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3.2 Survey quantitativo de indicadores: escolhas, direcionamentos iniciais e a situação

3.2.2 Quem são os “pobres” multidimensionais?

Os técnicos responsáveis pela aplicação do diagnóstico do Porta a Porta utilizaram uma tabela-questionário, contendo 10 indicadores subdivididos em três dimensões (educação, saúde e padrão de vida), conforme se segue abaixo.

Tabela 10: Síntese com perguntas do questionário IPM – Programa Porta à Porta

Dimensão Indicador Há privação se... Ponderação no índice

Educação

Anos de estudo Nenhum membro do domicilio completou cinco anos de estudos. 1,67 Matricula das

crianças

Pelo menos uma criança em idade escolar não estiver

frequentando a escola. 1,67

Saúde

Mortalidade Pelo menos uma criança na família morreu. 1,67 Nutrição Pelo menos um adulto ou criança desnutrido. 1,67

Padrão de vida

Eletricidade O domicilio não é servido por eletricidade. 0,56 Sanitários A estrutura de sanitária não é adequada ou é compartilhada com outros domicílios. 0,56 Água O domicilio não tem acesso à água potável ou a fonte de água potável está a mais de 30 minutos a pé de

casa.

0,56

Piso É de terra, areia ou esterco. 0,56

Combustível

para cozinhar A família usa lenha, carvão ou esterco. 0,56

72 As críticas estatísticas ao índice não serão aprofundadas pela pesquisa, pois esta se fundamenta mais na concepção de pobreza atrelada nos números em forma de sentido do que no processo pelo qual estes são elaborados. Para maiores detalhes ver Tarozzi e Deaton (2009).

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Bens domésticos O domicilio não tem mais de um: rádio, TV, telefone, bicicleta ou moto e se não tem carro ou trator. 0,56

Fonte: Tabela com indicadores multidimensionais do IPM-Global com pesos de referência, segundo PNUD (2010, p.231)

Cada dimensão tem peso igual (3,33), totalizando 10 pontos como teto máximo em privações. Há alterações de peso entre os indicadores de cada dimensão, conforme o número de privações internas, variando entre 0,56 (seis privações de Padrão de Vida) e 1,67 (duas privações de Saúde e Educação). A escolha destas dimensões se baseou em estudos de países em desenvolvimento, estabelecendo um índice com as dimensões que mais recorrentemente estavam associadas às situações de pobreza vivenciadas (ALKIRE & FOSTER, 2011a).

As pessoas consideradas multidimensionalmente pobres seriam aquelas inseridas em famílias com pontuação superior a 3 pontos. Com score entre 2 e 3 pontos as famílias são consideradas vulneráveis ou em risco de se tornarem multidimensionalmente pobres (PNUD, 2010). É possível notar que neste sistema de pontuação uma família pode ser considerada multidimensionalmente pobre, incidindo em privações em apenas uma dimensão73.

Com esta informação sobre a multidimensionalidade no território, o IPM é calculado a partir da agregação da proporção de pessoas multidimensionalmente pobres (H) com a média de privação sentida pelas pessoas em pobreza multidimensional (A) (PNUD, 2010). Assim: 𝐻 = ∑ 𝑝 𝑁 𝐴 =∑ (𝑝 𝑖 𝑁 𝑖 ×𝑠𝑖) (∑ 𝑝) ×10 𝐼𝑃𝑀 = 𝐴 ×𝐻 Onde:

p = pessoas em pobreza multidimensional

N = população total da amostra

s = score final de privações por família

De forma integrada, o IPM sintetizaria componentes unidimensionais em ponderação, conforme o “grau de universalização de acesso” na amostra. Tal leitura indica um avanço para

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a execução de políticas sociais, à medida que apresenta interlocução com possibilidades sistêmicas e intersetoriais, integrando políticas públicas para favorecer o rompimento com o ciclo intergeracional de pobreza (ALKIRE et. al, 2015).

A engenharia – presente na construção deste índice – permite a agregação em diversas escalas e favorece o agrupamento por territórios mais ou menos vulneráveis em incidência e amplitude, o que garante a replicabilidade em diversos países (ALKIRE & FOSTER, 2011a). A estratégia censitária de aplicação do IPM mineiro também apresenta vantagens, pela amplitude amostral. Contudo nos atentamos de antemão à fragilidade de suas escolhas em termos das dimensões e dos indicadores por dimensão.

Referente ao recorte das dimensões, não há nenhum registro de extensão

associada a “Trabalho”, “Proteção Social” (VAZ, 2014), “Ciclos de Vida”, “Habitabilidade” ou “Participação Política”. Tais dimensões – como outras “não escolhidas” aqui – contribuiriam para o levantamento de informações significativas em pobreza como: a)dados referentes ao mercado de trabalho local, vínculo pela formalidade ou alternativas ao trabalho; b) inputs de renda via programas sociais ou salários e seus impactos; c)dependência econômica entre os membros família; d)ativos e função protetiva e outros mecanismos interno do núcleo familiar; e)relação escolarização/trabalho; f)número de pessoas por cômodo dormitório; g)ocorrência de violações de direito e violência intrafamiliar; h)indicadores sobre condições de moradia e localizações de risco; i)acesso à seguridade social e/ou redes de vizinhança; j) participação política, estratégias de controle social e vínculo com políticas sociais; entre outros.

Referente às privações por dimensão, alguns recortes são excludentes ou

restritos. Na dimensão “Educação” haveria espaço para se pensar a necessidade de inclusão de crianças em centro de educação infantil, garantias de acesso ao Ensino de Jovens e Adulto (EJA) ou outras modalidades de aceleração, mobilidade para acessar a escolarização, entre outros. Na dimensão “Saúde” não é citada a taxa de cobertura das unidades básicas, a ocorrência de gravidez precoce entre outros fenômenos associados ao ciclo de vida, a incidência de doenças associadas a condições de habitabilidade, indivíduos em sofrimento mental ou outras enfermidades que incapacitam o ingresso no mercado de trabalho e existência de cuidadores no domicílio ou em família extensa. A dimensão “Padrão de Vida” talvez seja a mais afetada por ter que estabelecer um padrão (em escala global) de vida. Ela está demasiadamente afetada por fatores tradicionais regionais e não leva em conta bens herdados, despesas fixas como aluguel, produção de alimentos, poder de compra por território ou adaptações ao consumo de tecnologias.

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Nesta perspectiva ganha peso argumentativo o processo de seleção dos indicadores para operacionalização dos conceitos por eles deduzidos. Parece que o IPM carece de politicidade (DEMO, 2003), pois em nenhum momento atribui peso relacional às privações ou problematiza pobreza enquanto liberdade e mobilidade.

Os indivíduos-tema respondem apenas “sim” ou “não”, o que não circunstancializa a informação em função de suas capacidades. Esta forma de condução por respostas binárias, somada ao quadro restrito de dimensões e indicadores, encurta as capacidades do índice, pois reduz a liberdade substantiva da pessoa e, por consequência, a experiência em pobreza. O indicador não oferece um dado dialogado (DEMO, 1995, p.244), mas sim um dado empírico com peso de evidência sob a forma de situação.

A situação de pobreza constatada nos/pelos indicadores é ditada pelo paradigma adotado no processo de elaboração, coleta e análise dos dados, enquanto sua contraface em experiência “é” no plano vivido. “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca” (BONDÍA, 2012, p.21). A razão do indicador “calcula” e “argumenta” pobreza, mas por si é incapaz de dar sentido a ela pela parte de quem a experencia. A experiência em pobreza é em sentido de um agente, enquanto a situação de pobreza diz o lugar de um passivo. Pensar capacidades enquanto situação de pobreza exige este esforço de pensamento complexo.

“Nenhum indicador é evidente em si. Seu potencial indicativo tem origem na relevância que o quadro teórico lhe empresta. Por isso, dependendo deste quadro teórico, o mesmo indicador indica mais, indica menos, e pode não indicar nada” (DEMO, 1995, p.170).

A crítica que se faz neste momento é: pensando os paradigmas apresentados e a produção de indicadores para políticas públicas, há contribuição real para uma percepção de pobreza que gere empoderamento com fluxo de saída desta situação? Qual o risco de caracterizar a pobreza ao se pensar na sua conversão estratégica em números e indicadores em função comparativa não experencial? Qual o risco de uma falácia ecológica em pobreza influenciar diretrizes de trabalho e focalização na implementação de políticas sociais?