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CAPÍTULO 1 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:

1.5 Elementos da aprendizagem profissional: pensando sobre a prática docente

A prática docente diz respeito ao fazer do professor, ou seja, ao trabalho que é inerente à atividade da docência. Nesse sentido, é possível perguntar: o que efetivamente faz parte desse fazer docente? Qual a sua especificidade? Respondendo a isso, entende-se que a função do professor é ensinar (ROLDÃO, 2007), é nessa característica que se distingue de outras profissões, uma função que não existe isenta de conflitos, não é consensual, mas que tem seu reconhecimento e sua afirmação histórica a partir da luta do grupo profissional de professores.

Ensinar configura-se assim, nesta leitura, essencialmente como a especialidade de fazer aprender alguma coisa (a que chamamos currículo, seja de que natureza for aquilo que se quer ver aprendido) a alguém (o acto de ensinar só se actualiza nesta segunda transitividade corporificada no destinatário da acção, sob pena de ser inexistente ou gratuita a alegada acção de ensinar) (ROLDÃO, 2007, p. 95).

Já que ensinar é fazer aprender algo a alguém, o ensino se materializa como atividade relacional a partir da vinculação dialética com a aprendizagem. Dessa forma, não há como considerar o ensino isolado das condições de aprendizagem, pois um só se realiza a partir do outro. Esta se configura, então, como uma produção discursiva que constrói um sentido de ensino que não se assume apenas como transmissão de saber, mas como diálogo indissociável com a aprendizagem.

É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. [...] Quem ensina ensina alguma coisa a alguém. Por isso é que do ponto de vista gramatical, o verbo ensinar é um verbo transitivo- relativo. Verbo que pede um objeto direto – alguma coisa – e um objeto indireto – a alguém (FREIRE, 1996, p. 25).

Nesta mudança de sentido do ensino, este passa a ser entendido também como apropriação gradual, significando dizer com isso que a função do professor é aprendida no decorrer da vida profissional a partir da síntese dos conhecimentos veiculados nos cursos de formação e das experiências com a docência. Portanto, se ensinar apresenta uma dupla transitividade, não se reduz à transmissão de conhecimento e se aprende no decorrer dos anos de docência, esta atividade não tem caráter fixo, podendo se transformar dependendo das situações enfrentadas pelo professor no exercício profissional.

Se o ensino pode se transformar, então a prática docente que é concernente à função do professor de ensinar igualmente se altera, principalmente a partir do “envolvimento do professor em processos reflexivos sobre si mesmo, no contexto profissional, com previsíveis implicações no seu autoconhecimento, como pessoa e como profissional” (SANTOS, S., 2005, p. 51). Assim, a prática docente é resultado desse movimento de reflexão sobre o ensino e a aprendizagem em diálogo constante com o conhecimento teórico, sendo, pois, nesse movimento entre reflexão do fazer e a teoria que ocorrem as mudanças.

Nessa demarcação do trabalho do professor, do que lhe é específico, inscrevemos o sentido da função num processo histórico que o transformou de transmissão de saber para relação dialética entre ensino e aprendizagem e para a possibilidade de mudança a partir do exercício profissional, um processo que inscreveu também os professores na luta pela afirmação da docência como profissão,

de natureza intrínseca, associado à necessidade de legitimar esse grupo social dos docentes pela posse de determinado saber distintivo: a afirmação de um conhecimento profissional específico, corporizado, e, por sua vez, estimulado pelo reconhecimento da necessidade de uma formação própria para o desempenho da função, reconhecimento que constituiu um dos grandes passos, no início do século XX em particular, para o reconhecimento social dos docentes enquanto grupo profissional (ROLDÃO, 2007, p. 96).

Dessa forma, a prática docente diz respeito ao fazer do professor, em sua função específica que é ensinar. Ela, que é ao mesmo tempo ação subjetiva, se faz também coletivamente na socialização entre os professores, entre professores e alunos, e entre professores e instituições nas quais se inserem. É, pois, no entre-lugar do subjetivo e do coletivo que a prática docente se constrói, não sendo tão somente produto das vivências individuais do professor com o exercício profissional e nem tão somente resultado das relações deste com o contexto.

Mais do que implementar um acto de ensino, o professor faz parte de um edifício escolar com as suas normas organizacionais, valores estabelecidos e expectativas criadas. Relaciona-se com alunos, intra e extraturma, com professores, numa partilha de opiniões, num murmurar de frustrações e numa salvaguarda de individualismo, dialoga com agentes educativos e com encarregados de educação, responde perante a administração e insere-se um território educativo. Numa palavra: o professor faz parte de uma cultura de ensino, dando-lhe sentido e significado a partir do momento em que interioriza e expressa as suas crenças (PACHECO, 1995, p. 28).

Contudo, apesar de demarcarmos o sentido de prática docente a partir de todos os elementos elencados anteriormente, na literatura acadêmica ela vem sendo utilizada como sinônimo da prática pedagógica. Embora essa associação entre as duas práticas seja frequente na literatura, o sentido construído nessa pesquisa destaca que as duas se relacionam, mas apresentam diferenças quanto ao que abarcam. Compreendendo a possibilidade dos sentidos transitarem, uma vez que palavras diferentes podem ter sentidos iguais e palavras iguais podem ter sentidos diferentes, nossa intenção não é impor um sentido de prática docente considerado certo, mas delimitar nosso objeto de pesquisa.

Nossa investigação se ocupou, portanto, com o movimento discursivo entre sentidos de estágio e as contribuições deste componente curricular para a prática ou práxis docente do professor com experiência. A prática pedagógica não foi, então, objeto de nossa pesquisa, tendo seu sentido delimitado a partir de características diferentes do sentido de prática docente. Deixamos clara a distinção entre esses dois elementos, muito embora eles estejam articulados.

Deste modo, ressaltamos ainda que a prática docente não se inscreve apenas no âmbito da prática entendida como institucionalizada, ou na ação que se refere aos sujeitos, mas também abarca a teoria, esta entendida como instrumentalizadora da prática. Partindo disso, entende-se que mais do que prática a referência aqui é com a práxis docente.

Assim, a utilização do termo práxis se justifica pelo fato de que quisemos diferenciar do uso frequente da prática que no imaginário social e mesmo em algumas produções teóricas se direciona às práticas imediatas, ao utilitarismo, dissociado de qualquer referência de teoria. Já o termo práxis vem sendo utilizado pelo materialismo histórico com uma conotação carregada de um sentido mais amplo que não coloca em campos opostos a teoria e a prática. Contudo, ao longo de nossa investigação existe a possibilidade de fazermos menção ou utilizarmos simultaneamente os termos práxis e prática docente, contudo esclarecemos que o sentido de prática ao qual nos filiamos é o de não separação mecânica entre a prática e a teoria.

É uma prova de mecanicismo dividir abstratamente em duas partes e depois tentar encontrar uma relação direta e imediata entre um segmento teórico e um

segmento prático. Essa relação não é direta nem imediata, fazendo-se através de um processo complexo, no qual algumas vezes se passa da prática à teoria, e outras desta à prática (VÁZQUEZ, 1977, p. 233).

Compreendemos que a prática docente a qual investigamos não teve o sentido utilitário, ou seja, uma prática referente apenas às ações do cotidiano baseada exclusivamente no conhecimento experiencial. Mas busca estabelecer uma relação intrínseca com a teoria, uma prática que assim concebida pode se configurar como eixo do estágio supervisionado e efetivamente contribuir para que a formação inicial de professores não se fundamente na fragmentação.