, onde ele e nomes como Nóvoa, Perrenoud, Schön, Tardif, Zeichner,

advogam que a reflexão é um importante instrumento de desenvolvimento do pensamento e da ação e veem na reflexão sobre a prática a estratégia que pode superar a racionalidade técnica. A ênfase nessa reflexão deve-se, segundo os pensadores desse ideário, pelo fato do professor trazer em si um tipo de conhecimento que convencionaram denominar de pensamento prático (DUARTE NETO, 2010, p. 135, BDTD da UFPE).

O foco então é na tentativa de superação do tecnicismo o qual coloca o professor numa posição de mero aplicador de técnicas advindas de outros, retirando sua autonomia intelectual. Na perspectiva da epistemologia da prática há, portanto, a possibilidade do docente construir conhecimento a partir da reflexão sobre seu fazer pedagógico, um conhecimento que não seria alheio às condições concretas do cotidiano no qual está inserido.

A epistemologia da prática intenciona, portanto, restaurar o lugar do professor na relação de ensino-aprendizagem dando destaque às vivências cotidianas desse profissional. Desse modo, o cotidiano seria posto em reflexão, o que os autores dessa perspectiva teórica denominam de reflexão sobre a prática, possibilitando consequentemente a superação da racionalidade técnica que, pautada na reprodução de práticas consideradas de sucesso, retira do professor a capacidade criadora e criativa de sua função.

O cotidiano se configura, pois, nessa perspectiva como um de seus conceitos mais importantes, dizendo respeito às questões rotineiras que constroem o fazer na sala de aula e aos sentidos que os indivíduos produzem sobre essa rotina. A partir da compreensão de que nas pesquisas em educação, além de concepções totalizantes, se faz necessário que a concreticidade da realidade social seja possibilidade de produção de conhecimento científico, o cotidiano se torna elemento central.

9 Embora não seja possível considerar Dewey como o formulador da epistemologia da prática, foi a partir de suas