• Nenhum resultado encontrado

O estágio como elemento articulador dos espaços de formação e do campo de exercício

CAPÍTULO 1 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:

1.3 O estágio como elemento articulador dos espaços de formação e do campo de exercício

Partindo da crítica construída pelo movimento de educadores, destacando a contribuição da ANFOPE, o estágio supervisionado começou a ser concebido como o lugar da mediação

entre a universidade, a escola e a sociedade (PIMENTA; LIMA, 2004), um estágio que por considerar a importância da experiência do professor não podia atribuir menos valor à prática, não podia permitir a dissociação com a teoria, esta instrumentalizadora da análise da prática. A ancoragem é, pois,

nos princípios defendidos pelo Movimento dos Educadores, dentre eles, o de prática de ensino entendida como instrumento de integração do aluno com a realidade social, econômica e do trabalho de sua área e que possibilita a interlocução com os referenciais teóricos do currículo, cujo início deve ocorrer nos primeiros anos do Curso e ser acompanhada pela coordenação docente da Instituição (ANFOPE, CEDES, CEDES apud PETERNELLA, 2011, p. 16, BDTD da Capes).

Nessa redefinição do estágio caminhamos para uma formação de professores que intenciona contribuir com a construção do docente como intelectual e que objetiva dissipar uma concepção fragmentária de teoria e prática presente desde as primeiras Escolas Normais do final do século XIX e início do século XX. Começa-se a pensar, portanto, num estágio contemplando a práxis docente que conclua que “[...] ao contrário do que se propugnava, [o estágio] não é atividade prática, mas teórica, instrumentalizadora da práxis docente, entendida esta como atividade de transformação da realidade” (PIMENTA; LIMA, 2004, p. 43).

Essa questão demonstra o entendimento da prática institucionalizada tendo a teoria o papel de analisá-la. Assim, confirma-se que o conceito de práxis docente é mais pertinente no tratamento do sentido de estágio o qual o toma como atividade de aproximação do campo profissional, atividade investigativa, e referência para a formação, um sentido que por proceder deste modo não pode mais reduzir o estágio ao final do curso.

A atividade docente só acontece realmente quando há a junção entre a ação e a reflexão, ou seja, quando ocorre a articulação teórico/prática; pois não há separação entre a teoria e a prática na práxis docente. O Estágio é o momento crucial onde os discentes podem questionar e refletir sobre a sua futura profissão de professor, a sua práxis e identidade docente. É nesse período que os educandos devem possibilitar uma maior articulação teórico/prática, uma melhor compreensão do que é ser um profissional docente (SOUZA; GRANGEIRO, 2009, p. 4, EPENN).

O professor não é apenas um prático, mas um profissional que articulando teoria e prática assume sua função específica que é ensinar. Compreendemos, pois, a teoria como “antecipação ideal de uma prática que ainda não existe” (VÁSQUEZ, 1977, p. 233), que também correspondente a uma prática que já se apresenta na realidade. Por essa razão é que a relação teoria e prática não se dá de forma mecânica, mas se faz no jogo circular onde se

misturam e não se sabe muito bem onde começa uma e termina a outra. A relação, por conseguinte, nem é horizontal e tampouco vertical.

É deste modo que Santiago e Batista Neto (2006) tomam o estágio como prática de ensino que se definirá como eixo estruturador da formação docente, perpassando todo o curso, realizando aproximações entre os espaços de formação e o campo de exercício profissional. Por essa razão é que o pensam como componente curricular. E na possibilidade de articulação entre teoria e prática que o estágio que transcorre durante todo o curso permite ir fazendo “[...] aproximação sucessiva entre os saberes da formação e os problemas profissionais gerados e explicitados nos espaços de formação e os de exercício da profissão” (SANTIAGO; BATISTA NETO, 2006, p. 30).

Por saberes entendemos ser “os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes, isto é, aquilo que muitas vezes foi chamado de saber, saber-fazer e saber- ser” (TARDIF, 2000, pp. 10-11). Assim, os saberes ultrapassam os conhecimentos teóricos e se constituem como uma das bases da epistemologia da prática, tendo sua recente utilização pelos autores que discutem estágio o sentido de apresentar a atividade docente como detentora de diversos saberes que se incorporam, se transformam e podem ser produzidos tanto no trabalho cotidiano do professor como em seu processo formativo.

A mudança da definição de estágio supervisionado por prática de ensino não é, portanto, arbitrária – muito embora até os anos 2000 os dois termos significassem a mesma coisa conforme nos mostra a discussão empreendida por Batista Neto, Ribeiro e Fernandes (2007) – mas se faz inscrita numa mudança de concepção de estágio como trabalho coletivo, que se faz interdisciplinarmente e sob um processo investigativo. Assim, também discorreram Pimenta e Lima (2004) que ao considerarem o estágio com um estatuto epistemológico próprio, ou seja, como campo de conhecimento que articula teoria e prática numa práxis, igualmente o percebem como componente curricular e para demonstrar sua filiação a esse entendimento o nomeiam como estágio curricular.

Sobre essa questão da utilização dos termos prática de ensino e estágio supervisionado, Moraes (2002) em análise do VII e do VIII ENDIPE aponta que em alguns momentos os trabalhos publicados vêm apresentando os dois termos como sinônimos e em outros como dois componentes curriculares distintos. Porém, ao final se utilizando de um termo ou de outro, os trabalhos intencionam discutir a prática docente no cotidiano escolar.

[...] a PE e a atividade dos estágios supervisionados, em alguns momentos, fundem-se significando uma prática sobreposta. Em outros a PE e os estágios aparecem independentes, sugerindo que a PE constitui-se uma disciplina e os

estágios outra. Quando a PE está separada dos estágios, a tonalidade do seu trabalho recai sobre as atividades desenvolvidas nas escolas-campo. Todavia, em ambos os casos, pode-se afirmar que a PE tem como núcleo central dos seus trabalhos os estágios supervisionados. [...] O tom geral dos trabalhos é repensar os procedimentos utilizados nos estágios, buscando um “novo” modo de agir e conceber a prática de ensinar no cotidiano escolar (MORAES, 2002, pp. 2-3, ENDIPE).

Seja chamado de prática de ensino ou de estágio curricular, o mais importante é demonstrar que o estágio supervisionado passa por mudanças significativas em seu estatuto, mudanças as quais dizem respeito a pensá-lo como reflexão da realidade, como atividade teórica que instrumentaliza a práxis docente, e como processo investigativo. O que o norteia não é mais um mecanismo burocratizante definido a partir de observação para posterior intervenção. O que o norteia é a problematização e investigação da realidade sendo possível chegar a uma análise e a uma intervenção que seja carregada da criatividade do professor, pelo que ele acredita em termos de quais sejam os objetivos da educação e de qual sujeito deseja formar.

Esse discurso produzido sobre o estágio pode ser assim considerado como novo. Segundo a Análise de Discurso, ele estaria inscrito na ordem da polissemia tendo como marca o “[...] deslocamento. Ruptura de processos de significação” (ORLANDI, 2010, p. 36). Deste modo, apesar de compreender que todo discurso só tem sentido na medida em que ele já foi dito por alguém e se relaciona com outros discursos, não significa dizer que seja impossível a construção de discursos novos, pois “todo discurso se faz nessa tensão: entre o mesmo e o diferente” (ORLANDI, 2010, p. 36).

É nesse movimento entre o já dito e o a se dizer que afinal passam as ressignificações do estágio supervisionado, entendido como campo teórico e ao mesmo tempo prático.