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2.5. Década 1990: LOAS e a prevalência dos Programas de Transferência de Renda

2.5.1. A Prevalência dos Programas de Transferência de Renda: Focalização e Federalização

No contexto da LOAS, observa-se que os Programas de Transferência de Renda passam a se constituir uma importante ferramenta de políticas sociais para romper com o ciclo

34 Entre tais representatividades estão os Conselhos Gestores de Políticas Públicas - instâncias de participação de democracia direta e participativa estabelecidos nos níveis municipal, estadual e federal - que, de forma paritária entre Sociedade Civil e Estado, destinam-se a contribuir para a formulação de políticas setoriais e geracionais.

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intergeracional de pobreza e reduzir a desigualdade através da redistribuição monetária e implementação de serviços, sendo peça importante dentro do Sistema de Proteção Social.

Programas de transferência de Renda são compreendidos aqui como:

[...] aqueles que atribuem uma transferência monetária a indivíduos ou a famílias, mas que também associam a essa transferência monetária, componente compensatório, em outras medidas situadas principalmente no campo das políticas de educação, saúde, trabalho, representando, portanto, elementos estruturantes, fundamentais, para permitir o rompimento do ciclo vicioso que aprisiona grande parte da população brasileira nas amarras da pobreza. (SILVA, YAZBEK, GIOVANNI, 2004, p.19)

Percebe-se aqui que a ideia de renda mínima ou renda básica está atrelada ao input promovido pelo aporte monetário que visa atender às necessidades básicas de famílias ou indivíduos apartados deste direito.

Para os críticos, tal critério de necessidade se relaciona com a abordagem chamada de subsistência (equivalente à pobreza absoluta), que por vizinhança reforçaria o prelúdio de inferioridade como algo perene e apartado da realidade social em movimento (DEMO, 1995; ACCORSSI; SCARPARO; GUARESCHI, 2012).

Já para seus defensores, a aquisição mínima atrelado à transferência de renda promove o desenvolvimento da economia local através da injeção de valores (SILVA, 1997), potencializando o acesso aos que estão sob privação de capacidades básicas que são particularmente importantes (SEN, 2000).

Como vimos, tradicionalmente até a constituição de 88, o recorte de cidadão se baseava nos contribuintes. A natureza não-contributiva da assistência social miraria um cuidado mais universal, ao passo que se abarca na proteção social brasileira uma constituição de natureza focalizada (SPOSATI, 2009).

A concepção de focalização, que fundamenta a reflexão aqui desenvolvida, compreende, em sentido geral, o “direcionamento de recursos e programas para determinados grupos populacionais, considerados vulneráveis no conjunto da sociedade” (SILVA, 2007, p.1435), fator este que impacta positivamente no ritmo da desigualdade (REGO, 2008). Aos críticos, tal direcionamento - por ser severamente instrumental - não conseguiria se aproximar da observação multidimensional da pobreza (ACCORSSI; SCARPARO; GUARESCHI, 2012), sendo um ajustamento do princípio da universalidade para apenas atenuar a pobreza, com objetivos compensatórios, legitimando a falência dos direitos sociais por discriminação negativa (DEMO, 1995; PEREIRA, 2008).

A ideia de focalização, como resíduo para os mais excluídos, permanece associada ao ideário neoliberal, sendo um ajustamento do princípio da universalidade para apenas

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atenuar a pobreza, com objetivos compensatórios, legitimando a falência dos direitos sociais por discriminação negativa. Para Kerstenetzky (2006) a focalização quando residual e serviente à lógica de mercado, apresenta natureza meramente distributiva e não-integrada.

Silva (2007) visa ampliar esta interpretação, assinalando que a focalização pode ter uma caráter progressista/redistributivo, requerendo para tanto “ampla cobertura, boa qualidade dos serviços e demanda estruturas institucionais adequadas, pessoal qualificado e cobertura suficiente das populações-alvo da intervenção” (SILVA, 2007, p.1435). A focalização, nesta visão ampliada e bem estruturada, legitimaria a diferença com equidade.

Camargo (2003, p.117) apresenta uma perspectiva de observação entre universalização e focalização, em que se coloca em cheque os objetivos dos programas de transferência de renda em três perspectivas: a primeira envolve a garantia de acesso aqueles que não tem; a segunda dá ênfase à formulação e implementação de uma rede de proteção para garantir o objetivo da primeira; já a terceira envolve a promoção de direitos básicos a todos em caso de emergências e eventualidade de risco social. Em análise, se o objetivo do programa for o de reduzir a desigualdade, a focalização priorizaria de forma mais adequada a classe mais oprimida, à medida que se garante acesso ao mercado com maior equidade (KERSTENETZKY, 2006).

Visando romper o ciclo intergeracional de pobreza, as concepções acima descritas de focalização ganham reforço operacional no regimento de transferências de renda condicionadas. Condicionar apresenta uma tendência regulatória de movimento que garantiria a porta de saída dos programas sociais com uma perspectiva de eficiência emancipatória (KERSTENETZKY, 2006; REGO & PINZANI, 2013). Os programas universalistas, por sua vez, como são legítimos a todos, não apresenta conexão a nenhuma contrapartida.

Os programas de natureza focalizada, tendência explícita no Brasil, instituem um projeto de saída da pobreza, a partir de um contrato com a família beneficiária. Assim, o desenho das contrapartidas familiares deve considerar dois aspectos: a “externalidade positiva” que a contrapartida pode gerar para a sociedade e o comportamento que será incentivado pelo programa (CAMARGO, 2003, p.119), como processo de formação de cidadãos e indivíduos responsáveis perante sua comunidade política (REGO & PINZANI, 2013).

Tendo em visto as dimensões geográficas do país e a complexidade da questão social, atrelada às desigualdades e a pobreza estrutural, a governabilidade da Proteção Social acompanha a materialização do pacto federativo no Brasil. Para favorecer a implementação de estratégias da proteção social pelos governos locais, foi elaborada em 2004 pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e aprovada pelo Conselho Nacional de

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Assistência Social (CNAS) a Política Nacional de Assistência Social (PNAS).

A partir da PNAS, ficaram instituídas as diretrizes para o funcionamento da Assistência Social no Brasil, no tocante à gestão da política e ao papel de cada ente federativo em sua composição. Tal organização favoreceu, ainda que de forma incremental, que as esferas subnacionais tivessem autonomia para a gestão dos recursos e no provisionamento dos gastos locais na execução direta das ações em um modelo sistêmico.

Através de seu artigo 30, a LOAS apresenta critérios de elegibilidade para a composição de seu modelo de financiamento:

Art. 30. É condição para os repasses, aos Municípios, aos Estados e ao Distrito Federal, dos recursos de que trata esta lei, a efetiva instituição e funcionamento de: I - Conselho de Assistência Social, de composição paritária entre governo e sociedade civil;

II - Fundo de Assistência Social, com orientação e controle dos respectivos Conselhos de Assistência Social;

III - Plano de Assistência Social. (BRASIL, 1993, Art.30º)

Assim, a gestão orçamentária e de participação da Assistência Social passa a se constituir através de Comissões Federais, Estaduais, Municipais e Distritais, num sistema de co-gestão entre os entes federados e representatividades da sociedade. Assume-se que a descentralização administrativa romperia com a ideologia municipalista e tradicionalmente mantenedora da estrutura excludente.

A estrutura de decisão com participação de conselhos e conferências nos três níveis federativos (Municipal, Estadual e União) tenta romper com a dinâmica de não- participação dos excluídos dos processos políticos, garantindo (ainda que de forma representacional) o controle social pelo público alvo das políticas sociais.

Apesar desta tentativa de estimular uma política construtiva horizontalizada, existem uma série de empecilhos no sistema de controle social que desconfiguram a participação de usuários da Política de assistência Social, como a fragilidade do conhecimento sobre a política, espaços participativos restritos e participação passiva/pseudoparticipação (SILVA et al., 2008)

Nos tópicos seguintes, veremos de forma breve, como os elementos de focalização e federalização se imbricaram na constituição de algumas iniciativas35 brasileiras de composição de programas de transferência de renda36.

35 Em 1991, do Projeto de Lei nº80 que institui o Programa de Garantia de Renda Mínima. Tal projeto foi aprovado no Senado, encaminhado para a Câmara dos Deputados em 92, através do Projeto de Lei 2561, de 1992, onde não foi tramitado, sendo arquivado em 2007. Conferir mais em Silva (1997).

36 Alguns municípios adotaram a transferência de renda como estratégia de superação de desigualdades. Campinas e Brasília foram as pioneiras nesta modalidade de projeto, no ano de 1995 (SILVA, 1997; SILVA, YASBEK, GIOVANNI, 2004; ROCHA, 2013).

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2.5.2. A Federalização dos Programas de Transferência de Renda: Experiência da Rede