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1.1. Por que problematizar a pobreza em ciência? Debatendo os paradigmas de pobreza

1.1.2. A pobreza e seus paradigmas: da representação econômica monetarista ao fenômeno

1.1.2.1. Pobreza Absoluta

Como primeiro apontamento, no sentido de abordar a mensuração da pobreza, encontramos o paradigma de maior duração na trajetória de pensamento em pobreza: pobreza absoluta. A situação de pobreza absoluta aponta para a definição de um mínimo de rendimento, estabelecido conjunturalmente, para garantir necessário para a aquisição de bens essenciais

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(PEREIRA, 2000). Sob este paradigma duas correntes de definição são apontadas: a ideia de subsistência e de necessidades básicas (CODES, 2008).

As mudanças estruturais do modo de produção capitalista, que mobilizaram o atendimento assistencial a trabalhadores pobres e pobres não-trabalhadores, balizaram os primeiros estudos mais científicos acerca dos efeitos da fome em relação à monetização e ao trabalho. Desta inquietação começam a ser desenvolvidos estudos de natureza nutricional8 em maior fôlego no período pós-guerra, visando garantir um quantum mínimo de nutrientes para manter a subsistência (PEREIRA, 2000, CODES, 2008). Como efeito, a subsistência passa a constituir uma linha de atuação científica, que influenciou diretamente descrições sociais e políticas de agências multilaterais como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (MONTAÑO, 2012).

A capacidade de prover alimentos e a nutrição passa a indicar pobreza e, ao mesmo tempo, seu tratamento e gestão por órgãos internacionais. Transferir alimentação como benefício eventual surge como cuidado para com a questão social e apresenta reflexos no mercado: gera menor acomodação no contingente de desempregados, e ainda mantém a busca por salários cada vez menores, de modo a favorecer o controle dos preços e concorrência no sistema capitalista. A influência desta forma de pensar está amparada pela tese malthusiana trazida por Piketty (2014), em que o crescimento populacional desordenado, não seria contingenciado pela produção alimentar e não reprimiria o avanço da pobreza.

As críticas a este tipo de incursão apontam para sua tipologia restrita às questões físicas e as variações culturais inerentes aos hábitos alimentares em sociedades distintas (CODES, 2008). A limitação desta visão não se atentaria a outras dimensões significativas que impactam diretamente no bem-estar, como os papéis sociais e condições de segurança.

Desta crítica e de contribuições de teorias sistêmicas e comportamentais9, surge uma corrente de pensamento mais avançada dentro do paradigma de pobreza absoluta: pensar pobreza em termos de necessidades básicas. Esta corrente pensa que, além de um mínimo para a subsistência no âmbito privado, devemos pensar também em aspectos de aquisições

8 Já existiam indicadores nutricionais no século XIX na Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, contudo passam a ser problematizados com maior intensidade a partir da publicação em 1901, do estudo do economista americano Seebohm Rowntree, intitulado “Poverty: A Study of Town Life”. Este estudo ficou reconhecido como o pioneiro em analisar e medir o conceito de necessidades básicas (ROCHA, 2003). O utilizou três categorias para complexificar a questão para além da unidimensionalidade alimentar: alimentação, aluguel e itens básicos. 9 Nota-se influência da teoria de Maslow, através da Pirâmide de Necessidades. A Pirâmide se refere a uma hieraquização de necessidades humanas a serem legitimadas para alcançar a auto-realização. Para Maslow o indivíduo deve ter asseguradas necessidades fisiológicas, de segurança, relacionais e de estima (nesta ordem) (Hesketh e Costa, 1980). Tal formulação teórica acerca da motivação e satisfação humana influenciou fortemente teorias políticas e de administração no período dos anos 60 e 70.

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sociais públicas como saneamento básico, saúde e educação, acesso a cultura entre outros (CODES, 2008). Desta complexificação altera-se a escala de observação reconhecendo também as externalidades em relação com a família ou indivíduos.

A acepção absoluta traz a pobreza do silêncio dos registros de vida para a pauta de gestores públicos, pensando em termos monetários, no sentido de oportunizar segurança alimentar e nutricional e acesso a bens. Em definição, tal ideologia marcava a necessidade de se indicar a pobreza, pela exclusividade da renda, assinalando como exemplos desta herança as conhecidas linhas de pobreza ou linhas de riqueza (ROMÃO, 1982).

Se observa o caráter macroeconômico envolvido na perspectiva absoluta, sob o enfoque biológico (segurança alimentar e/ou nutricional), de necessidades básicas (moradia, água e luz) ou salários mínimos (CRESPO e GUROVITZ, 2002). Neste paradigma é possível apontar uma escolha escalar externa ao indivíduo, orientada para as relações de mercado e seus efeitos junto ao Produto Interno Bruto das nações.

Tal visão hoje já se encontra defasada na perspectiva de produção acadêmica em economia. Contudo, esta marcou o início do século XX e ainda reverbera como representação de pobreza em indicadores de agências multilaterais. O Banco Mundial, como exemplo, conceitua como pobres, famílias ou indivíduos que vivem dentro da faixa de 2 USD (Dólares Americanos) per capita ao dia, em dados atualizados em 2015. Entre 2005 e 2014, a linha era mantida em 1,25, sendo que a justificativa para o aumento foi um cálculo baseado na atualização da paridade do poder compra (PPC) dos países observados.

Até o momento desta pesquisa, o Governo Federal - por meio do Programa Bolsa Família - concentra sua análise na perspectiva absoluta de pobreza, com o limite de renda per capita fixa de até 154 reais, sendo que para a pobreza extrema os rendimentos devem ser inferiores a 77 reais per capita (IPEA, 2015)10.

A crítica ao paradigma da pobreza absoluta reside em dois discursos: 1) Ao eleger um critério absoluto mínimo para satisfação das necessidades, o paradigma favoreceria uma visão macroescalar universalista incapaz de diferenciar o componente relativo da pobreza, o que reduziria a capacidade analítica em recortes populacionais (CODES, 2008); 2) O enfoque demasiadamente monetário para a reparação/superação da pobreza, agenciado pela política de financiamento das agências multilaterais, não altera a pobreza de forma estrutural. (MONTAÑO, 2012).

10 Neste mesmo estudo, apresenta-se uma nota relevante do aumento da pobreza extrema no ano de 2013, conforme divulgado pelos dados da PNAD, saltando de 3,63% em 2012 para 4,03%. Para acompanhar esta tendência, conforme dados do IPCA, as linhas de pobreza extrema e pobreza do Programa deveriam estar entre R$ 92,60 e R$ 185,18 (IPEA, 2015).

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