• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:

1.8 A prática docente reflexiva: o professor como produtor de conhecimento

vez abarcaria outras práticas numa ação institucionalizada e coletiva.

1.8 A prática docente reflexiva: o professor como produtor de conhecimento

A teoria da reflexividade vem ganhando força nas produções acadêmicas das últimas décadas, entretanto ela encontra suas bases nas produções de John Dewey9 já no início do século XX. Com este autor, tem princípio o que é comumente chamado de epistemologia da prática, onde ele e nomes como Nóvoa, Perrenoud, Schön, Tardif, Zeichner,

advogam que a reflexão é um importante instrumento de desenvolvimento do pensamento e da ação e veem na reflexão sobre a prática a estratégia que pode superar a racionalidade técnica. A ênfase nessa reflexão deve-se, segundo os pensadores desse ideário, pelo fato do professor trazer em si um tipo de conhecimento que convencionaram denominar de pensamento prático (DUARTE NETO, 2010, p. 135, BDTD da UFPE).

O foco então é na tentativa de superação do tecnicismo o qual coloca o professor numa posição de mero aplicador de técnicas advindas de outros, retirando sua autonomia intelectual. Na perspectiva da epistemologia da prática há, portanto, a possibilidade do docente construir conhecimento a partir da reflexão sobre seu fazer pedagógico, um conhecimento que não seria alheio às condições concretas do cotidiano no qual está inserido.

A epistemologia da prática intenciona, portanto, restaurar o lugar do professor na relação de ensino-aprendizagem dando destaque às vivências cotidianas desse profissional. Desse modo, o cotidiano seria posto em reflexão, o que os autores dessa perspectiva teórica denominam de reflexão sobre a prática, possibilitando consequentemente a superação da racionalidade técnica que, pautada na reprodução de práticas consideradas de sucesso, retira do professor a capacidade criadora e criativa de sua função.

O cotidiano se configura, pois, nessa perspectiva como um de seus conceitos mais importantes, dizendo respeito às questões rotineiras que constroem o fazer na sala de aula e aos sentidos que os indivíduos produzem sobre essa rotina. A partir da compreensão de que nas pesquisas em educação, além de concepções totalizantes, se faz necessário que a concreticidade da realidade social seja possibilidade de produção de conhecimento científico, o cotidiano se torna elemento central.

9 Embora não seja possível considerar Dewey como o formulador da epistemologia da prática, foi a partir de suas

Pesquisar o cotidiano escolar é justamente captar essas artes de fazer, essas operações que acontecem nas escolas, realizadas por professores e alunos. Mas não só. Pesquisar o cotidiano escolar significa um caminho de investigação pela sondagem das “vias da lucidez e da ação”. Uma sondagem que permite recuperar os aspectos contraditórios e as diversas perspectivas presentes, os múltiplos aspectos e características sociais e políticas que formam o contexto mais amplo, a partir do qual se pode discutir o desempenho de uma medida encetada pelo poder público e seus usos na escola. As invenções cotidianas que ocorrem na escola representam as diferentes formas de os professores se ajustarem às políticas que lhes são impostas [...] (DURAN, 2007, p. 126).

Mas pesquisar o cotidiano não significa desconsiderar conceitos como totalidade e dialética, significa sim entender que as práticas cotidianas podem se materializar como fonte de estudo a partir da reflexão fundamentada teoricamente. Ou seja, numa análise ampliada da realidade a dimensão macro estaria em constante diálogo com as práticas comuns desenvolvidas todos os dias por professores e alunos.

Assim, a epistemologia da prática, ao tratar da categoria teórica reflexão associada ao cotidiano, conceitua que o professor carrega consigo um tipo de conhecimento que se convencionou chamar de pensamento prático, o qual consiste em tudo o que adquiriu com sua experiência na docência. A esse conhecimento denominou-se conhecimento tácito que nasce a partir do exercício profissional. Os professores, então, diante das demandas do seu trabalho produziriam a partir da reflexão sobre sua prática saberes a respeito do como fazer e exercer o magistério.

A reflexão sobre a prática constitui um questionamento da prática, e um questionamento efetivo inclui intervenções e mudanças. Para isto há de se ter, antes de tudo, de algum modo, algo que desperte a problematicidade desta situação. A capacidade de questionamento e de autoquestionamento é pressuposto para a reflexão. Esta não existe isolada, mas é resultado de um amplo processo de procura que se dá no constante questionamento entre o que se pensa (como teoria que orienta determinada prática) e o que se faz (GHEDIN, 2012, p. 152).

É, pois, no movimento entre a reflexão sobre a prática e a própria prática que os professores produzem o conhecimento de como exercer o magistério em diálogo com as teorias veiculadas e aprendidas nos cursos de formação inicial. Dessa forma, há a possibilidade destes se transformarem de simples consumidores de pesquisas, uma vez que muitas das investigações que hoje temos acesso foram e são ainda realizadas pelos que estão fora da sala de aula, para se

constituírem como sujeitos atuantes e produtores de conhecimento, com a reflexão que se traduziria em pesquisa da própria ação do professor associando, então, docência e pesquisa.

[...] o professor, cotidianamente, depara-se com problemas oriundos de sua prática, que requerem soluções a fim de prosseguir seu trabalho. O professor recupera o que tem acumulado para solucionar os problemas encontrados. Assim, na tentativa de resolvê-los, produz necessariamente conhecimentos. O conhecimento, portanto, é produto da sua experiência. Nesse sentido, a teoria assume um papel de mediação entre uma prática passada e uma prática presente, visando à transformação dessa última, uma vez que ela se torna fonte de problemas que geram ações e saberes e o professor torna-se, então, um pesquisador (SERRÃO, 2012, p. 177).

A experiência do professor media sua aquisição e produção de conhecimento sem desconsiderar as teorias aprendidas na formação inicial. Sendo assim, as situações cotidianas enfrentadas no exercício da docência incorporam-se no repertório de conhecimentos do professor o qual pode utilizá-lo em circunstâncias futuras. Nessa direção, não trata-se de desconsiderar a teoria resultado de pesquisas científicas, mas de compreender que o professor também tem potencial criador e criativo para construir teorias que expliquem seu cotidiano de trabalho.

Tendo uma filiação a este paradigma, consideramos que o estágio nele fundamentado possa trazer a concreticidade das situações problema do campo de trabalho para a formação de professores com o objetivo de que seus dilemas possam ser discutidos à luz da teoria. Nesse sentido, não compreendemos que seja a prática entendida apenas com caráter utilitário a única fonte do saber, mas acreditamos no movimento reflexão-ação-reflexão da prática reflexiva no qual o conhecimento tácito seja respeitado sem, no entanto, desconsiderar o conhecimento social e historicamente produzido.

Este é, portanto, um paradigma que enfrenta críticas epistêmicas. Há a compreensão de que ao valorizar a prática acaba-se por perder a referência teórica, substituindo os conteúdos produzidos pela humanidade pelo conhecimento produzido a partir das experiências individuais dos sujeitos. Estando cientes dessa crítica, em nosso estudo procuramos trabalhar com a prática docente reflexiva, mas considerando que a prática não se justifica por si só.

O que destaco é a necessidade da reflexão sobre a prática a partir da apropriação de teorias como marco para as melhorias das práticas de ensino, em que o professor é ajudado a compreender o seu próprio pensamento e a refletir de modo crítico sobre sua prática e, também a aprimorar seu modo de agir, seu saber-fazer, internalizando também novos instrumentos de ação (LIBÂNEO, 2012, p. 83).

Assim, é neste panorama da epistemologia da prática que surge o professor reflexivo, conceito que reconhece a importância do conhecimento produzido a partir de experiência com vistas à melhoria do processo de ensino-aprendizagem, além de entender que é durante toda sua vida que o docente aprende a ser professor, pois “independentemente do que fazemos nos programas de formação de professores e do modo como fazemos, no melhor dos casos só podemos preparar os professores para começarem a ensinar” (ZEICHNER, 1993, p. 17).

Nesse sentido, na perspectiva de epistemologia da prática e dentro dela de prática docente reflexiva, compreendemos que o estágio supervisionado contribui para a reflexão sobre o fazer pedagógico do professor experiente. E na tentativa de superar as críticas feitas ao conceito de professor reflexivo, partimos do pressuposto de que a reflexão sobre a ação não pode ser feita pelo professor isoladamente, mas deve ser uma reflexão que contemple seu fazer, o fazer da escola e dos outros professores que nela atuam, além do contexto social mais amplo, como também não esqueça dos conhecimentos universais que a humanidade já produziu.

A transformação da prática dos professores deve se dar, pois, numa perspectiva crítica. Assim, deve ser adotada uma postura cautelosa na abordagem da prática reflexiva, evitando que a ênfase no professor não venha a operar, estranhamente a separação de sua prática do contexto organizacional no qual ocorre. Fica, portanto, evidenciada a necessidade da realização de uma articulação, no âmbito das investigações sobre prática docente reflexiva, entre práticas cotidianas e contextos mais amplos, considerando o ensino como prática social concreta (PIMENTA, 2012, p. 28).

Embora nosso foco não seja a prática pedagógica, ao considerar que a reflexão precisa ser coletiva, também trabalhamos com as outras dimensões da prática pedagógica, pois entendemos que a ação do professor não se faz sozinha.

CAPÍTULO 2 CAMINHO TEÓRICO-METODOLÓGICO PARA A CONSTRUÇÃO