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Os elementos do discurso: formação discursiva, enunciado, interdiscurso, interpretação

CAPÍTULO 2 CAMINHO TEÓRICO-METODOLÓGICO PARA A CONSTRUÇÃO DOS

2.2 Os elementos do discurso: formação discursiva, enunciado, interdiscurso, interpretação

Alguns elementos são necessários demonstrar para esclarecer que concepção de discurso trouxemos em nossa pesquisa. Esses elementos também ajudaram a compreender o movimento do discurso, as relações entre o dito e o não-dito, e como isso se corporificou como dispositivo de análise. Para não incorrer numa exposição estritamente abstrata, cada um dos elementos foi apresentado inscrito em nosso objeto de investigação, ou seja, exibimos como pensamos as formações discursivas, os enunciados e o interdiscurso na pesquisa.

Nesse sentido, por formação discursiva entendemos como as determinações do que pode e deve ser dito num tempo histórico. Ao estabelecer relações com o processo de produção de sentidos e com a ideologia, ela propõe que “os sentidos sempre são determinados

ideologicamente” (ORLANDI, 2010, p. 43). Assim, o que o sujeito diz é a partir da formação discursiva que se inscreve, não sendo possível dizê-lo em outra formação sem que com isso o sentido não mude. Associando essa perspectiva ao nosso objeto de pesquisa, vemos que falar sobre estágio supervisionado apresentou sentidos a partir de nossa posição na hierarquia social, ou seja, de nossa posição como pesquisadoras e professoras da educação básica, e da conjuntura sócio-histórica que nos encontramos, conjuntura esta que desde a década de 80 do século passado vem incidindo na concepção de estágio baseada na prática reflexiva. Portanto, falar de estágio em outra posição – como professoras formadoras ou professoras do campo de estágio – e em outro contexto histórico traria outros sentidos.

Seguindo essa direção, nossa pesquisa trouxe os enunciados sobre estágio supervisionado e prática docente demonstrando os que ainda estão em circulação, os que se distanciam e se aproximam, percebendo também que eles evoluem, mas não necessariamente numa sequência lógica, pois “[...] os enunciados possuem o poder de serem repetidos em espaços e tempos diferentes, e as regiões ou campos dos enunciados devem ser encarados como domínios ativos” (SILVA, 2011, pp. 189-190). Essas formações discursivas são originadas a partir das relações possíveis entre os enunciados do discurso (SILVA, 2011). Sob esse olhar, é preciso que os enunciados sejam identificados e descritos sempre dentro da historicidade. É perceptível, portanto, que na Análise de Discurso todo elemento trabalhado o é feito dentro de condicionantes sócio-históricos.

Por enunciado do discurso entendemos que é a unidade mínima de análise, é a fala sobre um objeto dita por um sujeito, uma sequência de palavras que pode ser outra dependendo da formação ideológica em que se inscreve.

Contudo, se as formações discursivas são resultado das relações entre enunciados, elas também podem ser vistas, nas palavras de Orlandi (2010), como “regionalizações do interdiscurso”. Interdiscurso é compreendido então como regulação dos deslocamentos das fronteiras da formação discursiva e como elemento que articula os discursos, que articula o já- dito com o que se está dizendo agora. Assim, em nossa investigação o já-dito sobre estágio e prática docente foi vinculado aos nossos dizeres, uma vez que significamos a partir dos sentidos que já foram construídos sinalizando para a emergência dos novos sentidos.

Ainda sobre as formações discursivas, estas podem ser compreendidas também como “formações componentes das formações ideológicas [que] determinam o que pode e deve ser dito a partir de uma posição em uma conjuntura dada” (ORLANDI, 2012, p. 23).

Esses elementos foram interpretados colocando em relação o dito e o não-dito, se constituindo como um dispositivo de interpretação que liga a língua e a história pelo equívoco.

Contudo, esse dispositivo foi percebido não como a apropriação de apenas um sentido, mas como a compreensão de múltiplos sentidos, produzidos pelos sujeitos que ocupam diferentes posições na hierarquia social. Assim, o dispositivo de interpretação da Análise de Discurso considerou ideologia e historicidade no seu propósito de compreensão. Partindo disso é que em nossa pesquisa interpretamos “o processo de produção de sentidos em suas condições” (ORLANDI, 2010, p. 61).

2.3 Entre o dito, o não-dito e o silenciado

Os discursos produzem sentidos circunscritos em formações discursivas que como já afirmamos se referem ao que pode e deve ser dito a partir de condicionantes sócio-históricos. Esses discursos, porém, não estão sozinhos, eles se relacionam criando o denominado interdiscurso, que por sua vez pode ser entendido como regionalizações das formações discursivas. Em cada discurso é possível ainda perceber a presença dos enunciados, estes que, como os discursos, não são livres, mas se associam.

Esses elementos da Análise de Discurso são a base para compreendermos a que estamos nos referindo quando falamos sobre o dito, o não-dito e o silenciado. Assim, o dito não se configura como um discurso sozinho sem articulação com outros discursos; na verdade, para que ele possa significar precisa dizer associando-se ao que já foi dito anteriormente. Nesse sentido, o que analisamos não é a origem do discurso, mas como ele se apresenta no momento em que é enunciado e como se configuram as relações que estabelece com outros dizeres.

Procuramos, por conseguinte, o dito sobre o estágio nas publicações científicas e no Projeto Curricular dos cursos de Pedagogia analisados, em movimento discursivo com os dizeres dos professores em formação fazendo as associações com o que já foi dito historicamente sobre ele, ou seja, buscamos quais sentidos estes três grupos de produção do discurso expressaram sobre o estágio e como visualizavam as contribuições deste componente curricular para a construção da prática docente.

Contudo para dizer x ele não estará dizendo y. Deste modo, existe um não-dito, ou seja, para produzir um certo sentido é preciso não dizer outro. Esses outros sentidos, porém, significam; não dizer uma coisa também produz sentidos. Ao dizermos que o estágio supervisionado, por exemplo, deve ser percebido como eixo da formação de professores e perpassar todo o curso, não estamos produzindo o sentido de estágio como parte prática da formação que deve permanecer circunscrito ao final do curso. Não dizer outro sentido de estágio, portanto, significa e demonstramos que é possível identificá-lo.

Ao mesmo tempo em que analisamos o dito sobre o estágio, também buscamos analisar o que não foi dito sobre ele nas publicações, nos projetos dos cursos e nas falas dos sujeitos, quais sentidos estão subjacentes aos que eles expressam.

O não-dito, no entanto, não pode ser confundido com o silenciado, pois ele é de certa forma o implícito e remete-se ao dito, como que “o silêncio, tal como o concebemos, não remete ao dito; ele se mantém como tal, permanece silêncio” (ORLANDI, 2007, p. 45). Assim, o não- dito é aquilo que sustenta e se opõe ao dito. Isso não é afirmar que precisamos desvelar o não- dito para ter acesso aos significados completos do dito, ou seja, o não-dito não é complemento. Por essa razão, repetimos que o não-dito é apenas de certa forma o implícito já que este termo denota incompletude, o que de fato ele não é.

Assim, dizemos algo e não dizemos, mas também podemos ao mesmo tempo silenciar outros dizeres. O silêncio, como já discutimos, resguarda diferenças quanto ao não-dito; eles significam coisas diferentes. Mas, então, o que seria o silêncio? Ele não pode ser concebido como falta, pois tem primazia sobre as palavras.

As palavras e os sentidos estão limitados pelo silêncio; é por essa razão que ainda não se disse tudo o que se pode dizer. Sob essa perspectiva, ao dizer algo estamos produzindo um sentido e silenciando toda uma gama de possibilidade de dizer outras coisas e produzir outros sentidos; o silêncio é, pois, a possibilidade de polissemia, de produção de discursos novos.

Dessa forma, compreendemos que as publicações científicas, os projetos e as falas dos sujeitos trouxeram silêncios sobre o estágio, algo que não se opõe ao dito, mas que se constitui como as possibilidades de dizeres novos que estão silenciados pelos dizeres ditos e não-ditos.

Segundo esse olhar, o dito e o não-dito significam, mas o silêncio também. Eles são peças do mesmo jogo, uma vez que o dizer, o não-dizer e o silenciamento são intrínsecos; todo dizer apaga outros sentidos possíveis. É, portanto, com esse olhar que trabalhamos em nossa pesquisa, tendo a consciência de que produzimos um determinado sentido, mas que poderiam ter sido produzidos outros.