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Os procedimentos das crianças geram indicadores

10. RESULTADOS

10.1. Os procedimentos das crianças geram indicadores

De nossas leituras, da observação de procedimentos realizados pelas crianças, e da visão que pudemos realizar das imagens que compõem cada um de seus conjuntos de pinturas, delineamos quatro indicadores: COR; RIT; COO; e EES, cujas características discutimos ao longo do presente trabalho.

Segundo nossa pesquisa, COR, RIT e COO são elementos necessários para uma EES, ainda que não suficientes – uma experiência estética é única e exige presença de quem a experimenta – ou o que estamos chamando de implicação subjetiva. A subjetividade, como todos sabemos, é instância refratária à redução a componentes ou indicadores. É também por este motivo que elegemos editar o vídeo que compõe o presente trabalho de pesquisa, em quatro temas: COR, RIT, COO e EES, nesta mesma sequência, buscando alcançar uma experiência estética em sua realização e – esperamos – em sua fruição. Com as imagens das pinturas e crianças registradas no audiovisual, deixamos ao texto a responsabilidade por aspectos teóricos, experimentais e conceituais que se desdobraram de nossa pesquisa. A seguir, comentamos o conjunto da produção de cada uma das crianças, por idade em ordem crescente.

Fig. 10.1 – Da esq. para dir., Maria Clara, Marina, Isadora, Pedro Eduardo AS CRIANÇAS DO BERÇÁRIO (em torno de 1,6)(Fig. 10.1)

Observa-se uma aparente indiferenciação entre os trabalhos de cada uma das crianças, exceto nos diferentes graus de implicação subjetiva na ação de pintar, isto é, quando observam mais o que acontece no papel de pintura do que no entorno. Realizam pinceladas vigorosas em grandes movimentos à procura de um ritmo próprio. Verifica-se tendência a largas superfícies de

misturas de cores duas a duas. Difícil detectar especificidade no modo de pintar de cada criança, em relação ao conjunto. Compreendendo RIT como movimento, cada criança manifesta, a seu modo, grande soltura.

Fig. 10.2 – Pintura aquarela de Nicolas NIC (2;2) (Fig. 10.2)

Para Nic, desde o princípio, a água ocupa lugar tão ou mais importante que as tintas que utiliza em pinceladas verticais inclinadas – em geral para a direita – resultando em colorido de forte impacto. Ao lavar pela primeira vez seu pincel, maravilhou-se com a dissolução do pigmento na água do pote; passou a trocá-la continuamente assim que a mistura de cores se mostrava opaca. Até que desistiu de pintar e ficou quase uma hora no tanque lavando o material de colegas, realizando transvasamentos por intermédio dos quais pesquisava mudanças de cores as mais sutis.

LET (5;2) (Fig. 10.3)

Usando as três cores primárias CMYK, Let realiza duas pinturas em seguida: I – formas geométricas fechadas sem mistura de cores; II – Misturando-as pouco a pouco em camadas sucessivas (ver imagens no audiovisual, apêndice A). Com o uso do preto, retorna sua tendência a figuras ou traços isolados, com pouca mistura ou criação de cores.

Preocupa-se com o entorno, conversando conosco ou com seu parceiro, o que a torna dispersa em sua própria experiência estética. Realiza pinceladas nas pausas de seus relatos (de situações de casa) e perguntas, de tal modo a não imprimir ritmo em suas ações de pintura; entretanto tem preocupação em finalizá-las, dando unidade às pinturas com margens ou cores de cobertura – especialmente o amarelo.

Usa a água como elemento para limpar o pincel – o que faz seguidamente, torcendo-lhe as cerdas várias vezes antes de com este pegar mais cores.

Fig. 10. 4 – Três pinturas de Pedro, cores primárias; azul com preto e branco PED (5;3) (Fig. 10.4)

Imagens de colorido copioso e variado com uso recorrente de dois coordenadores de envolvimento: a cor amarela sobreposta às demais e longas pinceladas. As grandes pinceladas como coordenadores de envolvimento constituem recurso que ele utiliza como procedimento: pinta em largas, seguras, rítmicas e longas pinceladas contíguas que formam uma trama colorida, tanto no uso das cores primárias CMYK, quanto na coordenação deste sistema de cores com o RGB.

Pela sobreposição e rebaixamento de cores com o uso de PB, Ped obtém imagens com maior impressão de profundidade espacial, até concluir em imagem síntese de três pinturas anteriores: “é um cinema”.

Devido à sua revelada maestria como pintor, o caso de Ped nos foi paradigmático para modulação dos indicadores COR, RIT, COO e EES.

Fig. 10.5 – Pinturas de Jennifer JEN (5;9) (Fig. 10.5)

Jen é desenvolta na pintura; em gestos amplos e seguros realiza suas figuras, uma a uma, e depois as envolve em cor de fundo. Uma característica sua é não misturar as cores, que permanecem puras como cores primárias. Os verdes que se formam por mistura de azul e amarelo, ou os roxos de azul ciano e magenta não aparecem intencionalmente, Jen parece estar atraída pela constituição de formas, arredondadas ou geométricas, o que faz da pintura algo atraente para ela.

(Fig. 10.6) – Hillary, da esq. a dir., tabela de cores, frutas, gato HIL (7;1) (Fig. 10. 6)

Hil realizou três tabelas com criação de cores utilizando procedimentos diversos (primeiro magenta, depois azul ciano e o inverso; o mesmo para as outras duplas de cores; misturar cores na paleta ou sobrepô-las no papel, usar mais ou menos água para diluir as tintas). A pintura resultante para cada uma das tabelas teve composições diversas, sem preocupação formal de alinhar as amostras.

Representou as frutas que estavam sobre a mesa em linha reta – alinhadas, com pouca pesquisa para aproximar-se das cores da laranja, mexerica, maçã e ameixa, aparentemente sem observação da natureza.

Tudo que ela pesquisou para realizar as tabelas não levou a própria experiência para os demais trabalhos. Demonstrou grande apuro e detalhes elaborados no desenho – que ela transfere para a pintura.

Copiou motivos “Gato” e “Triste Tristeza” de Ana.

Fig. 10.7 – Eduardo, pintura com guache azul ciano, preto e branco EDU (7;2) (Fig. 10.7)

Realiza pinceladas fortes e decididas, em gestos com movimento. Com as três cores primárias CMYK faz pouca mistura de cores mas com azul ciano e PB começa a apreciar nuances de cores. Quanto às frutas, pintou um abacaxi com berinjela e em seguida a observação das frutas sobre a mesa, de forma expressiva e original como personagens malucos e cabeludos (como ele próprio estava, com uma longa franja sobre os olhos).

SAM (7;3) (Fig. 10.8)

Utiliza pinceladas soltas e ritmadas que geram novas cores, a partir de misturas na paleta, resultando em um trabalho pessoal expressivo. Pintou, sem observação, um morango a partir das três cores primárias RGB, que resultou vibrante e belo. Com as três cores primárias CMYK representou as frutas soltas na mesa e com cores que se aproximavam do original.

Fig. 10.9 – Ana Beatriz, Triste tristeza, gato, mar e sol ANA (7;4) (Fig. 10.9)

Ana gera cores para a tabela de cores a partir das três primárias CMYK, pouco variadas, alternando procedimentos de misturá-las no papel ou na paleta. Realiza em seguida duas pinturas “livres” – “uma flor para Mamãe” e

“mulher na chuva”, mantendo cada uma das três cores puras, sem nenhuma

mistura. Na proposta de pintar uma poltrona de David Hockney a partir de reprodução fotográfica, usou amarelo (a cor mais clara disponível) em lugar do branco original, e só misturou as cores para criar o marrom dos pés da poltrona. Pinta “um gato”, com misturas de cores primárias CMYK que tendem

às terciárias. Com azul ciano, PB, Ana realiza uma série “Borboletas”; a partir de um estereótipo de conduta – pintar metade do papel e dobrá-lo ao meio para que a imagem se espelhe na outra metade, Ana pinta duas borboletas, uma em fundo preto, a outra em fundo mais claro. Realiza então tabela de cores com azul ciano em quadrados e retângulos preenchendo toda folha, obtendo diferenciações de tonalidade que fazem a imagem vibrar.

Utilizando as três cores primárias CMYK mais o preto Ana faz a pintura que nomeou “Triste Tristesa” – um coração partido ao meio que realiza

expressão de sentimentos e uma experiência estética.

Ana participou de todas as atividades propostas, tendo realizado um aprendizado pela experiência com as cores primárias e com as nuances

quando estas se somam ao preto e ao branco, o que nos leva a crer que os procedimentos da presente pesquisa podem funcionar como uma boa sequência didática para metodologias de ensino e de aprendizagem.

Fig. 10.10 – Pinturas de Gabriel, frutas, “dominó”, com azul ciano, preto e branco GAB (7;5) (Fig. 10.10)

Trabalhando com azul ciano e PB, Gab pesquisou e explorou as diferentes tonalidades de azul. Realizou pinturas expressivas em que coordenou cores primárias dos dois sistemas, CMYK e RGB. Realizou pesquisa espontânea pintando um lado azul e um lado verde de uma mesma folha de papel e fazendo cinco pintas magenta em cada lado. Ora, a mesma tinta magenta “soa” diferente em cada um dos lados, a semelhança do que Josef Albers propôs a seus alunos para demonstrar a relatividade da cor (ALBERS, 2009, p. 104).

Fig. 10.11 – Pinturas de Guilherme GUI (7;6) (Fig. 10.11)

Na tabela faz círculos alinhados verticalmente, em uma imposição lógica anterior à experiência. Por ausência de COO para criação de novas cores, vai graduando devagarzinho as quantidades de magenta e amarelo, e o mesmo com as outras duplas de cores, depois acrescentando a terceira, de forma que suas cores tendem a um mesmo verde. Gui é um bom exemplo de como a

dificuldade de implicação subjetiva impossibilita EES e, ao mesmo tempo, como esta pode ser recuperada ou aprendida, proporcionando abertura para pinturas mais expressivas. A tomada de consciência do vínculo lógico entre procedimentos e mobilizadores da ação é um caminho efetivo para o êxito na expressão. Por exemplo, verificar, como Gui o fez, que uma mesma cor vermelha “soa” distinta em um fundo azul ou no amarelo, é caminho sólido para abertura expressiva. Na pintura com ciano e PB mostrou também como pode beneficiar-se pelo acaso (manchas de tinta) para ganhar expressividade e implicar-se na ação pictórica.

Fig. 10.12 – Pinturas de Isabelle, frutas, abacaxi (sem observação) e berinjela (com observação)

ISA (8;5) (Fig. 10.12)

Isa teve uma participação voluntária, tendo insistido muito para participar. Na roda de apreciação dos trabalhos falou com sinceridade e clareza, ainda que apenas descrevesse o que tinha feito.

Não realizou tabela de cores, pois ainda não tinha vindo ao grupo. Na proposta de criar as cores das frutas sobre a mesa a partir das três cores primárias CMYK, fez uma moldura, que não corresponde a um COO, mas formalismo prévio ao ato de pintar. Entretanto, na pintura de um abacaxi com uma berinjela que ela mesma escolheu e dispôs, há uma força na imagem devido ao fundo vermelho, havendo mistura de cores para a berinjela, apenas. Nas demais produções, verifica-se ausência de mistura ou criação de cores.

Pintou a imagem das frutas alinhadas em linha de terra, fazendo a sobreposição de cores no papel, porém em tentativa malograda de obtê-las. Faz uso de retângulos e molduras que não correspondem a coordenadores de envolvimento.

Fig. 10.13 – Pinturas de Aline, tabela, frutas, sol e mar ALI (9;8) (Fig. 10.13)

Inicia a realização da tabela com as três cores primárias CMYK com círculos grandes alinhados na horizontal; no meio da segunda linha. A hipótese é que, por COO, supõe que círculos menores implicam mais círculos na folha, que implicam maior possibilidade de diversidade de cores. Porém ao fazer a pintura de observação das frutas, realizou-as isoladas, sem coordenação de conjunto, com pouca pesquisa para aproximar-se da cor das frutas, com uma tendência a tonalidades de verdes. Seus movimentos são muito contidos e faz muito pouco uso de água, ainda que lhe seja desagradável a utilização de tinta muito pastosa para cobrir superfícies. Faz uso apenas de cores puras, sem misturá-las para efeitos expressivos.

Fig. 10.14 – Pinturas de Karina, tabela, frutas, mar e sol KAR (10;3) (Fig. 10.14)

Tabela de cores com as três cores primárias CMYK realizada segurando o pincel logo após as cerdas, debruçando-se muito próxima ao papel, evidenciando corporalmente a necessidade de controlar seu gesto. A tabela, entretanto, resultou em cores variadas flutuando na folha. Frutas – com moldura preliminar uma em cada canto da folha, a pintura evidencia ausência de observação de cor/ tamanho/ disposição sobre a mesa. A influência de estereótipos culturais torna difícil para o observador compreender o uso de COO; Kar pinta como quem cumpre uma tarefa imposta externamente. Embora

atenta e concentrada, sua postura corporal evidencia ausência de implicação subjetiva.