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Do estágio supervisionado à prática de ensino: mudanças epistemológicas e legais

CAPÍTULO 1 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:

1.4 Do estágio supervisionado à prática de ensino: mudanças epistemológicas e legais

No subitem anterior já começamos a esboçar as mudanças pelas quais o estágio passou chegando a ter suas bases epistemológicas e legais transformadas. Nessa direção, cabe explicitar as diferenças entre os sentidos do termo estágio supervisionado e prática de ensino para que possamos justificar a utilização do primeiro termo em nossa pesquisa.

Assim, na última década a legislação brasileira discorreu na distinção entre prática de ensino e estágio considerando os dois como componentes curriculares, segundo o qual a prática de ensino é tida como articuladora da formação docente (SILVA, W., 2005) e como momento

privilegiado da vivência efetiva entre teoria e prática. Há, por conseguinte, a tentativa de superação de um modelo de estágio baseado na sequência observação, participação e regência. Nessa reconfiguração o estágio de acordo com o Parecer CNE/CP nº 28/2001 (BRASIL, 2001b, p. 7) é visto como “o tempo de aprendizagem que, através de um período de permanência, alguém se demora em algum lugar ou ofício para aprender a prática do mesmo e depois poder exercer uma profissão ou ofício”. Um momento de aprendizagem da profissão que exige a íntima relação entre a instituição formadora e a escola campo não podendo mais ser vivenciada apenas no final do curso.

Contudo, essas diferenças entre os termos prática de ensino e estágio supervisionado que influenciam também os sentidos que a ambos vêm sendo atribuídos é bastante recente, como nos demonstram Batista Neto, Ribeiro e Fernandes (2007, p. 2):

Até a edição da nova regulamentação relativa aos cursos de licenciatura, graduação plena, o início dos anos 2000, o que é feito através de pareceres e resoluções do Conselho Nacional de Educação entre 2000 e 2002, os termos “Estágio Supervisionado” e “Prática de Ensino” diziam do mesmo componente desses cursos. Não é só a legislação federal (Lei Federal nº 6.494/77 e Decreto Federal nº 87.497/82) e local (aquela estabelecida pelos conselhos superiores da IES), mas também a literatura especializada referiam- se à Prática de Ensino como Estágio Supervisionado na formação do professor da atualmente Educação Básica.

Conscientes, portanto, da aproximação entre prática de ensino e estágio os quais foram durante muito tempo vistos como sinônimos, presenciamos agora a tentativa de mudança estrutural e conceitual do estágio que como já discutimos vive um momento de ruptura com os sentidos que insistiam em colocá-lo como dimensão pragmática e técnica dos cursos de formação de professores. Dessa forma,

[...] a articulação entre teoria e prática, a problematização das práticas docentes, a ressignificação de textos e contextos e o trabalho de cunho investigativo são princípios formativos, metodológicos, importantes na formação e desenvolvimento profissional docente, condizentes e requeridos na orientação e desenvolvimento do estágio supervisionado (SOARES, 2009, p. 2, EPENN).

Por essa razão, na polissemia discursiva que nos inscrevemos, o estágio com o sentido de eixo articulador da formação visa superar a ideia de que este “é o espaço reservado à prática, enquanto, na sala de aula se dá conta da teoria” (BRASIL, 2001a, p. 17), sendo ele compreendido, portanto, como atividade teórica e prática de vivência e problematização do exercício profissional.

Mas, para além das mudanças dos termos, antes vistos como sinônimos, há também mudanças significativas nas exigências do componente curricular. Dentro dos currículos dos cursos há – desde a regulamentação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena – a distinção entre prática como componente curricular e prática de ensino ou estágio.

Assim, há que se distinguir, de um lado, a prática como componente curricular e, de outro, prática de ensino e o estágio supervisionado definidos em lei. A primeira é mais abrangente: contempla os dispositivos legais e vai além deles. A prática como componente curricular é, pois uma prática que produz algo no âmbito do ensino. [...] Assim, ela deve ser planejada quando da elaboração do projeto pedagógico e seu acontecer deve se dar desde o início da duração do processo formativo e se estender ao longo de todo o seu processo. Em articulação intrínseca com o estágio supervisionado e com as atividades de trabalhos acadêmicos, ela concorre conjuntamente para a formação da identidade do professor como educador (BRASIL, 2001b, pp. 8-9).

Isso significa dizer que a prática terá que contabilizar 400 horas no currículo a serem vivenciadas ao longo do curso somadas às 400 horas de estágio, sendo que este deverá acontecer a partir do início da segunda metade do mesmo. Tal organização objetivou, por conseguinte, acompanhar a mudança de sentido de estágio ao qual estamos nos remetendo.

Assim é que o movimento político por parte das organizações de professores que ansiava por transformações na configuração do estágio forçou a legislação a concebê-lo como componente teórico e prático que para promover a inserção do futuro profissional no campo de trabalho precisa ser vivenciado de forma profunda e por um período maior de tempo – muito embora, conforme discute Silva, W. (2005, BDTD da UFPE), as propostas do movimento dos educadores tenham se corporificado nos documentos legais ao modo dos legisladores. Entretanto, compreendemos que

Há um novo acontecendo na Prática de Ensino. Um novo no tocante não só às mudanças pela produção acadêmica e pela legislação, mas também pelo esforço das Instituições de Ensino Superior de ressignificar o papel da Prática de Ensino na formação e pela postura dos discentes-professores/as frente a essas mudanças (SILVA, W. 2005, p. 118, BDTD da UFPE).

Dessa forma, a vivência por um período maior de tempo também traz a consideração de que o conhecimento do professor também se constrói na e pela experiência. Este é, portanto, um sentido que vem se caracterizando como recorrente nas produções científicas recentes e que igualmente é possível ser visto na legislação. Conhecimento este “que não pode ser construído de outra forma senão na prática profissional e de modo algum pode ser substituído pelo

conhecimento ‘sobre’ esta prática. Saber – e aprender – um conceito, ou uma teoria é muito diferente de saber – e aprender – a exercer um trabalho” (BRASIL, 2001a, p. 35).

Assim é que para aprender a profissão professor é preciso se inserir no contexto de trabalho docente, ou seja, a construção da prática docente se faz em articulação entre o espaço de formação e o espaço de atuação profissional, sendo a experiência um elemento essencial dessa construção. Sem embargo, pensar o estágio e suas novas configurações implica também pensar a prática docente e como este componente curricular vem lidando com o conhecimento relacionado à atividade docente.