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A presença do observador

8. EXPERIÊNCIA ESTÉTICA (EES)

8.1. A presença do observador

James Turrell, cujo trabalho discutimos no capítulo 4.2., comenta que muito da arte contemporânea gera um distanciamento do observador – que não está incluso, não é participante do espaço. Criando espaços de luz, ele gostaria que neles as pessoas, seja na cratera Roden, ou em qualquer de suas obras pelo mundo, tenham um deleite de olhar (delight of seeing, em inglês no original) como ele experimentou em algumas ocasiões94. Para tanto, é preciso um engajamento sensível do observador, e uma situação especialmente concebida para a fruição ou experiência estética. Retomando aqui a sinestesia de Turrell, acompanhamos Hockney no que ele chamou de coreografia para a performance My Wagner Drive, que consistiu em uma volta de carro nos arredores de Los Angeles, cuidadosamente cronometrada para que passagens grandiloquentes da música de Wagner coincidam com o descortinamento de

94Em suas viagens, como piloto de aviões de pequeno porte, que ele mesmo reformava

e reconstruía, por exemplo. Na página Roden Crater and James Turrell no Facebook, ele diz:

“Rather than being a journal of my seeing, it is about your seeing… I would just like to take you and put you in front of this mountain in a way you couldn’t miss it. It’s all that I can hope for and that way there is a possibility that the same kind of delight of seeing that happens to me, could happen to you.” Dia 20 de junho de 2013, James Turrell inaugura exposição no museu Guggenheim: http://gu.gg/m7g9H. Acesso em 19 de junho de 2013.

paisagens deslumbrantes ao longo da estrada, de tal modo que o pôr do sol coincidisse exatamente com a última área da ópera Tristão e Isolda, a morte de amor de Isolda – Liebestod.95 Ora, ocorre que Hockney sofre de uma paulatina

perda da audição, que Weschler sugeriu ser the bleeding away of sound (2008, p. 94), e “sendo a audição espacial, uma perda de audição leva a uma visão mais acurada, em particular, uma percepção visual do espaço” (Weschler, 2008. p. 90). Weschler refere-se aos cenários e à direção de Hockney96 para a

montagem de Tristão e Isolda na Los Angeles Opera, 1996. Ali o artista conduzido pela música imagina, inicialmente em maquetes, que a luz anime o cenário em movimento, de modo a mergulhar o espectador em um espaço ao mesmo tempo visual e sonoro. Estamos aqui, mais uma vez, diante de uma experiência sinestésica, em que a exigência é a presença do observador, seja ele o público ou o artista, no espaço visual e sonoro criado. E para Hockney, espaço é emoção (space is emotion, no original). Na sinestesia pode-se fazer o olho sentir a música, o ouvido ver a música, simultaneamente.

Em relação aos possíveis sentidos de sinestesia, aqui vai uma menção a propostas de escolas de educação infantil que expõem a criança a correspondências entre letras e cores, números e cores, entre outros exemplos, com o intuito de facilitar a memorização. Na sinestesia como a tratamos aqui, entre sons e cores – ou melhor dizendo, entre música e imagem – não se trata de uma correspondência biunívoca, um a um, para efeito mnemônico ou de repetição, mas de relações, de interações estéticas que resultam em outra coisa – um efeito trans que gera o que antes não havia. As sensações ativadas nos levam a outro nível de percepção e entendimento; para nossa surpresa nos vemos transportados a um grau de deleite antes não experimentado – bem diverso da anestesia!

95 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=sVM51zxFFUU, acesso em 04 de junho de 2013. Esta versão com Waltraud Meir, Daniel Barenboim no teatro La Scala de Milão, em 12 de julho de 2007, é muito precisa, emocionante. Legendas em francês.

96 Algumas imagens do cenário em diferentes iluminações podem ser vistas em http://www.hockneypictures.com/tristan.php#. Acesso em 03 de junho de 2013. Em http://www.youtube.com/watch?v=SgqqxAiISRw , entrevista com David Hockney na montagem do cenário de Tristão e Isolda na L.A. Opera. Acesso em 03 de junho de 2013.

A sinestesia é um modo de fazer parte do mundo e das coisas, no espaço e no tempo. A nossa suposição é que o pensamento sincrético, sensório-motor das crianças mostra que ela está assim, é assim, sinestésica, presente no mundo, a maior parte do tempo. Ou seja, a sinestesia desses procedimentos sensório-motores possibilita que o indivíduo seja sujeito de suas próprias ações, presente na própria experiência. Acreditamos que é a mobilização estética que garante que o indivíduo continue tendo essa posição, isto é, garante sua continuidade funcional. Se nos afastamos de nossa base estética, o que mobilizaria nossas ações, o que regularia nossos procedimentos? Como aprenderíamos?

Em busca do paraíso perdido, pretendemos encontramos na infância o segredo da chave, ativado e descoberto pelo artista e professor Paul Klee, entre tantos outros:

Qual o artista que não gostaria de morar onde o órgão central de toda mobilidade espaço-temporal – chame-se coração ou cérebro da criação – ativa todas as funções? No colo da natureza, na fonte da criação, onde a chave secreta para todas as coisas é guardada? (KLEE, 2001)

O que a escola poderia oferecer à criança, que a aproximasse de experiências estéticas geradoras de conhecimento?

Em Reflexões sobre a arte (1986) Alfredo Bosi nos oferece sua visão concisa e generosa do que compreende a arte. No capítulo 3, “Arte é expressão”, Bosi observa:

As sete notas da escala musical, os doze tons maiores e os doze menores, as seis cores do espectro, os fonemas de qualquer língua natural, as formas geométricas básicas... mostram claramente que é temerário compor uma tabela biunívoca na qual se faça, de um lado, o elenco dos constituintes de uma linguagem e, de outro, a nomeação dos significados que lhes seriam correspondentes: ideias, afetos, valores, etc. A desproporção e o transbordamento semântico são de tal ordem que as bases de uma “ciência universal da expressão” deverão relativizar qualquer crença em um paralelismo simples (do tipo: a vogal a é mais clara, logo mais alegre do que a vogal i; o roxo exprime a tristeza, o vermelho a coragem), É a integração de variáveis que produz efeitos de sentido. Para a expressão afetiva, para a “atmosfera” de um texto, concorrem tanto os

elementos mínimos como as unidades maiores de significação, as palavras, as frases, as figuras e os seus modos de combinação (BOSI, 1986, p. 51).

A “integração de variáveis” só pode ser realizada por um autor, na medida em que a experiência de produzir sentidos é insubstituível. Nesta perspectiva, poderíamos pensar em experiência estética e alfabetização como integração de variáveis, a passagem – percursos de ida e volta – do desenho das letras que a criança pensa serem necessárias e suficientes para escrever, ao usufruto do sentido. Compreender processos de criação na perspectiva do autor, da metodologia gerada por seus procedimentos desde a mais tenra infância é refazer estes percursos. É certo que todo autor foi um dia criança; presentemente queremos investigar se, e como, nosso potencial criador foi gerado na infância. Assim, importa-nos redescobrir conquistas da modernidade do século XX, na qual se vê

na arte da criança o que o artista precisa recuperar no plano procedimental revelado pelo que afirmou Matisse: é preciso olhar a vida com os olhos de criança, como agenda a ser alcançada pelo artista adulto. Resta saber o que encanta o adulto na arte da criança e qual é, afinal, o mapeamento procedimental da criança, que faz do artista adulto, por vezes, na história, um visitante interessado em sua arte (Iavelberg, 2008).

Para chegar até a modernidade, faremos um longo passeio pela história da arte. Ou melhor dizendo, um passeio pelo modo como pinturas foram realizadas, como bem aponta Hockney, que está interessado, dentro da história das pinturas, em “olhar duramente para a pintura e deduzir métodos”, em acompanhar “a mão e o olho do artista em coordenação com seu coração” (WESCHLER, 2008, passim). Em nosso caso, talvez possamos dizer que intentamos realizar uma psicologia de pinturas.